É
mais fácil prever o futuro em questões judiciais do que o passado
No
Brasil dos últimos anos, é mais fácil prever o futuro em questões judiciais do
que o passado. A competência do juízo federal sobre algumas iniciativas da
Lava-Jato foi questionada tempos atrás. Talvez temendo o patrulhamento da
opinião pública e da imprensa, o Supremo Tribunal Federal tenha deixado de lado
uma questão que parecia óbvia e não esclareceu devidamente os limites das
investigações da operação que se transformou em catarse.
Para
o país e o mundo, a tardia definição da questão é um vexame, ainda que a
decisão do ministro Edson Fachin possa ser juridicamente precisa. Mas por que o
STF não delimitou claramente os limites da investigação? Por que o ex-juiz
Sergio Moro não encaminhou a investigação para o juízo competente?
Ambas
as respostas devem, obrigatoriamente, conter componentes não jurídicos e,
obviamente, políticos. O establishment não quis salvar o ex-presidente Lula
pelo que fez e pelo que poderia fazer após a derrocada de sua protégée, Dilma Rousseff. Os abusos
da Lava-Jato eram como mentiras sinceras.
Por
seu lado, Moro não abria mão de processar e julgar Lula, mesmo sob
questionamentos consistentes, pois contava com a aliança jurídico-midiática
para validar os seus movimentos e condenar o ex-presidente.
Ao fim e ao cabo, os excessos lavajatistas terminaram comprometendo a Operação Lava-Jato, podendo jogar as investigações sobre Lula para as calendas. Ainda que a decisão de Fachin possa ser revista pelo plenário do STF. Outro fato que importa é o seguinte: Lula, que estava na lateralidade do jogo político, volta a ter relevância, mesmo que não saia candidato à Presidência em 2022. Sua reabilitação vitaliza seu papel como candidato ou cabo eleitoral.
“Lula, que estava na lateralidade do jogo
político, volta a ter relevância, mesmo que não saia candidato”
A
terceira consequência é que o episódio Lula-Fachin poderá deflagrar o desmonte
da Operação Lava-Jato, que, mesmo com seus abusos e excessos, provocou avanços
institucionais importantes.
Ademais,
o episódio jogou um balde de incertezas na conjuntura jurídica e política. A
decisão de Fachin será mantida? No caso de ser mantida, como proteger a parte
sadia da Lava-Jato? Qual será o futuro político de Moro? A polarização
Bolsonaro versus Lula será predominante? Como fica o centro político?
É
cedo para respostas definitivas. Lula, caso seja candidato, tem o desafio de
unir a esquerda e buscar apoios ao centro. Bolsonaro tem outros desafios mais
imediatos, como lidar com a pandemia e promover o crescimento econômico.
O centro político, que não definiu qual caminho escolher na sucessão, se
vê pressionado a tomar um rumo.
O
curioso é que a polarização direita-esquerda não eliminará a característica
central da política brasileira: com ou sem o desmonte da Lava-Jato, quem
definirá o próximo presidente da República será o eleitorado não radical.
Uma
questão preocupante: a política continuará a ser profundamente afetada pelas
decisões do Judiciário e, até mesmo, por decisões monocráticas que surgem como
raios em céu azul? A imprevisibilidade afeta o processo de consolidação de
nossas instituições tanto quanto nossas elites se iludirem com processos
catárticos como soluções de prateleira aos desvios de nossa política.
Publicado
em VEJA de 17 de março de 2021, edição nº 2729
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