Por Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico
São Paulo O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) animou-se com a possibilidade de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vir a ser candidato. “Abriu-se uma larga avenida para o centro”, diz. Na contramão, não acredita que o cenário ficará polarizado entre Lula e o presidente da República. Aposta que Jair Bolsonaro, pela gestão “imperdoável e criminosa” na pandemia se inviabilizou: “Bolsonaro está queimado”.
Para
enfrentar Lula, Tasso defende que cinco nomes sentem para conversar: os dois
pré-candidatos do seu partido, os governadores de São Paulo, João Doria, e do
Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, Luiz Henrique Mandetta, do DEM, além do
ex-ministro Ciro Gomes, do PDT, e o apresentador Luciano Huck, ainda sem
partido. Reconhece as dificuldades de tirar uma chapa única desses cinco nomes
mas diz que a gravidade da crise impõe que conversem. “Têm que estar abertos
para serem apoiados mas também para apoiar”, diz.
Este centro, diz, deveria buscar se diferenciar de Lula por uma plataforma econômica liberal, defensora da privatização não como o caminho único, mas necessário, rigor fiscal, politica monetária conduzida por um Banco Central independente e uma “forte visão social aberta às diversidades do mundo moderno e defensora intransigente do meio ambiente e da ciência”. Nesta plataforma, não há lugar para ataques pessoais. “Não gosto de fazer julgamento de caráter ou de honestidade das pessoas. Faço julgamento político. As pessoas não discutem mais política. Se enfrentam com ódio”, diz.
Veja a
íntegra da entrevista aqui
Aos 72 anos, oex-presidente do PSDB, que acumula o segundo mandato como senador, depois de três gestões como governador do Ceará, quer uma disputa limpa com o ex-presidente. “As pessoas no mercado financeiro e nos meios empresariais diziam que qualquer coisa era melhor que o PT. Não é verdade. A pandemia atacou a todos de maneira muito forte. Muitas pessoas que tinham essa visão já não a têm”, diz.
A seguir, os principais trechos da “Live” do Valor, feita com o senador ontem na hora do almoço, a partir de seu escritório em Fortaleza, de onde também participa das sessões virtuais no Senado.
Valor: O que muda a entrada de Lula no jogo eleitoral de 2022?
Tasso Jereissati: Se Lula indicasse um candidato como já fez no passado ele não seria tão visto tão como de extrema-esquerda quanto ele. E não estou fazendo aqui nenhum julgamento porque não acredito que Lula seja de extrema-esquerda. Mas, simbolicamente, os dois representam esses polos, Bolsonaro pela direita e Lula, pela esquerda. Isso significa que nós, ou seja, o centro, abrimos uma avenida larga em que, entre aqueles que não querem a extrema-esquerda e aqueles que não querem a extrema-direita, possam encontrar um espaço. Isso vai depender de nós agora, políticos de centro, que somos a maioria, escolher bem um candidato que possa representar esse equilíbrio.
Valor: O senhor fala de uma avenida larga para o centro, mas tanto Lula quanto Bolsonaro já dão sinais de que vão moderar o discurso na direção ao centro que é o mercado eleitoral que lhes resta. A força desses polos não tenderá, naturalmente, a atrair partidos de centro com vistas a uma aliança de governo?
Tasso: É óbvio que os dois lados vão tender para o centro porque a chance de qualquer deles vir a ganhar a eleição está lá. E existe também a tendência de alguns partidos do centro, não confundir com o Centrão, se aliarem àquele que tem mais chance de ganhar porque isso já aconteceu com Lula, com Dilma quando vários partidos, mais do Centrão do que do centro, aderiram, e agora com o próprio Bolsonaro. Mas os eleitores, não. Não necessariamente seguem esses partidos. Então há um espaço a ser trabalhado porque existe uma grande aversão do eleitor tanto da experiência Bolsonaro quanto da experiência Lula.
Valor: O senhor acha que o centro deve se unir para tirar Lula ou Bolsonaro do jogo?
Tasso: Não para tirar um ou outro, mas para ganhar.
Valor: Mas é previsível que um dos dois esteja no 2º turno, não?
Tasso: Acho que o Bolsonaro está queimado. Para o centro mais consciente, está queimado. Sua atuação em vários setores nesse momento de pandemia o exclui até de probabilidade de aliança nossa. O que ele tem feito até aqui, alguns chamam de genocídio, acho até que tem um lado de crueldade nas manifestações do governo em relação à pandemia até agora.
Valor: Então toda essa repaginação com uso público de máscaras e defesa da da vacina não será capaz de reverter a percepção sobre a conduta do presidente?
Tasso: Até ontem [quarta-feira] à noite a gente tinha mais de 2.300 mortos em 24 horas. É a taxa de mortalidade mais alta do mundo. Li a opinião de um cientista respeitado dizendo que podemos passar de 300 mil mortos. Isso não se apaga, não se recupera e não pode ser esquecido. É a maior mortandade na história do Brasil. Não houve guerra, nem seca nem nenhum outro evento que se iguale. Pode mudar de lado de agora por diante mas essas vidas não voltam. Então isso é imperdoável.
Valor: Se o senhor estiver certo, esta avenida larga levaria para uma candidatura de centro-direita. Lula disse a situação dramática do país projeta as chances de uma aliança encabeçada pela esquerda. Ele está errado?
Tasso: Acho que ele está equivocado, no entanto acho que é o caminho que ele vai percorrer agora nesse período pré-eleição. Ele [Lula] conhece muito bem o país e o eleitorado brasileiro e sabe que se não vier em direção ao centro suas chances de ganhar a eleição são muito pequenas. Como ele fez no passado. Disputou várias eleições e, muito inteligentemente, na eleição que ele ganhou fez a tal “Carta ao Povo Brasileiro” em que abria claramente para uma aproximação com a centro-direita. Tivemos, por exemplo, no governo Lula, ao longo dos dois primeiros anos, um Ministério da Fazenda em que o principal formulador de política econômica, o Marcos Lisboa [ex-secretário de Política Econômica e atual presidente do Insper], que é respeitado por todos nós como um grande formulador de política econômica liberal. Entre a centro-esquerda e a centro-direita o que há são nuances. O próprio PSDB nasceu da aliança entre a centro-esquerda e a centro-direita. Franco Montoro [governador de São Paulo entre 1982 e 1986 e fundador do PSDB] tinha origem na democracia cristã, de direita, não de extrema-direita, extremamente democrático e social. A tendência do [ex-presidente] Fernando Henrique, Mário Covas [governador de São Paulo entre 1995 e 2001] e [senador] José Serra (PSDB-SP) era da social-democracia alemã, quase uma divisão do marxismo e do bolchevismo à direita.
Valor: Com a presença do Marcos Lisboa como um dos principais formuladores econômicos no primeiro mandato de Lula o senhor sugere que o Lula não governou com uma plataforma de esquerda...
Tasso: Ele não foi um dos principais, foi o [enfático] formulador econômico do governo Lula e foi um sucesso. Não posso negar isso. A mudada de linha do governo Lula foi a partir da entrada do ministro [Guido] Mantega e se solidificou mais à esquerda.
Valor: E qual dos dois o senhor espera encontrar na campanha, Lula I ou Lula II?
Tasso: É achismo, porque um Lula que passou quase um ano e meio preso com todas as dificuldades, as acusações que enfrentou e os problemas que teve, é um Lula diferente, mas o Lula tradicional, que conheci lá atrás na hora da campanha é o Lula vindo para o centro e pregando paz.
Valor: E que plataforma embasaria uma candidatura competitiva contra este Lula que virá?
Tasso: Uma política econômica de mercado, liberal, com uma forte visão social e bastante aberta às diversidades e às realidades do mundo moderno, defensora intransigente do meio ambiente e da ciência, que tenha na privatização não o único caminho mas uma necessidade, não seja preconceituosa, tenha rigor fiscal para que não se repita o desastre que já aconteceu e com uma política monetária que seja conduzida por um Banco Central independente.
Valor: Na plataforma de uma candidatura de centro como esta que o senhor descreve teria lugar para declarações como a do ex-ministro Ciro Gomes sobre Lula: “É inocente, mas não honesto”?
Tasso: Não gosto muito de fazer julgamentos de caráter, de honestidade das pessoas sem ter uma visão muito comprovada. Se fosse juiz seria um péssimo juiz. Faço julgamento político. Esse processo gerou no Brasil, e nos Estados Unidos, muito ódio. As pessoas não discutem mais política. Se eu tivesse o poder de aconselhar uma candidatura de centro não seria, com certeza, em cima de ataques pessoais, mas de uma proposta para o país.
Valor: O presidente do PSDB, o deputado Bruno Araújo, marcou prévias para 17 de outubro. Já há duas pré-candidaturas, a dos governadores de São Paulo, João Doria e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Doria protagonizou campanhas com acusações do gênero que o senhor descreveu. Ele se encaixa no perfil de quem faz ataques pessoais para ganhar voto?
Tasso: Um partido como o PSDB diante da situação grave em que vivemos deve fazer o possível para que não venha uma próxima administração com propostas que agravem ainda mais a situação econômica do Brasil. Temos que respeitar as regras e ter capacidade de atrair investimentos estrangeiros que são cruciais para a retomada do crescimento econômico. O partido deve buscar qual será seu candidato, mas também alianças. Se conseguirmos um candidato único de centro seria o ideal. E quem quer ser apoiado tem que estar aberto a apoiar também. Então eu colocaria nesses nomes de centro, o próprio Ciro [Gomes], o [ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique] Mandetta, o [apresentador Luciano] Huck, o Doria e o Leite. São nomes de centro, cada um com seu estilo, não posso mudar o estilo pessoal de ninguém, mas o tom da campanha, com certeza, tem que ter nível, com visão de país.
Valor: Doria, Leite, Mandetta, Huck e Ciro poderiam se entender para formar uma chapa? O senhor já conversou com eles sobre isso?
Tasso: É um entendimento difícil, mas é um esforço que devemos fazer. Já conversei com alguns e eles têm essa consciência, mas reconheço que disso aí à prática é muito mais difícil. O diabo mora nos detalhes, então na hora de se concretizar uma aliança como esta não é fácil.
Valor: O senhor tem se batido pela independência de seu partido em relação ao governo Bolsonaro, mas hoje há alguns tucanos muito próximos da base de governo, como o deputado Aécio Neves que acaba de ser agraciado com a Comissão de Relações Exteriores na Câmara. Ele representa o PSDB?
Tasso: Não. É um deputado importante do PSDB, mas não representa, não é majoritário e não representa o PSDB.
Valor: Não apenas este governo, mas aqueles que o antecederam têm cedido fatias crescentes do Orçamento para fundos eleitorais e partidários e para emendas parlamentares. O Executivo está cada vez mais refém de blocos parlamentares que comandam a distribuição dessas verbas. Por outro lado, não se vê um incremento seja na democracia interna dos partidos, seja na transparência dos partidos. Como é que se resolve isso se são os próprios parlamentares que são os beneficiários dessas regras?
Tasso: Sou favorável a uma reforma política e eleitoral profunda. Indo mais ao extremo, sou parlamentarista, mas vamos ter um Congresso mais forte até do que no parlamentarismo. A gente vive o momento mais agudo da capacidade de pressionar o Congresso. Tanto Lula quanto FHC tinham base parlamentar e o Centrão ia para lá e para cá quando se precisava de quórum constitucional, mas não era a base do governo. Agora o Centrão é a base. Cada vez mais generoso com as vantagens e privilégios dos parlamentares. É uma tendência que não está limitada ao Centrão. Ela permeia os outros partidos e faz com que o espírito corporativo se fortaleça e enfraqueça o governo. Não é à toa que tivemos [o senador] Davi Alcolumbre (DEM-AP) e o [deputado] Rodrigo Maia (DEM-RJ) como presidentes poderosíssimos que ditavam o que entrava na pauta e não entrava. Por isso precisamos do voto distrital misto.
Valor: Mas no que é que o voto distrital misto muda essa relação de um Executivo refém do Congresso?
Tasso: Primeiro muda as estruturas partidárias. O governo FHC chegou com uma forte base parlamentar, do PSDB, aliado ao DEM, e depois ao MDB. Quando tinha reforma constitucional precisava de mais apoios mas a base era essa. A última eleição no Congresso foi a pá de cal dos partidos dentro do Parlamento. A busca por votos para a Presidência das mesas foi feita individualmente dentro dos partidos, não importando as lideranças partidárias. Houve um atropelamento dos partidos.
Valor: Na melhor das hipóteses, uma mudança estrutural só viria para a legislatura de 2026. Como o próximo presidente poderá fazer política pública com o Executivo assim tão refém?
Tasso: O governo é fraco porque não tem base parlamentar. As coisas acontecem no Congresso à revelia de um Executivo sem qualquer experiência política. Essa possibilidade de uma relação melhor nasce da possibilidade de uma união partidária em torno de um programa claro e pré-definido. Não vai ser um programa nunca de centro-direita nem de centro-esquerda mas dentro das afinidades que são possíveis.
Valor: O senhor propôs uma CPI para investigar a conduta do governo na pandemia e o senador Rodrigo Pacheco engavetou o pedido. A que o senhor atribui essa atitude?
Tasso: Essa CPI já foi assinada por 32 senadores. A gestão do governo federal e do Ministério da Saúde foi criminosa porque matou muita gente e ainda vai matar mais. Só a mudança de liderança do [Donald] Trump para o [Joe] Biden contribuiu enormemente para a queda no número de casos e óbitos da pandemia nos EUA. Porque tratou o governo nacional como referência e como mobilizador de um esforço de guerra, que é vacinar e não aglomerar. O presidente Bolsonaro e o ministro da Saúde não apenas não quiseram fazer mas sabotaram quem quis fazer. A CPI responsabilizaria isso, até para que futuros governantes do Brasil saibam que a irresponsabilidade de um presidente, de um ministro têm consequências. Também teria o objetivo de parar a sabotagem, de que tomassem consciência de que teriam que vir prestar contas ao Congresso. Na quinta-feira passada, o representante do Ministério da Saúde veio ao Senado e entregou uma tabela de vacinação com um cronograma completamente diferente daquele que foi anunciado ontem [na quarta-feira] pelo ministro Pazuello. Eles prometeram 38 milhões de vacinas contando, por exemplo, com a Bharat Biotech, que nem pedido de registro tem na Anvisa. Como é que um governador de Estado pode se planejar assim? Não tem a menor transparência. Insisto em CPI porque, primeiro, não se convida, se convoca. Depois você vai sob juramento. Não se pode mentir ou falsear a verdade. Tanto do lado do governo quanto do lado das farmacêuticas.
Valor: E por que então não sai a CPI?
Tasso: Prefiro acreditar que o presidente do Senado seja cauteloso e não esteja querendo provocar uma crise, mas discordo dele porque a crise já está aí. Pior crise que esta não existe. Seria uma ação de responsabilidade e de tranquilidade para o país. Não está visando ao impeachment, nem prender ninguém, é uma responsabilização futura.
Valor: Como relator da Lei de Responsabilidade das Estatais, o senhor mandou uma carta para a CVM dizendo que o intuito desta lei foi equilibrar a relação entre o controlador e as empresas públicas. Qual o desdobramento da carta e o que se deve esperar da gestão da Petrobras sob o general Luna e Silva?
Tasso: Desdobramento nenhum, mas não tenho a menor dúvida de que se está fazendo um desrespeito claro e frontal à Lei das Estatais. Existe uma certa acomodação em relação à infração das leis. A lei também proíbe subsídio sem que haja compensação financeira para não prejudicar os acionistas. A exigência do currículo também é muito clara.
Valor: Diante de uma afronta como esta à Lei das Estatais como se explica que o presidente Bolsonaro ainda guarde apoio no mercado?
Tasso: Tenho minhas dúvidas se esse apoio ainda existe na mesma intensidade. Se esse existisse não haveria tanto recurso saindo do Brasil. E quando há fuga de capital? Quando há uma desconfiança muito grande. O que houve num primeiro momento foi um antipetismo irracional. As pessoas no mercado financeiro e no meio empresarial, em geral, diziam que qualquer coisa era melhor que o PT. Não é verdade. O Brasil tem instituições, tem Legislativo e Judiciário. Se tudo funcionar direitinho, tudo é controlável entre os Três Poderes. Ignorou-se tudo isso e se elegeu o pior para o Brasil.
Valor: O antipetismo sobrevive com a mesma força?
Tasso: O antipetismo não é mais tão cego de achar que qualquer coisa é melhor que o PT. Converso com pessoas que tinham essa visão e hoje já não veem do mesmo jeito. A pandemia atacou a todos de maneira muito forte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário