sexta-feira, 12 de março de 2021

Ex-presidente manteve bandeiras da esquerda, mas acenou para fora da base

Discurso não assustou mercado

Por César Felício / Valor Econômico

11/03/2021 05h00  

SÃO PAULO - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo um discurso duplo: não só se colocou no papel de vítima de uma fraude judicial promovida pela Operação Lava-Jato como assumiu o tom de candidato a presidente em 2022. É um candidato que demonstrou saber exatamente o que quer, capturar o antibolsonarismo.

Lula antagonizou com o presidente o tempo todo e procurou fazer com que a audiência visualizasse o que seria um eventual governo seu, sobretudo em relação ao combate à pandemia: criaria um comitê científico, anunciaria semanalmente o balanço da pandemia e providências a serem tomadas, percorreria o país para verificar condições sanitárias e evitar, por exemplo, que faltasse oxigênio para os pacientes em Manaus. De modo sutil, já disputa com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e com o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) o contraponto ao descalabro de Bolsonaro no combate à covid-19.

O presidente sentiu o golpe: apareceu de máscara em cerimônia, acenou com 400 milhões de imunizantes e seu primogênito, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) publicou nas redes sociais: “nossa arma é a vacina”.

O pretendente a aglutinar o antibolsonarismo, contudo, lançou âncora no seu porto seguro, que é o campo da esquerda. Ao falar de economia, pontuou: “Vocês nunca ouviram da minha boca a palavra privatização”.

Defendeu o investimento público como mecanismo indutor do desenvolvimento e disse que cabe ao governo criar condições para aumentar a demanda, de modo a estimular a produção. Citou o exemplo da indústria automobilística, que em 2008 produzia o dobro do que faz atualmente. Abusou do nacionalismo e de referências contra os Estados Unidos. “Quando é que eu vou poder acordar e respirar sem pedir licença para o governo americano”? indagou. Atacou o mercado financeiro. “ Será que vamos ficar refém do Deus mercado, que só quer ganhar dinheiro, não importa como?”.

É do seu bunker de esquerda, composto pelo PT e partidos satélites, além de movimentos sociais, que Lula parte, assim como fez nas eleições de 1989 e 1994. A partir daí, ele faz acenos, sem estabelecer de início alianças. Prometeu respeitar a liberdade de imprensa. Disse que negocia sem problemas com a maioria que existe no Congresso Nacional, por agora bolsonarista. “O povo elegeu quem ele quis eleger e nós precisamos conversar com quem está lá”, disse. Prontificou-se a conversar com a Febraban e a Fiesp. “Um presidente da República precisa conversar com empresários e com sindicalistas”, disse. Falou que respeita o agronegócio, mas pontuou que “o país quer ser industrializado”.

Talvez isso tenha levado o mercado, aquele que só quer ganhar dinheiro, não importa como, a ter reagido com tanta serenidade às palavras do ex-presidente. Ativos que servem de refúgio para momentos de incerteza, como o dólar, até perderam valor no começo da tarde. Lula não chegou a fazer uma carta ao povo brasileiro ou se apresentar como “Lulinha paz e amor”, longe disso. Mas também não estava pintado para a guerra, em clima de ajuste de contas com a vasta legião de brasileiros que o abandonou.

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