Discurso
não assustou mercado
Por
César Felício / Valor Econômico
11/03/2021
05h00
SÃO PAULO - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez no Sindicato dos
Metalúrgicos de São Bernardo do Campo um discurso duplo: não só se colocou no
papel de vítima de uma fraude judicial promovida pela Operação Lava-Jato como
assumiu o tom de candidato a presidente em 2022. É um candidato que demonstrou
saber exatamente o que quer, capturar o antibolsonarismo.
Lula antagonizou com o presidente o tempo todo e procurou fazer com que a audiência visualizasse o que seria um eventual governo seu, sobretudo em relação ao combate à pandemia: criaria um comitê científico, anunciaria semanalmente o balanço da pandemia e providências a serem tomadas, percorreria o país para verificar condições sanitárias e evitar, por exemplo, que faltasse oxigênio para os pacientes em Manaus. De modo sutil, já disputa com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e com o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) o contraponto ao descalabro de Bolsonaro no combate à covid-19.
O
presidente sentiu o golpe: apareceu de máscara em cerimônia, acenou com 400
milhões de imunizantes e seu primogênito, o senador Flávio Bolsonaro
(Republicanos-RJ) publicou nas redes sociais: “nossa arma é a vacina”.
O
pretendente a aglutinar o antibolsonarismo, contudo, lançou âncora no seu porto
seguro, que é o campo da esquerda. Ao falar de economia, pontuou: “Vocês nunca
ouviram da minha boca a palavra privatização”.
Defendeu
o investimento público como mecanismo indutor do desenvolvimento e disse que
cabe ao governo criar condições para aumentar a demanda, de modo a estimular a
produção. Citou o exemplo da indústria automobilística, que em 2008 produzia o
dobro do que faz atualmente. Abusou do nacionalismo e de referências contra os
Estados Unidos. “Quando é que eu vou poder acordar e respirar sem pedir licença
para o governo americano”? indagou. Atacou o mercado financeiro. “ Será que
vamos ficar refém do Deus mercado, que só quer ganhar dinheiro, não importa
como?”.
É
do seu bunker de esquerda, composto pelo PT e partidos satélites, além de
movimentos sociais, que Lula parte, assim como fez nas eleições de 1989 e 1994.
A partir daí, ele faz acenos, sem estabelecer de início alianças. Prometeu
respeitar a liberdade de imprensa. Disse que negocia sem problemas com a
maioria que existe no Congresso Nacional, por agora bolsonarista. “O povo
elegeu quem ele quis eleger e nós precisamos conversar com quem está lá”,
disse. Prontificou-se a conversar com a Febraban e a Fiesp. “Um presidente da
República precisa conversar com empresários e com sindicalistas”, disse. Falou
que respeita o agronegócio, mas pontuou que “o país quer ser industrializado”.
Talvez isso tenha levado o mercado, aquele que só quer ganhar dinheiro, não importa como, a ter reagido com tanta serenidade às palavras do ex-presidente. Ativos que servem de refúgio para momentos de incerteza, como o dólar, até perderam valor no começo da tarde. Lula não chegou a fazer uma carta ao povo brasileiro ou se apresentar como “Lulinha paz e amor”, longe disso. Mas também não estava pintado para a guerra, em clima de ajuste de contas com a vasta legião de brasileiros que o abandonou.
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