A
pandemia completou um ano, e o Brasil já ultrapassou o total de 11 milhões de
casos e 270 mil mortes. É um Rio Grande do Sul inteiro de doentes, com menor ou
maior gravidade. Em óbitos, a população inteira de cidades como Volta Redonda
(RJ), Barueri (SP), Juazeiro do Norte (CE). A esta altura, não há brasileiro
que não tenha perdido ou consolado alguém enlutado pela Covid-19. Não há
brasileiro que não tenha experimentado ou acompanhado o medo de quem recebeu
diagnóstico positivo. Não há no país quem não tenha ficado sem trabalho, renda
ou não saiba de gente em dificuldades financeiras. Não há brasileiro que não
tenha doado ou recebido uma cesta de alimentos, um kit de higiene, uma quantia
em dinheiro, um galão de água, um prato de comida.
Um ano atrás, torcíamos pelo fim de uma temporada de isolamento, doença e luto que duraria semanas, talvez meses. Ansiávamos pelo momento de retomar a vida como ela era — provavelmente, com pequenos ajustes. Do meu círculo, foram-se o neto do Luiz Sacopã, o avô e o padrasto do Felipe, a avó e o tio da Daiene, o pai da Fabricia, a mãe e o pai do Stanley, o sobrinho e a irmã da Ana Claudia, a mãe da Rachel, o pai da Telma, o pai da Juliana, o pai da Thux. Perdemos mestre Aldir Blanc; seu Ubirany, inventor do repique de mão e fundador do Grupo Fundo de Quintal; dona Nicette Bruno; o cacique Aruká, último homem indígena da etnia Juma. Está nítido que, quando possível o reencontro, a vida nunca mais será a mesma. Faltam muitos eles e elas em casa, na rua, no trabalho; nas aldeias e quilombos; em hospitais e universidades; nas cidades, nos estados, no país, mundo afora.
A
devastação ultrapassou as piores previsões, e o Brasil encerra 12 meses de
pandemia no pior momento em total de casos e mortes. UTIs estão em nível
crítico de ocupação em 25 das 27 capitais, mapeou a Fiocruz. Faltam vacinas,
evidência da desmoralização pelo Ministério da Saúde do Programa Nacional de
Imunização, orgulho de outrora. Há pelo menos 13 milhões de desempregados no
país; no Rio de Janeiro, 1,5 milhão. A FGV Social estima em 27,2 milhões o
número de brasileiros abaixo da linha da pobreza (R$ 246). A fome avança; os
preços dos alimentos subiram 19% desde março de 2020, quatro vezes a inflação;
o auxílio emergencial foi interrompido. A vulnerabilidade social disparou a
ponto de as organizações da sociedade civil reativarem ações humanitárias do
ano passado, com menos recursos, ativistas exauridos, tal como os profissionais
de saúde.
O
Brasil é um país em frangalhos, entristecido, enlutado. E o culpado é Jair.
Bolsonaro, presidente da República, um mês e meio após a decretação da
pandemia, num simbólico 22 de abril, aniversário da chegada dos colonizadores,
liderou uma reunião ministerial em que anunciou a intenção de armar a população
—e armou. O titular do Meio Ambiente sugeriu passar a boiada no arcabouço
regulatório — e passou. Dois ministros da Saúde foram trocados. O general
Eduardo Pazuello, no cargo há dez dos 12 meses de pandemia, está 100% envolvido
na tragédia, que mata um brasileiro por minuto neste março, segundo calculou o
demógrafo José Eustáquio Alves, e fez do país ameaça global pelo espalhamento
de variantes do vírus.
Ações
equivocadas e omissões inaceitáveis trouxeram o Brasil aos dias críticos que
ora testemunhamos. Perdemos um ano esperando que Palácio do Planalto e
Ministério da Saúde assumissem o protagonismo devido no enfrentamento à crise
sanitária. Erramos na estratégia, porque governo não há. Desde a virada do mês,
convencidos do vazio, governadores articulam o Pacto Nacional em Defesa da Vida
e da Saúde, que não prescinde de cientistas, empresariado e movimento social.
Até aqui, 21 das 27 autoridades estaduais se comprometeram com medidas
conjuntas para ampliar a vacinação, adotar medidas preventivas, aumentar a
oferta de leitos. O governador em exercício do Rio de Janeiro está entre os
seis que não assinaram o documento divulgado anteontem, embora Cláudio Castro
administre um estado que já ultrapassou 34 mil óbitos por Covid-19 e 73% de
utilização de leitos de UTI.
O
presidente da Câmara, Arthur Lira, aliado do presidente da República como o
governador fluminense, enviou carta dramática ao embaixador da China, apelando
por insumos e vacinas para a população brasileira. Ministros do Supremo
Tribunal Federal têm cobrado providências da União. Mas o presidente da
República e seu entorno só apareceram de máscara e viralizaram imagens de apoio
à vacina depois que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sentenças
anuladas pelo ministro Edson Fachin, fez discurso de estadista atacando a
gestão do adversário na pandemia e antecipando a campanha eleitoral de 2022.
Foi Lula quem ensinou a Bolsonaro a importância do contraditório, algo que o capitão sempre repeliu em seu governo. O autoritarismo obtuso baniu Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich do Ministério da Saúde no primeiro bimestre da pandemia. Pelo fato político inesperado — que teve o efeito colateral indesejável de eclipsar a articulação de governadores, Legislativo, Judiciário e, por um par de dias, até os números da crise sanitária —, tomara o Brasil se convença de que a vida mora na democracia. Ditadores, autocratas, incompetentes produzem morte.
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