Em
tese, há espaço onde poderia transitar a composição de opções à polarização (no
mau sentido), que aprisiona e impede cotejos mais racionais
A reação do senso comum à retomada da condição de elegibilidade de Luiz Inácio da Silva por obra de manobra do ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Edson Fachin foi a de que o ex-presidente será candidato à Presidência e, com isso, em 2022 estará restabelecido com tintas mais fortes o cenário de polarização entre extremos de 2018, com o resultado inevitável da vitória de um dos dois: Lula ou Bolsonaro.
Conclusão
rápida, fácil, mas não necessariamente acertada. Primeiro, porque a situação do
ex-presidente não está definitivamente decidida. Depois, porque, ainda que se
confirme sua condição de ficha-limpa formal, isso não se estende ao campo
moral, fator que é apenas um entre os vários que representam mais dificuldades que
facilidades ao curso exitoso de uma candidatura presidencial do petista.
A cena hoje é muito diferente da anterior e completamente diversa daquela de quase vinte anos atrás, quando o PT ganhou a eleição cheio de razão junto ao eleitorado que via o partido com expectativa de boa governança, da solução para a desigualdade social e da entrada do país no rol dos adeptos da ética na política.
Nesse
quadro, acrescido do fato de o Brasil ser hoje muito mais difícil de governar e
de o mundo ser muito menos próspero, seria um grande risco para quem já foi
duas vezes presidente e saiu do cargo glorificado com 80% de aprovação. Isso a
ponto de as pessoas se esquecerem da transformação de um legado bendito deixado
por Fernando Henrique na verdadeira herança maldita dos governos Dilma
Rousseff.
Ainda
que não seja candidato, Lula será um ator importantíssimo na eleição de 22,
primeiramente nas pesquisas, podendo transitar com pose de injustiçado,
“vendendo” feitos de seu governo, nem sempre verdadeiros, como fez no discurso
da quarta-feira 10. Daí a avaliação inicial sobre ser inevitável a redução do
quadro eleitoral ao embate dos extremos, considerando nesse conceito menos as
diferenças ideológicas e de procedimentos entre os dois campos e mais o caráter
fanático dos fiéis seguidores do atual e do ex-presidente.
A
questão aí é se o país está condenado a essa dicotomia e o eleitorado disposto
a se render a ela repetindo a lógica de adesão por exclusão ao adversário não
pelo exame racional de erros e acertos, mas pelo puro exercício dos chamados
antipetismo e antibolsonarismo.
A
julgar pela quantidade de gente que diz nas pesquisas não votar em um ou em
outro em hipótese alguma — hoje medida em índices muito semelhantes, em torno
de 40% —, a resposta às dúvidas enunciadas acima é que existe um desejo grande
por alternativas. Vontade expressa nos resultados das eleições municipais do
ano passado, em que os candidatos apoiados por ambos tiveram um mau desempenho.
Haveria,
então, em tese e potencialmente espaço equivalente a uma grande avenida onde
poderia transitar a composição de opções à polarização (no mau sentido), que
aprisiona e impede cotejos mais racionais. Essa construção, no entanto, depende
de essas forças saírem da posição mais confortável da conveniência partidária
de simplesmente embarcar de carona nas candidaturas que aparecem mais bem
posicionadas nas pesquisas e começarem a existir de fato na vida da população.
Não só do eleitorado.
“Em
reação à era dos extremos, o centro tem chance de atrair apoios ao tempo de
equilíbrio”
De
que modo? Mediante o atendimento a indispensáveis condições: a escalação do
melhor time para a montagem de agenda correspondente às demandas prioritárias
da sociedade, um posicionamento identificado com as demandas dos pobres sem
perder o norte da importância dos ricos no crescimento da economia e atenção
estreita à classe média. Tradução: um não ao sectarismo e portas escancaradas à
inclusão.
Lula
poderia ajudar nisso se abandonasse a obsessão por liderar (como candidato ou
cabo eleitoral de enorme peso) um processo de volta do PT ao poder, a fim de
atrair para um projeto que abarcasse a esquerda e a centro-esquerda. Isso
implicaria a existência de autocrítica e boa dose de generosidade política. Não
parece ser o caso.
O
desprendimento também é requisito essencial no campo do centro à direita
civilizada, onde transitam pretendentes já postos e algumas possibilidades que
poderiam colaborar se conformadas a um papel de coadjuvantes qualificadas de
alguém que seja escolhido pela capacidade de atração do eleitorado mais pelas
qualidades postas a serviço do país que pelo repúdio a seus defeitos que tanto
infelicitam o Brasil.
Publicado em VEJA de 17 de março de 2021, edição nº 2729
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