domingo, 13 de novembro de 2022

Míriam Leitão - Nada de novo em todos os fronts

O Globo

Governo que nem tomou posse teve que enfrentar tremores fortes do mercado e notas inoportunas das Forças Armadas na mesma semana

O velho governo já morreu, o novo não começou ainda, mas já tem que enfrentar o desgaste dos seus primeiros erros e a cobrança por heranças velhas. Na semana houve tremores no mercado financeiro, um sinal de sectarismo dado pelo PT na disputa do BID e notas inoportunas das Forças Armadas. O presidente Lula acertou muito nesse início. Talvez o maior acerto tenha sido mostrar o quanto lhe dói a dor alheia. O Brasil precisava disso. Quatro anos de um governante sem empatia feria nossos valores humanos. O choro de Lula pela fome redime um país no qual o presidente não chorou por 700 mil mortos.

Toda realidade tem vários ângulos. No mesmo discurso em que chorou, Lula produziu ruídos no mercado financeiro. Isso lembra que a economia não comporta improvisos. Cotações caem e sobem. São menos importantes do que o sinal que veio de outra frente. O país está de novo às voltas com a incapacidade de as Forças Armadas entenderem qual é o seu papel constitucional. Houve três notas militares em três dias e todas elas fora do tom.

Lula falou na “tal da estabilidade fiscal”, como um impedimento ao combate à fome. É o oposto. Economia estável é a base de qualquer projeto social duradouro. O veto a Ilan Goldfajn no BID mostrou a velha faceta do sectarismo do PT. Ilan, um grande economista brasileiro, sem vinculação partidária, hoje estará diante dos governadores do Banco Interamericano de Desenvolvimento na sabatina para o cargo. E eles perguntarão: o novo governo brasileiro o apoia? A verdade é que ele tem muito apoio sim no grupo que chega ao poder, mas o ex-ministro Guido Mantega enviou email à secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, dizendo que ele não era o candidato. Um erro.

Mantega ligou para os ministros da economia dos países vizinhos e desautorizou a candidatura de um brasileiro sério e com serviços prestados ao país. Por que fez isso? Sectarismo. Ele disse que apenas pediu o adiamento da eleição, mas sabe que não dá. Teria que haver concordância de todos os países, e a escolha é no domingo que vem. Com todas as letras, o PT raiz minou a candidatura do primeiro brasileiro com chances de ocupar a presidência do BID.

A bolsa caiu num dia e subiu no outro, fechando a semana no negativo. Isso não é um grande problema, mas o episódio avisa que o novo governo precisa dar sinais de como pretende resolver a grave herança fiscal que receberá de Bolsonaro. Há muitas ideias sendo discutidas. Uma proposta que surgiu é de, em vez de haver uma PEC da transição, fazer uma PEC que tire o teto de gastos da Constituição, e ao mesmo tempo redesenhe a nova âncora em legislação ordinária.

– Fazer uma PEC da transição para depois ter outra para mudar o teto queima muito capital político. Por isso a ideia é derrubar e refazer no mesmo ato. E por que tirar da Constituição? Porque nunca fez sentido constitucionalizar uma política macroeconômica — explica uma fonte que acompanha de perto as discussões.

O novo teto não seria mais fraco por estar fora da Constituição. Tem a chance de ser um instrumento fiscal melhor, mais transparente, e compatível com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Seria plurianual, o que permitiria gastar mais num ano de dificuldades e reduzir num ano de crescimento, o que os economistas chamam de contracíclico.

É bom ter um presidente que define como sua “missão de vida” acabar com a fome. Ocorre que isso passa por um instrumento fiscal com previsibilidade e transparência. Do contrário, as turbulências econômicas elevarão a inflação que atinge os pobres. O teto de gastos foi rompido quatro vezes pelo atual governo, que fez várias outras barbaridades econômicas. Numa das vezes em que Bolsonaro atropelou a governança da Petrobras, as ações caíram 20%, e ele disse que a reação do mercado era “exagero” e “rebuliço”. Adiantou pouco.

No front da economia é melhor ter realismo e evitar os velhos erros. Mas há outra frente de batalha. A dos militares. A ambiguidade é a marca comum às duas notas do Ministério da Defesa e a das três Forças. Na nota da sexta, Exército, Marinha e Aeronáutica cometem a audácia de tratar com equivalência um grupo de manifestantes destrambelhados e o TSE, uma instituição da República. Nada de novo também nesse front. As Forças Armadas continuam achando que devem tutelar a Nação e esse não é um problema apenas do governo eleito. É da democracia brasileira.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

A sábia Míriam leitão.