domingo, 13 de novembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

A necessária reconstrução do Estado

O Estado de S. Paulo

O aparelhamento bolsonarista compromete o desempenho estatal, razão pela qual será necessário recuperar os órgãos contaminados para que sirvam ao País, e não a uma ideologia

Dentre as várias tarefas que caberão ao governo que acaba de ser eleito, a reconstrução do Estado está entre as que exigirão trabalho e esforço coletivo. O legado de destruição de Jair Bolsonaro é amplo. Se o presidente falhou em fincar as bases de sua agenda reacionária na sociedade de forma permanente, foi graças à sua inaptidão como liderança, bem como à resiliência de instituições como o Congresso e o Judiciário em conter alguns de seus arroubos. É inegável, porém, que Bolsonaro foi mais bem-sucedido em deturpar e minar por dentro a atuação de várias das estruturas do Executivo – o aparelhamento da Polícia Rodoviária Federal (PRF) é só o exemplo mais recente. No intervalo de um dia, a PRF substituiu um inédito ativismo para fiscalizar a chegada de ônibus transportando eleitores no Nordeste, reduto de Lula da Silva, pela total inoperância em liberar rodovias tomadas por turbas antidemocráticas depois da eleição.

Para chegar a esse resultado, Bolsonaro nem precisou convencer a maioria do funcionalismo público a compactuar com seus devaneios. Bastou colocar aliados no comando dessas instituições ou deixá-las à míngua. Há tantos exemplos que é difícil apontar qual foi o órgão mais afetado, mas o cenário de desmonte é generalizado na Receita Federal, no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e na Fundação Nacional do Índio (Funai), entre muitos outros órgãos.

A partir de 1.º de janeiro, Luiz Inácio Lula da Silva terá a chance de demonstrar uma nova compreensão sobre o papel do Estado e, em especial, sobre a importância de uma burocracia profissional e apartidária que trabalhe pela sociedade, e não em nome de interesses particulares e privados do governante e de seu governo. É evidente que todo presidente pode e deve influir na máquina pública, mas isso em nada se confunde com a ideia de colocá-la a seu serviço, como fez Bolsonaro.

Se já é relevante para o dia a dia, uma burocracia bem constituída é essencial em momentos de instabilidade política. Dois exemplos disso falam por si: a Itália, conhecida pela alta rotatividade de primeiros-ministros (foram 77 desde o pós-guerra), e a Bélgica, que ficou 652 dias sem governo de coalizão no início deste século devido a impasses políticos, jamais deixaram de funcionar como Estados. Aquilo que é mais pertinente para seus cidadãos, isto é, a execução de políticas públicas de saúde, educação e segurança, foi tocado pelos servidores de carreira. Não houve qualquer espaço para descontinuidade.

Este jornal sempre defendeu um Estado enxuto e eficiente, o que é muito diferente de inexistente ou “mínimo”. É verdade que o País gasta muito e mal, assim como é fato que o aparelhamento e o inchaço da máquina promovidos por administrações petistas contribuíram para a consolidação de uma imagem negativa do serviço público. Há muitas políticas públicas que merecem ser revistas e até extintas, mas essa é uma avaliação impossível de ser feita sem o apoio de um corpo permanente de funcionários munidos de dados, experiência e um histórico de atuação, com rigor técnico e independência. Se havia espaço para melhorias, a saga destrutiva bolsonarista comprometeu, também, parte da memória do Estado que operava bem, como a base de informações do Cadastro Único (CadÚnico) de programas sociais do governo federal, para ficar só num exemplo significativo.

Nem tudo são trevas, e destacar os acertos é oportuno para que eles possam ser replicados em outras áreas. A despeito do boicote à compra de vacinas contra a covid-19 por Bolsonaro, a estrutura estatal soube se organizar para distribuí-las e imunizar a população com a rapidez que a situação exigia. Foi um exemplo de uma força-tarefa que salvou milhares de vidas e que envolveu Estados, municípios e o setor privado, e os brasileiros souberam valorizar e responder a esse trabalho. 

É com essa união de forças, que não deixou de se manifestar nas horas mais escuras de nossa história, que o País precisará contar para sair do buraco em que entrou no início de 2019. Que Lula faça jus a essa nova e honrosa oportunidade de liderar esses esforços e servir, verdadeiramente, à sociedade.

Ministros do STF devem ser exemplares

O Estado de S. Paulo

Para pacificar o País e preservar a autoridade do Judiciário, é preciso cumprir a Lei Orgânica da Magistratura. Ministro do STF não é personalidade a ser ouvida em evento empresarial

A informação de que seis ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski – confirmaram presença no evento privado “Lide Brazil Conference”, a ser realizado nos dias 14 e 15 de novembro em Nova York, deve servir de alerta. O Poder Judiciário – em especial, o STF – tem sido alvo, nos últimos anos, de diversos ataques e ameaças antidemocráticas, com o objetivo explícito de tolher a independência da Justiça. Criminosas, essas atitudes merecem repressão rigorosa e punição exemplar. No entanto, sem ser condescendente com qualquer tipo de achaque contra o Supremo, é preciso admitir: o comportamento dos magistrados pode e deve melhorar muito.

O bom funcionamento do Estado Democrático de Direito depende de um Judiciário autônomo, independente e respeitado pela sociedade. Só assim as decisões judiciais, que muitas vezes contrariam a opinião majoritária – magistrados obedecem a Constituição e as leis, não os humores do momento –, estarão aptas a serem acatadas pela população e poderão cumprir seu objetivo de resolver e pacificar os conflitos sociais.

A exemplaridade dos magistrados não é mera recomendação de prudência. É uma exigência legal. Entre os deveres dos juízes – por exemplo, “não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar” –, o art. 35 da Lei Orgânica da Magistratura estabelece que os magistrados devem “manter conduta irrepreensível na vida pública e particular”. Aquele que, por força do cargo público, aplica a lei no caso concreto e diz a última palavra sobre o que é o Direito não pode dar margem a qualquer tipo de suspeita.

Se a exigência de o juiz ser irrepreensível aplica-se sempre, em todas as circunstâncias, ela é ainda mais necessária na situação atual, em que parte considerável da população nutre um sentimento de desconfiança em relação ao Supremo. É tempo de comedimento, de especial sobriedade por parte de todos magistrados; de modo muito especial, dos ministros do STF.

A Lei Orgânica da Magistratura estabelece atividades e ações que, por força do cargo, estão vedadas aos juízes. Por exemplo, o magistrado não pode “exercer o comércio ou participar de sociedade comercial”, nem “exercer cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, e sem remuneração”. Para preservar os juízes de possíveis conflitos de interesse, a lei fixa uma distância dos magistrados em relação a questões empresariais, comerciais e mesmo associativas. Além de expressarem cuidado com a imparcialidade de cada juiz – condição imprescindível para um julgamento justo –, essas proibições buscam fortalecer a autoridade de todo o Judiciário.

Há ainda outra proibição legal muito importante de ser lembrada nos dias de hoje. Nenhum juiz pode “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério”. Em outras palavras, como diz a velha expressão, o juiz só deve falar nos autos. Esse silêncio é especialmente necessário para os ministros do Supremo. Dada a enorme abrangência da competência da Corte, é muito difícil que algum tema não esteja relacionado a processo pendente de julgamento no STF.

Para pacificar o País, para preservar e fortalecer a necessária autoridade do Judiciário, é fundamental que os ministros do STF sejam cumpridores exemplares da Lei Orgânica da Magistratura. Há algo de muito equivocado quando mais da metade da Corte constitucional vai a um evento privado expor suas opiniões sobre o Brasil. Não é assim que funciona nos países civilizados. Não é esse o espírito da lei brasileira. Ministro do Supremo, assim como qualquer outro magistrado, não é personalidade a ser ouvida em evento empresarial. As águas republicanas precisam voltar ao leito. 

Ainda a covid

O Estado de S. Paulo

Nove milhões de paulistas estão com a vacinação em atraso, um absurdo que precisa ser enfrentado

Com a nova alta de casos de covid-19 nos últimos dias, veio à tona um dado estarrecedor: pelo menos 9 milhões de moradores do Estado de São Paulo estão com a terceira dose (ou dose de reforço) em atraso, conforme noticiou o Estadão. Isso corresponde a mais de um quinto da população paulista a partir dos 12 anos de idade, para quem o reforço é recomendado. A informação consta em balanço da Secretaria de Estado da Saúde, que revelou ainda que 7 milhões de pessoas na faixa de 40 anos ou mais ainda não tomaram a quarta dose no Estado. 

Tal situação é espantosa e nos obriga, mais uma vez, a reiterar o que já afirmamos inúmeras vezes neste espaço: a vacina salva vidas e constitui o método mais eficaz de prevenção de formas graves da covid-19. Nada justifica tamanha desatenção em relação às doses de reforço contra uma doença que já matou mais de 688 mil pessoas no País. Tão ou mais impressionante é o silêncio do Ministério da Saúde, que deveria estar à frente de campanhas nacionais de mobilização. Só na Grande São Paulo, houve aumento de 65% no número de internações em unidades de terapia intensiva nas últimas duas semanas. 

O balanço referente à vacinação deve servir de alerta não só para as autoridades sanitárias paulistas, mas do Brasil inteiro. Até porque o índice de cobertura vacinal no País é inferior ao verificado em São Paulo: segundo o consórcio de veículos de imprensa, que contabiliza dados das Secretarias Estaduais da Saúde, 35% da população brasileira de 18 anos ou mais de idade ainda não tomou dose de reforço. 

A alta de infecções nos últimos dias é associada ao avanço da nova subvariante da Ômicron, a BQ.1. Embora não se saiba se essa subvariante é mais grave ou mais transmissível, existe o risco de que escape à proteção oferecida pelas atuais vacinas − o que torna as doses de reforço ainda mais necessárias, segundo especialistas. Entrevistada pelo Estadão, a médica Raquel Stucchi, da Sociedade Brasileira de Infectologia, enfatizou também a importância de que a cobertura vacinal fique acima de 90%. Na cidade de São Paulo, por exemplo, o índice referente à terceira dose chega a 96% entre maiores de 50 anos, mas cai para 77% entre quem tem de 18 a 49 anos.

Vale lembrar que o presidente Jair Bolsonaro adotou atitude irresponsável e negacionista desde o início da pandemia, promovendo aglomerações, desencorajando o uso de máscaras e questionando a eficácia da vacina. Isso, por óbvio, deu força a visões completamente equivocadas sobre o enfrentamento da covid-19 e contribuiu para enfraquecer o Programa Nacional de Imunizações, implementado e aperfeiçoado ao longo de décadas por diferentes governos. A vacina, como se sabe, tem caráter preventivo. Trata-se da forma mais eficaz de proteção e comprovadamente salva vidas. As autoridades sanitárias de São Paulo e de todo o País têm o dever de agir para elevar a cobertura vacinal, numa campanha vigorosa de convencimento que enfrente os efeitos nefastos do negacionismo antivacina alimentado pelos obscurantistas bolsonaristas. 

Coalizão para quê?

Folha de S. Paulo

Lula tem de definir aonde quer chegar antes de arregimentar base no Congresso

Há um desafio aritmético para a formação da aliança de partidos que sustentará o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A coalizão de siglas que o elegeu não soma deputados federais suficientes nem sequer para barrar um hipotético pedido de impeachment.

Seria necessário agregar todas as três agremiações grandes que não apoiaram o presidente Jair Bolsonaro (PL) —União Brasil, PSD e MDB— para assegurar pouco mais da maioria dos 513 deputados e ter margem de segurança para aprovar projetos de lei comuns. No Senado, a matemática é semelhante.
Reformas constitucionais, que exigem 60% dos votos nas duas Casas, demandariam esforços ainda mais amplos de cooptação.

Explicam-se por aí as cautelas adotadas pelo futuro mandatário nas suas primeiras conversas com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Ambos almejam a reeleição em fevereiro, quando se inaugura a nova legislatura.

Lula prometeu que não interferirá nas disputas para as chefias do Legislativo, o que é significativo sobretudo no caso de Lira, apoiador e protetor destacado de Bolsonaro e pivô da distribuição seletiva das bilionárias emendas de relator.

A movimentação vai além da promessa de neutralidade de Lula. O presidente da Câmara tenta arregimentar no centrão apoios suficientes para ficar imune a qualquer ameaça do novo governismo. A chamada PEC da Transição, que parece um trem da alegria da gastança rumo a 2023, é utilizada como moeda de troca nos conchavos.

Vê-se que apenas as habilidades retóricas do futuro presidente da República não garantirão uma maioria estável de parlamentares. Será preciso compartilhar de verdade o governo, coisa que o PT sempre teve dificuldade prática de fazer.

A julgar pelo alto índice de povoamento petista nos cargos da transição, o início não foi promissor. O ponto mais crítico, contudo, continua sendo tentar decifrar o que o terceiro governo Lula pretende fazer com a maioria parlamentar.

Não há plano de gestão minimamente exposto. Empilhar irresponsavelmente despesas no Orçamento não se parece com um. Em que reformas do regime dos gastos e das receitas o presidente vai depositar seu cacife de recém-eleito no primeiro ano da administração?

O que surgirá de iniciativa legislativa para acelerar a recuperação dos estudantes, em especial os mais pobres, castigados pelo mais longo período fora das salas de aula de que se tem notícia? E para deter a marcha da devastação florestal?

Se não se compuser logo a força organizadora da política, que só pode vir do chefe do Executivo no sistema brasileiro, o centrão cavalgará à vontade por mais quatro anos.

A onda não veio

Folha de S. Paulo

Em eleições, sociedade americana mostra resposta vigorosa à pauta do trumpismo

Pesquisas no início deste ano indicavam a possibilidade de uma onda vermelha republicana nas midterms —as eleições que renovam a totalidade da Câmara e um terço do Senado nos EUA. Como se vê na apuração dos resultados até aqui, porém, está claro que tais projeções não se confirmaram.

Chama a atenção, no desempenho conservador aquém do esperado, a pauta de costumes, com questões ligadas ao aborto e às drogas. A tradicional oposição dos republicanos à liberdade individual nessas áreas —exacerbada durante o governo de Donald Trump— parece cobrar um preço alto agora.

Em junho deste ano, a Suprema Corte, com três juízes indicados por Trump, reverteu o julgamento do caso Roe vs. Wade, de 1973, que havia legalizado nacionalmente a interrupção voluntária da gravidez. Em reação, parcela considerável da população aproveitou as midterms para eleger candidatos contrários ao teor da decisão judicial.

O número de mulheres que se registraram para votar aumentou. Em pesquisas de boca de urna, o aborto aparece como o segundo tema mais importante, atrás apenas da economia. Eleitores de três estados (Michigan, Califórnia e Vermont) votaram a favor de emendas que inserem a legalização do procedimento nas Constituições locais.

Com relação à drogas, um referendo no estado do Colorado aprovou o uso regulamentado de cogumelos psicodélicos por adultos a partir de 21 anos de idade.

Verificou-se também uma presença mais robusta das minorias. Massachusetts elegeu a primeira governadora lésbica do país; Maryland escolheu seu primeiro governador negro. Todos os estados tiveram candidatos homossexuais ou transgêneros, num aumento de 18% em relação a 2020.

Até este sábado (12), democratas haviam conquistado 201 das 435 cadeiras na Câmara (hoje, têm 221), e republicanos, 211 (têm 212).

Com Barack Obama, republicanos tomaram 63 assentos; com Bill Clinton, 54. Pesquisas apontam que, agora, republicanos devem virar cerca de 20 vagas. Joe Biden pode, assim, vir a ter desempenho melhor que o de antecessores.

No Senado, com 35 das 100 vagas em disputa, 49 estão com democratas e 49 com republicanos.
Não se trata, decerto, de um panorama confortável para Biden. Foi mais vistosa, porém, a frustração do trumpismo e de sua pauta reacionária, que mereceram vigorosa resposta da sociedade americana.

Ao prometer usar bancos estatais, Lula revive o pior do PT

O Globo

Nos anos em que partido governou, Caixa, Banco do Brasil e BNDES foram usados para financiar desvarios

Entre as declarações do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva que têm despertado tensão nos mercados, está a promessa de retomar os investimentos em obras e projetos de infraestrutura por meio dos bancos estatais. Lula vê a medida como uma oportunidade de retomar a atividade econômica e gerar empregos. Mas o retrospecto do PT no governo justifica a apreensão. Em 14 anos no poder, Caixa, BNDES e Banco do Brasil foram usados sem a menor parcimônia para financiar toda sorte de desvario. Boa parte da crise fiscal que levou o Tesouro à bancarrota e a ex-presidente Dilma Rousseff ao impeachment foi gerada pela incúria com os bancos públicos.

Não bastassem as obras, entre as promessas de campanha de Lula está a ajuda aos 68,4 milhões de endividados junto a concessionários de serviços básicos (água, luz e outros serviços) ou a bancos e redes de varejo. O programa, batizado por enquanto de Desenrola Brasil, constituirá um fundo com recursos de R$ 7 bilhões a R$ 18 bilhões para renegociar essas dívidas e permitir que os devedores voltem a consumir e ajudar a economia a crescer.

Não para por aí. Os bancos públicos também serão convocados a ajudar os microempreendedores individuais (MEIs) a reduzir dívidas. Apoiarão, ainda, programas sociais de construção de cisternas no semiárido nordestino. O Banco do Brasil deverá atuar em projetos sociais por meio da sua fundação, incluindo a ajuda a catadores de resíduos sólidos. Lula tem ainda a seu dispor a Caixa e os Bancos do Nordeste e da Amazônia, para não falar no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), fonte de crédito para grandes projetos que Lula pretende transformar agora em financiador do pequeno empresário. A Caixa, usada pelo presidente Jair Bolsonaro para oferecer o absurdo crédito consignado aos beneficiários do Auxílio Brasil, tratará do Minha Casa Minha Vida, o Casa Verde e Amarela rebatizado, para também atender famílias com renda abaixo de R$ 1.800, hoje desassistidas.

Tudo isso significa uma enorme mobilização de recursos. Será um retrocesso se for feita sem critério, na base da vontade política, só para fazer bonito diante dos eleitorados que contribuíram para a vitória de Lula. Pior ainda se levar o governo a recorrer mais uma vez ao contribuinte para tapar o rombo. É preciso, acima de tudo, cuidado com o endividamento público.

A experiência acumulada nos anos de poder deveria ajudar Lula a não repetir os erros do passado. Nos governos petistas, sobretudo na gestão Dilma, o viés estatista e intervencionista do PT levou ao aumento dos gastos e a uma crise fiscal de que o país ainda não se recuperou. Os bancos estatais chegaram a ser usados para forçar a queda dos juros no mercado, uma medida delirante que obviamente fracassou. O auge do desatino foi a tentativa de fortalecer os “campeões nacionais”, empresas alimentadas pelo BNDES com crédito barato subsidiado pelo Tesouro. Empresários compadres, próximos do poder, se deram bem. O Brasil se deu mal. Muito mal.

Lula tem feito questão de repetir que seu governo não é do PT, mas da ampla coalizão de forças unidas em defesa da democracia. Politicamente, é um discurso sedutor. Mas na economia a tentativa de agradar a todos não funciona, como ele mesmo deve ter percebido ao ver o poder destruidor que suas declarações tiveram sobre os mercados na semana que passou.

Investigações sobre bloqueios nas estradas precisam ser rigorosas

O Globo

Organizadores e financiadores dos atos golpistas têm de ser punidos com toda a força que a lei autoriza

Ainda havia na semana passada, mais de dez dias depois da proclamação do resultado das urnas, bloqueios rodoviários em protesto contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva. Nas estradas federais houve 1.079 barreiras durante as quase 45 horas em que o presidente Jair Bolsonaro se manteve em silêncio sobre o resultado das urnas. Há fortes evidências de que o movimento golpista foi coordenado e contou com apoio financeiro.

Bolsonaro, ao se pronunciar mais de 44 horas depois de oficializada sua derrota, afirmou que os “movimentos populares” eram “fruto de indignação e injustiça de como se deu o processo eleitoral” e pediu que não houvesse “cerceamento do direito de ir e vir”. As estradas foram sendo reabertas. Restou a tentativa gravíssima de emparedar o Estado Democrático pela manipulação de um serviço essencial. É preciso, portanto, investigar a fundo a organização dos bloqueios, punir responsáveis, organizadores e financiadores da baderna golpista.

Caminhoneiros não podem alegar o direito constitucional à liberdade de reunião e de expressão para fechar ruas e estradas. Ninguém está livre para impedir o trânsito, muito menos por motivos políticos e ideológicos. Partiram do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) investigações sobre a acusação de que uma organização criminosa foi criada por empresários bolsonaristas para fechar estradas, de acordo com informações transmitidas ao TSE por procuradores estaduais de Justiça. Noutra iniciativa, a Polícia Federal abriu inquérito para investigar o papel do diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques, nas blitzes promovidas no dia da eleição e na tolerância diante dos golpistas.

No caso do TSE, as evidências são abundantes. Antes do segundo turno, circulou entre os caminhoneiros um vídeo com a mensagem: “Todas as bases dos caminhoneiros aguardarão os resultados à beira da pista. Caso os resultados das urnas sejam diferentes daquilo que nossos olhos veem, vocês podem estar preparados, pois iniciará no Brasil uma grande paralisação”. Um relatório da Universidade Federal de Minas Gerais descobriu mensagens trocadas por caminhoneiros entre os dias 20 e 27 de outubro em que uma das palavras-chave era “paralisação”.

Em 11 de outubro, Bolsonaro aconselhou seus eleitores a permanecer na seção eleitoral até o fim da apuração. O conselho não vingou. Era uma inaceitável ação para coagir eleitores. Mas no dia 23, uma semana antes do segundo turno, circulou uma mensagem sobre um “contragolpe”: “O povo precisa cercar os cartórios eleitorais e sedes do TSE e outra parte para as portas dos quartéis e caminhoneiros e agricultores trancar (sic) os trevos das rodovias em desobediência civil”.

Os agentes públicos que tratam do bloqueio das estradas devem ter consciência de que tal crime era apenas parte de uma grande mobilização antidemocrática com o fito de dar um golpe. Daí a importância das investigações, que precisam punir com todo o rigor da lei os financiadores e organizadores da balbúrdia.

Nenhum comentário: