A necessária reconstrução do Estado
O Estado de S. Paulo
O aparelhamento bolsonarista compromete o desempenho estatal, razão pela qual será necessário recuperar os órgãos contaminados para que sirvam ao País, e não a uma ideologia
Dentre as várias tarefas que caberão ao
governo que acaba de ser eleito, a reconstrução do Estado está entre as que
exigirão trabalho e esforço coletivo. O legado de destruição de Jair Bolsonaro
é amplo. Se o presidente falhou em fincar as bases de sua agenda reacionária na
sociedade de forma permanente, foi graças à sua inaptidão como liderança, bem
como à resiliência de instituições como o Congresso e o Judiciário em conter
alguns de seus arroubos. É inegável, porém, que Bolsonaro foi mais bem-sucedido
em deturpar e minar por dentro a atuação de várias das estruturas do Executivo
– o aparelhamento da Polícia Rodoviária Federal (PRF) é só o exemplo mais
recente. No intervalo de um dia, a PRF substituiu um inédito ativismo para
fiscalizar a chegada de ônibus transportando eleitores no Nordeste, reduto de
Lula da Silva, pela total inoperância em liberar rodovias tomadas por turbas
antidemocráticas depois da eleição.
Para chegar a esse resultado, Bolsonaro nem precisou convencer a maioria do funcionalismo público a compactuar com seus devaneios. Bastou colocar aliados no comando dessas instituições ou deixá-las à míngua. Há tantos exemplos que é difícil apontar qual foi o órgão mais afetado, mas o cenário de desmonte é generalizado na Receita Federal, no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e na Fundação Nacional do Índio (Funai), entre muitos outros órgãos.
A partir de 1.º de janeiro, Luiz Inácio
Lula da Silva terá a chance de demonstrar uma nova compreensão sobre o papel do
Estado e, em especial, sobre a importância de uma burocracia profissional e
apartidária que trabalhe pela sociedade, e não em nome de interesses
particulares e privados do governante e de seu governo. É evidente que todo
presidente pode e deve influir na máquina pública, mas isso em nada se confunde
com a ideia de colocá-la a seu serviço, como fez Bolsonaro.
Se já é relevante para o dia a dia, uma
burocracia bem constituída é essencial em momentos de instabilidade política.
Dois exemplos disso falam por si: a Itália, conhecida pela alta rotatividade de
primeiros-ministros (foram 77 desde o pós-guerra), e a Bélgica, que ficou 652
dias sem governo de coalizão no início deste século devido a impasses
políticos, jamais deixaram de funcionar como Estados. Aquilo que é mais
pertinente para seus cidadãos, isto é, a execução de políticas públicas de
saúde, educação e segurança, foi tocado pelos servidores de carreira. Não houve
qualquer espaço para descontinuidade.
Este jornal sempre defendeu um Estado
enxuto e eficiente, o que é muito diferente de inexistente ou “mínimo”. É
verdade que o País gasta muito e mal, assim como é fato que o aparelhamento e o
inchaço da máquina promovidos por administrações petistas contribuíram para a
consolidação de uma imagem negativa do serviço público. Há muitas políticas
públicas que merecem ser revistas e até extintas, mas essa é uma avaliação
impossível de ser feita sem o apoio de um corpo permanente de funcionários
munidos de dados, experiência e um histórico de atuação, com rigor técnico e
independência. Se havia espaço para melhorias, a saga destrutiva bolsonarista
comprometeu, também, parte da memória do Estado que operava bem, como a base de
informações do Cadastro Único (CadÚnico) de programas sociais do governo
federal, para ficar só num exemplo significativo.
Nem tudo são trevas, e destacar os acertos
é oportuno para que eles possam ser replicados em outras áreas. A despeito do
boicote à compra de vacinas contra a covid-19 por Bolsonaro, a estrutura
estatal soube se organizar para distribuí-las e imunizar a população com a
rapidez que a situação exigia. Foi um exemplo de uma força-tarefa que salvou
milhares de vidas e que envolveu Estados, municípios e o setor privado, e os
brasileiros souberam valorizar e responder a esse trabalho.
É com essa união de forças, que não deixou
de se manifestar nas horas mais escuras de nossa história, que o País precisará
contar para sair do buraco em que entrou no início de 2019. Que Lula faça jus a
essa nova e honrosa oportunidade de liderar esses esforços e servir,
verdadeiramente, à sociedade.
Ministros do STF devem ser exemplares
O Estado de S. Paulo
Para pacificar o País e preservar a
autoridade do Judiciário, é preciso cumprir a Lei Orgânica da Magistratura.
Ministro do STF não é personalidade a ser ouvida em evento empresarial
A informação de que seis ministros do
Supremo Tribunal Federal (STF) – Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Dias
Toffoli, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski –
confirmaram presença no evento privado “Lide Brazil Conference”, a ser realizado
nos dias 14 e 15 de novembro em Nova York, deve servir de alerta. O Poder
Judiciário – em especial, o STF – tem sido alvo, nos últimos anos, de diversos
ataques e ameaças antidemocráticas, com o objetivo explícito de tolher a
independência da Justiça. Criminosas, essas atitudes merecem repressão rigorosa
e punição exemplar. No entanto, sem ser condescendente com qualquer tipo de
achaque contra o Supremo, é preciso admitir: o comportamento dos magistrados
pode e deve melhorar muito.
O bom funcionamento do Estado Democrático
de Direito depende de um Judiciário autônomo, independente e respeitado pela
sociedade. Só assim as decisões judiciais, que muitas vezes contrariam a
opinião majoritária – magistrados obedecem a Constituição e as leis, não os
humores do momento –, estarão aptas a serem acatadas pela população e poderão
cumprir seu objetivo de resolver e pacificar os conflitos sociais.
A exemplaridade dos magistrados não é mera
recomendação de prudência. É uma exigência legal. Entre os deveres dos juízes –
por exemplo, “não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou
despachar” –, o art. 35 da Lei Orgânica da Magistratura estabelece que os
magistrados devem “manter conduta irrepreensível na vida pública e particular”.
Aquele que, por força do cargo público, aplica a lei no caso concreto e diz a
última palavra sobre o que é o Direito não pode dar margem a qualquer tipo de
suspeita.
Se a exigência de o juiz ser irrepreensível
aplica-se sempre, em todas as circunstâncias, ela é ainda mais necessária na
situação atual, em que parte considerável da população nutre um sentimento de
desconfiança em relação ao Supremo. É tempo de comedimento, de especial
sobriedade por parte de todos magistrados; de modo muito especial, dos
ministros do STF.
A Lei Orgânica da Magistratura estabelece
atividades e ações que, por força do cargo, estão vedadas aos juízes. Por
exemplo, o magistrado não pode “exercer o comércio ou participar de sociedade
comercial”, nem “exercer cargo de direção ou técnico de sociedade civil,
associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação
de classe, e sem remuneração”. Para preservar os juízes de possíveis conflitos
de interesse, a lei fixa uma distância dos magistrados em relação a questões
empresariais, comerciais e mesmo associativas. Além de expressarem cuidado com
a imparcialidade de cada juiz – condição imprescindível para um julgamento
justo –, essas proibições buscam fortalecer a autoridade de todo o Judiciário.
Há ainda outra proibição legal muito importante
de ser lembrada nos dias de hoje. Nenhum juiz pode “manifestar, por qualquer
meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de
outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos
judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício
do magistério”. Em outras palavras, como diz a velha expressão, o juiz só deve
falar nos autos. Esse silêncio é especialmente necessário para os ministros do
Supremo. Dada a enorme abrangência da competência da Corte, é muito difícil que
algum tema não esteja relacionado a processo pendente de julgamento no STF.
Para pacificar o País, para preservar e
fortalecer a necessária autoridade do Judiciário, é fundamental que os
ministros do STF sejam cumpridores exemplares da Lei Orgânica da Magistratura.
Há algo de muito equivocado quando mais da metade da Corte constitucional vai a
um evento privado expor suas opiniões sobre o Brasil. Não é assim que funciona
nos países civilizados. Não é esse o espírito da lei brasileira. Ministro do
Supremo, assim como qualquer outro magistrado, não é personalidade a ser ouvida
em evento empresarial. As águas republicanas precisam voltar ao leito.
Ainda a covid
O Estado de S. Paulo
Nove milhões de paulistas estão com a vacinação em atraso, um absurdo que precisa ser enfrentado
Com a nova alta de casos de covid-19 nos
últimos dias, veio à tona um dado estarrecedor: pelo menos 9 milhões de
moradores do Estado de São Paulo estão com a terceira dose (ou dose de reforço)
em atraso, conforme noticiou o Estadão. Isso corresponde a mais de um
quinto da população paulista a partir dos 12 anos de idade, para quem o reforço
é recomendado. A informação consta em balanço da Secretaria de Estado da Saúde,
que revelou ainda que 7 milhões de pessoas na faixa de 40 anos ou mais ainda
não tomaram a quarta dose no Estado.
Tal situação é espantosa e nos obriga, mais
uma vez, a reiterar o que já afirmamos inúmeras vezes neste espaço: a vacina
salva vidas e constitui o método mais eficaz de prevenção de formas graves da
covid-19. Nada justifica tamanha desatenção em relação às doses de reforço
contra uma doença que já matou mais de 688 mil pessoas no País. Tão ou mais
impressionante é o silêncio do Ministério da Saúde, que deveria estar à frente
de campanhas nacionais de mobilização. Só na Grande São Paulo, houve aumento de
65% no número de internações em unidades de terapia intensiva nas últimas duas
semanas.
O balanço referente à vacinação deve servir
de alerta não só para as autoridades sanitárias paulistas, mas do Brasil
inteiro. Até porque o índice de cobertura vacinal no País é inferior ao
verificado em São Paulo: segundo o consórcio de veículos de imprensa, que
contabiliza dados das Secretarias Estaduais da Saúde, 35% da população
brasileira de 18 anos ou mais de idade ainda não tomou dose de reforço.
A alta de infecções nos últimos dias é
associada ao avanço da nova subvariante da Ômicron, a BQ.1. Embora não se saiba
se essa subvariante é mais grave ou mais transmissível, existe o risco de que
escape à proteção oferecida pelas atuais vacinas − o que torna as doses de
reforço ainda mais necessárias, segundo especialistas. Entrevistada pelo Estadão,
a médica Raquel Stucchi, da Sociedade Brasileira de Infectologia, enfatizou
também a importância de que a cobertura vacinal fique acima de 90%. Na cidade
de São Paulo, por exemplo, o índice referente à terceira dose chega a 96% entre
maiores de 50 anos, mas cai para 77% entre quem tem de 18 a 49 anos.
Vale lembrar que o presidente Jair Bolsonaro adotou atitude irresponsável e negacionista desde o início da pandemia, promovendo aglomerações, desencorajando o uso de máscaras e questionando a eficácia da vacina. Isso, por óbvio, deu força a visões completamente equivocadas sobre o enfrentamento da covid-19 e contribuiu para enfraquecer o Programa Nacional de Imunizações, implementado e aperfeiçoado ao longo de décadas por diferentes governos. A vacina, como se sabe, tem caráter preventivo. Trata-se da forma mais eficaz de proteção e comprovadamente salva vidas. As autoridades sanitárias de São Paulo e de todo o País têm o dever de agir para elevar a cobertura vacinal, numa campanha vigorosa de convencimento que enfrente os efeitos nefastos do negacionismo antivacina alimentado pelos obscurantistas bolsonaristas.
Folha de S. Paulo
Lula tem de definir aonde quer chegar antes
de arregimentar base no Congresso
Há um desafio aritmético para a formação da
aliança de partidos que sustentará o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da
Silva (PT). A coalizão de siglas que o elegeu não soma deputados federais
suficientes nem sequer para barrar um hipotético pedido de impeachment.
Seria necessário agregar todas as três
agremiações grandes que não apoiaram o presidente Jair Bolsonaro (PL) —União
Brasil, PSD e MDB— para assegurar pouco mais da maioria dos 513 deputados e ter
margem de segurança para aprovar projetos de lei comuns. No Senado, a
matemática é semelhante.
Reformas constitucionais, que exigem 60% dos votos nas duas Casas, demandariam
esforços ainda mais amplos de cooptação.
Explicam-se por aí as cautelas adotadas
pelo futuro mandatário nas suas primeiras conversas com os presidentes da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Ambos
almejam a reeleição em fevereiro, quando se inaugura a nova legislatura.
Lula prometeu que não interferirá nas disputas para as chefias do Legislativo, o que é significativo sobretudo no caso de Lira, apoiador e protetor destacado de Bolsonaro e pivô da distribuição seletiva das bilionárias emendas de relator.
A movimentação vai além da promessa de
neutralidade de Lula. O presidente da Câmara tenta arregimentar no centrão
apoios suficientes para ficar imune a qualquer ameaça do novo governismo. A chamada PEC
da Transição, que parece um trem da alegria da gastança rumo
a 2023, é utilizada como moeda de troca nos conchavos.
Vê-se que apenas as habilidades retóricas
do futuro presidente da República não garantirão uma maioria estável de
parlamentares. Será preciso compartilhar de verdade o governo, coisa que o PT
sempre teve dificuldade prática de fazer.
A julgar pelo alto índice de povoamento
petista nos cargos da transição, o início não foi promissor. O ponto mais
crítico, contudo, continua sendo tentar decifrar o que o terceiro governo Lula
pretende fazer com a maioria parlamentar.
Não há plano de gestão minimamente exposto.
Empilhar irresponsavelmente despesas no Orçamento não se parece com um. Em que
reformas do regime dos gastos e das receitas o presidente vai depositar seu
cacife de recém-eleito no primeiro ano da administração?
O que surgirá de iniciativa legislativa
para acelerar a recuperação dos estudantes, em especial os mais pobres,
castigados pelo mais longo período fora das salas de aula de que se tem
notícia? E para deter a marcha da devastação florestal?
Se não se compuser logo a força organizadora da política, que só pode vir do chefe do Executivo no sistema brasileiro, o centrão cavalgará à vontade por mais quatro anos.
A onda não veio
Folha de S. Paulo
Em eleições, sociedade americana mostra
resposta vigorosa à pauta do trumpismo
Pesquisas no início deste ano indicavam a
possibilidade de uma onda vermelha republicana nas midterms —as eleições que
renovam a totalidade da Câmara e um terço do Senado nos EUA. Como se vê na
apuração dos resultados até aqui, porém, está claro que tais projeções não se
confirmaram.
Chama a atenção, no desempenho conservador
aquém do esperado, a pauta de
costumes, com questões ligadas ao aborto e às drogas. A
tradicional oposição dos republicanos à liberdade individual nessas áreas
—exacerbada durante o governo de Donald Trump— parece cobrar um preço alto
agora.
Em junho deste ano, a Suprema Corte, com
três juízes indicados por Trump, reverteu o julgamento do caso Roe vs. Wade, de
1973, que havia legalizado nacionalmente a interrupção voluntária da gravidez.
Em reação, parcela considerável da população aproveitou as midterms para eleger
candidatos contrários ao teor da decisão judicial.
O número de mulheres que se registraram
para votar aumentou. Em pesquisas de boca de urna, o aborto aparece como o
segundo tema mais importante, atrás apenas da economia. Eleitores de três
estados (Michigan, Califórnia e Vermont) votaram a favor de emendas que inserem
a legalização do procedimento nas Constituições locais.
Com relação à drogas, um referendo no
estado do Colorado aprovou o uso regulamentado de cogumelos psicodélicos por
adultos a partir de 21 anos de idade.
Verificou-se também uma presença mais
robusta das minorias. Massachusetts elegeu a primeira governadora lésbica do
país; Maryland escolheu seu primeiro governador negro. Todos os estados tiveram
candidatos homossexuais ou transgêneros, num aumento de 18% em relação a 2020.
Até este sábado (12), democratas haviam
conquistado 201 das 435 cadeiras na Câmara (hoje, têm 221), e republicanos, 211
(têm 212).
Com Barack Obama, republicanos tomaram 63
assentos; com Bill Clinton, 54. Pesquisas apontam que, agora, republicanos
devem virar cerca de 20 vagas. Joe Biden pode, assim, vir a ter desempenho
melhor que o de antecessores.
No Senado, com 35 das 100 vagas em disputa, 49
estão com democratas e 49 com republicanos.
Não se trata, decerto, de um panorama confortável para Biden. Foi mais vistosa,
porém, a frustração do trumpismo e de sua pauta reacionária, que mereceram
vigorosa resposta da sociedade americana.
Ao prometer usar bancos estatais, Lula
revive o pior do PT
O Globo
Nos anos em que partido governou, Caixa,
Banco do Brasil e BNDES foram usados para financiar desvarios
Entre as declarações do presidente eleito
Luiz Inácio Lula da Silva que têm despertado tensão nos mercados, está a
promessa de retomar os investimentos em obras e projetos de infraestrutura por
meio dos bancos estatais. Lula vê a medida como uma oportunidade de retomar a
atividade econômica e gerar empregos. Mas o retrospecto do PT no governo
justifica a apreensão. Em 14 anos no poder, Caixa, BNDES e Banco do Brasil
foram usados sem a menor parcimônia para financiar toda sorte de desvario. Boa
parte da crise fiscal que levou o Tesouro à bancarrota e a ex-presidente Dilma
Rousseff ao impeachment foi gerada pela incúria com os bancos públicos.
Não bastassem as obras, entre as promessas
de campanha de Lula está a ajuda aos 68,4 milhões de endividados junto a
concessionários de serviços básicos (água, luz e outros serviços) ou a bancos e
redes de varejo. O programa, batizado por enquanto de Desenrola Brasil,
constituirá um fundo com recursos de R$ 7 bilhões a R$ 18 bilhões para
renegociar essas dívidas e permitir que os devedores voltem a consumir e ajudar
a economia a crescer.
Não para por aí. Os bancos públicos também
serão convocados a ajudar os microempreendedores individuais (MEIs) a reduzir
dívidas. Apoiarão, ainda, programas sociais de construção de cisternas no
semiárido nordestino. O Banco do Brasil deverá atuar em projetos sociais por
meio da sua fundação, incluindo a ajuda a catadores de resíduos sólidos. Lula
tem ainda a seu dispor a Caixa e os Bancos do Nordeste e da Amazônia, para não
falar no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), fonte de
crédito para grandes projetos que Lula pretende transformar agora em
financiador do pequeno empresário. A Caixa, usada pelo presidente Jair
Bolsonaro para oferecer o absurdo crédito consignado aos beneficiários do
Auxílio Brasil, tratará do Minha Casa Minha Vida, o Casa Verde e Amarela
rebatizado, para também atender famílias com renda abaixo de R$ 1.800, hoje
desassistidas.
Tudo isso significa uma enorme mobilização
de recursos. Será um retrocesso se for feita sem critério, na base da vontade
política, só para fazer bonito diante dos eleitorados que contribuíram para a
vitória de Lula. Pior ainda se levar o governo a recorrer mais uma vez ao
contribuinte para tapar o rombo. É preciso, acima de tudo, cuidado com o
endividamento público.
A experiência acumulada nos anos de poder
deveria ajudar Lula a não repetir os erros do passado. Nos governos petistas,
sobretudo na gestão Dilma, o viés estatista e intervencionista do PT levou ao
aumento dos gastos e a uma crise fiscal de que o país ainda não se recuperou.
Os bancos estatais chegaram a ser usados para forçar a queda dos juros no
mercado, uma medida delirante que obviamente fracassou. O auge do desatino foi
a tentativa de fortalecer os “campeões nacionais”, empresas alimentadas pelo
BNDES com crédito barato subsidiado pelo Tesouro. Empresários compadres,
próximos do poder, se deram bem. O Brasil se deu mal. Muito mal.
Lula tem feito questão de repetir que seu
governo não é do PT, mas da ampla coalizão de forças unidas em defesa da
democracia. Politicamente, é um discurso sedutor. Mas na economia a tentativa
de agradar a todos não funciona, como ele mesmo deve ter percebido ao ver o
poder destruidor que suas declarações tiveram sobre os mercados na semana que
passou.
Investigações sobre bloqueios nas estradas
precisam ser rigorosas
O Globo
Organizadores e financiadores dos atos
golpistas têm de ser punidos com toda a força que a lei autoriza
Ainda havia na semana passada, mais de dez
dias depois da proclamação do resultado das urnas, bloqueios rodoviários em
protesto contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva. Nas estradas federais
houve 1.079 barreiras durante as quase 45 horas em que o presidente Jair
Bolsonaro se manteve em silêncio sobre o resultado das urnas. Há fortes
evidências de que o movimento golpista foi coordenado e contou com apoio
financeiro.
Bolsonaro, ao se pronunciar mais de 44
horas depois de oficializada sua derrota, afirmou que os “movimentos populares”
eram “fruto de indignação e injustiça de como se deu o processo eleitoral” e
pediu que não houvesse “cerceamento do direito de ir e vir”. As estradas foram
sendo reabertas. Restou a tentativa gravíssima de emparedar o Estado
Democrático pela manipulação de um serviço essencial. É preciso, portanto,
investigar a fundo a organização dos bloqueios, punir responsáveis,
organizadores e financiadores da baderna golpista.
Caminhoneiros não podem alegar o direito
constitucional à liberdade de reunião e de expressão para fechar ruas e
estradas. Ninguém está livre para impedir o trânsito, muito menos por motivos
políticos e ideológicos. Partiram do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
investigações sobre a acusação de que uma organização criminosa foi criada por
empresários bolsonaristas para fechar estradas, de acordo com informações
transmitidas ao TSE por procuradores estaduais de Justiça. Noutra iniciativa, a
Polícia Federal abriu inquérito para investigar o papel do diretor-geral da
Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques, nas blitzes promovidas no
dia da eleição e na tolerância diante dos golpistas.
No caso do TSE, as evidências são
abundantes. Antes do segundo turno, circulou entre os caminhoneiros um vídeo
com a mensagem: “Todas as bases dos caminhoneiros aguardarão os resultados à
beira da pista. Caso os resultados das urnas sejam diferentes daquilo que
nossos olhos veem, vocês podem estar preparados, pois iniciará no Brasil uma
grande paralisação”. Um relatório da Universidade Federal de Minas Gerais
descobriu mensagens trocadas por caminhoneiros entre os dias 20 e 27 de outubro
em que uma das palavras-chave era “paralisação”.
Em 11 de outubro, Bolsonaro aconselhou seus
eleitores a permanecer na seção eleitoral até o fim da apuração. O conselho não
vingou. Era uma inaceitável ação para coagir eleitores. Mas no dia 23, uma
semana antes do segundo turno, circulou uma mensagem sobre um “contragolpe”: “O
povo precisa cercar os cartórios eleitorais e sedes do TSE e outra parte para
as portas dos quartéis e caminhoneiros e agricultores trancar (sic) os trevos
das rodovias em desobediência civil”.
Os agentes públicos que tratam do bloqueio das estradas devem ter consciência de que tal crime era apenas parte de uma grande mobilização antidemocrática com o fito de dar um golpe. Daí a importância das investigações, que precisam punir com todo o rigor da lei os financiadores e organizadores da balbúrdia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário