Valor Econômico
Incertezas sobre as contas públicas pioram a
percepção de risco do Brasil, num momento em que o quadro externo é menos
favorável a países emergentes
As perspectivas para a economia global e para
economia brasileira no quarto trimestre estão mais incertas. A avaliação de que
o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) manterá os juros mais altos
por mais tempo elevou com força a taxa dos títulos de longo prazo do Tesouro dos
EUA, uma má notícia para países emergentes como o Brasil. Por aqui, o quadro
para as contas públicas voltou a ficar mais indefinido.
O salto do rendimento dos papéis do Tesouro americano de longo prazo em setembro indica um quadro mais difícil na economia global, com maior aversão a risco. Isso tende a diminuir o fluxo de recursos para economias emergentes. No Brasil, isso se traduziu num câmbio mais desvalorizado, com o dólar voltando a superar R$ 5. Num momento em que o petróleo está acima de US$ 90 o barril, o real mais fraco coloca mais pressão na Petrobras para reajustar os preços dos combustíveis, ainda que não se espere uma depreciação muito forte da moeda brasileira. Isso não deve impedir o Banco Central (BC) de seguir com os cortes de juros neste ano, mas pode limitar a magnitude do ciclo de queda da Selic, que caiu 0,5 ponto percentual em agosto e mais 0,5 ponto em setembro, para 12,75% ao ano.
Chegamos então ao quadro para as contas
públicas, hoje novamente marcado por incertezas. Por ora, as indefinições não
têm a dimensão observada no primeiro trimestre do ano, antes da apresentação do
novo arcabouço, mas o cenário fiscal embute várias dúvidas. A primeira vem dos
maus resultados fiscais dos últimos meses, com déficits primários expressivos.
Além disso, a obtenção dos R$ 168 bilhões de receitas extraordinárias
necessárias para atingir a meta de déficit zero no ano que vem é vista com
extremo ceticismo pelos analistas. Ao mesmo tempo, algumas despesas parecem
subestimadas, como os gastos com aposentadorias. Para completar, o governo quer
reclassificar parte dos precatórios como despesas financeiras, e não primárias,
o que reacendeu a discussão sobre contabilidade criativa.
Divulgado na semana passada, o resultado
primário (que exclui gastos com juros) do governo central em agosto mostrou um
déficit de R$ 26,4 bilhões, levando o rombo acumulado no ano para R$ 104,6
bilhões. Nos oito primeiros meses de 2022, houve superávit de R$ 22,9 bilhões.
De janeiro a agosto deste ano, as receitas líquidas, que excluem transferências
a Estados e municípios, caíram 5,5%, enquanto as despesas totais cresceram
4,5%, nos dois casos já descontada a inflação. A MCM Consultores espera que o
rombo primário do governo central alcance R$ 115 bilhões neste ano, ou 1,1% do
PIB. Nos 12 meses até agosto, o déficit foi de R$ 74,6 bilhões, ou 0,7% do PIB.
“Nos últimos meses, houve frustração na
arrecadação, salto nos gastos com benefícios previdenciários e execução mais
rápida de despesas discricionárias [aquelas sobre as quais o governo tem maior
controle], incluindo as emendas parlamentares”, diz a consultoria, em
relatório. “Para os próximos meses, esperamos que ocorram entradas de receitas
extraordinárias com a transferência de depósitos judiciais da Caixa Econômica
Federal ao Tesouro Nacional (R$ 12 bilhões) e a apropriação pelo Tesouro de
contas antigas e não reclamadas do PIS/PASEP (R$ 24 bilhões)”, aponta a MCM.
Com isso, deverá haver alguma melhora no curto prazo do resultado primário
acumulado em 12 meses, mas depois as contas voltarão a piorar.
Com base nessas projeções, a MCM estima que
haverá neste ano um impulso fiscal expansionista de 1,6% do PIB. Quando
ajustadas por receitas e despesas extraordinárias e pelo ciclo econômico, a
projeção da consultoria é de um impulso fiscal estrutural de 1,3% do PIB
potencial (o ritmo de crescimento que não acelera a inflação). Nas contas da
MCM, é um impulso estrutural superior ao 1% do PIB potencial registrado em
2020, o primeiro ano da pandemia, marcado por um volume expressivo de gastos
extraordinários para combater os efeitos da covid-19, como o pagamento do auxílio
emergencial. A inflação tem se mostrado comportada, abrindo espaço para o BC
reduzir os juros, mas um estímulo fiscal dessa magnitude limita a queda da
Selic, dificultando uma eventual aceleração do ritmo de cortes da taxa, por
exemplo.
Já as perspectivas para o orçamento de 2024
seguem nebulosas. O governo conta com muitas receitas incertas, que dependem da
aprovação do Congresso, e há indicações de gastos subestimados, como cerca de
R$ 20 bilhões de despesas com aposentadorias. O cumprimento da meta de zerar o
déficit primário do governo central em 2024 é visto como remoto pelos
analistas. Isso turva o cenário fiscal, contribuindo para manter elevados os
juros de longo prazo, além de poder colocar alguma pressão sobre o câmbio.
O governo também quer mudar a classificação
de parte dos precatórios (dívidas decorrentes de sentenças judiciais), passando
a considerá-la um gasto financeiro. A ideia de quitar o estoque de R$ 95
bilhões de precatórios, para evitar a formação de um montante superior a R$ 250
bilhões até 2027, tem méritos, mas a reclassificação de parte dos gastos como
despesas financeiras é criticada, por ser uma manobra contábil e por abrir um
precedente logo na largada do novo regime fiscal. No fim de 2021, o governo de
Jair Bolsonaro patrocinou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos
Precatórios, permitindo o não pagamento de parte dessas dívidas até 2026, o que
poderá levar a esse valor elevadíssimo de débitos não pagos.
A situação fiscal não é explosiva, mas a
combinação de maus resultados em 2023, dúvidas quanto ao orçamento de 2024 e
ideias como a reclassificação de parte dos precatórios desperta incertezas
sobre as contas públicas. É um fator que piora a percepção de risco do Brasil,
num momento em que o quadro externo é menos favorável aos emergentes. Isso pode
tirar espaço do BC para reduzir os juros, o que afeta a atividade econômica e
sobrecarrega as despesas financeiras do setor público, prejudicando a dinâmica
da dívida.
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