segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Carlos Pereira* - Conflito virtuoso entre os Poderes

O Estado de S. Paulo

Múltiplos vetos protegem interesses de minorias circunstanciais de serem alienados

Têm sido cada vez mais frequentes conflitos entre os três Poderes. Uma das possíveis causas da cizânia seria a incongruência ideológica entre eles. Um Executivo de esquerda, um Legislativo predominantemente conservador e uma Suprema Corte de perfil majoritariamente progressista.

Essa diferença de preferências tem sido tamanha a ponto de 175 parlamentares terem assinado uma proposta de emenda constitucional que autoriza o Congresso a derrubar decisões do Supremo que o Legislativo julgue que os limites constitucionais da Corte tenham sido extrapolados.

Em vez de interpretar esses conflitos como evidência de suposta crise institucional, é possível explicar esse fenômeno justamente como virtude. Ou seja, um sistema político extremamente competitivo e de perfil “consensualista” não permite que nenhuma força política consiga, sozinha, ser majoritária.

Imagine se em um país complexo e diverso, como o Brasil, tivesse um sistema político em que maiorias episódicas pudessem impor as suas preferências sem grandes restrições. Certamente, os interesses de minorias circunstanciais seriam alienados e os potencias conflitos tenderiam a ser muito mais polarizados ou mesmo explosivos.

No Brasil, entretanto, as saídas dos conflitos são sempre negociadas e pactuadas a todo momento. Por um lado, perde-se eficiência governativa. Tem-se a sensação de que nada acontece. Quando existe cooperação entre as múltiplas forças políticas, percebe-se que é fruto de negociações escusas, o que gera mal-estar generalizado. Embora não de forma consistente, consegue-se impor perdas políticas e judiciais a quem “cruza o sinal”.

Por outro lado, tem-se a certeza de que não vai haver mudanças bruscas e ninguém vai ser capaz de passar o “rolo compressor” nas posições circunstancialmente minoritárias, como é comum em regimes majoritários puros.

Mas, paradoxalmente, o jogo não quebra. Não temos “virada de mesa” justamente porque cada uma dessas múltiplas forças se controla mutuamente. O equilíbrio desse jogo não é estático, mas dinâmico, pois raramente existe alinhamento de preferências entre Poderes.

Em um ambiente institucional com essa natureza é exigido um coordenador (o presidente) com a capacidade de montar coalizões minimamente coerentes, que os poderes e recursos sejam distribuídos proporcionalmente ao peso político de cada um e que a coalizão não seja muito distante da preferência agregada do Congresso.

Como nem sempre o presidente tem essa requerida virtude, a sociedade confunde e vaia o próprio sistema político em vez do governante de plantão.

*Professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV- Ebape)

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