segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Marco Aurélio Nogueira. A democracia desafiada. Recompor a política para um futuro incerto.

Rio de Janeiro, Ateliê de Humanidades, 2023.

INTRODUÇÃO

O presente livro se propõe a interpelar a sociedade e o modo como vivemos, privilegiando alguns de seus aspectos principais, hoje submetidos a amplo debate público. Não pretende oferecer uma teoria abrangente, que dê conta dos múltiplos aspectos da vida como ela é. Trata-se de um ensaio. Não há nele nenhum estudo de caso. Poderei me deixar sensibilizar pelos fatos que transcorrem em meu país, o Brasil, mas o interesse não estará aí. Meu propósito é assumidamente modesto e circunscrito: chamar atenção para certos gargalos que asfixiam a vida atual e sugerir caminhos para compreendê-los.

No centro dos capítulos que se seguirão está a questão da democracia. Trata-se de uma escolha sustentada pela convicção de que não teremos um futuro promissor sem arranjos democráticos sustentáveis. Podemos e devemos discutir de “qual democracia” estamos a falar, que peso deverão ter nela os princípios liberais e socialistas, de que modo será feita a participação dos cidadãos, se os partidos políticos devem ter maior relevo do que as redes sociais, qual o melhor regime para a tomada de decisões, e assim por diante. Mas não há como renunciar à democracia como valor estratégico. Sem isso estaremos sempre a um passo da escuridão autoritária.

Somos protagonistas de uma grande transição. Ela se estrutura sobre três eixos dominantes: (a) a vida nacional se globalizou; (b) o capitalismo industrial se converteu em capitalismo informacional; e (c) a modernidade se radicalizou e se tornou hipermodernidade. Cada um desses eixos tem repercussões fortíssimas no dia-a-dia, na organização social, nas formas da política, no Estado, na economia e na cultura, no corpo e na alma das pessoas.

Nos diferentes capítulos do livro, pretendo explorar a hipótese de que essa grande transição está se materializando mediante o avanço de alguns processos perturbadores: a fragmentação, que problematiza a coesão e o pacto social; a individualização, que exacerba o distanciamento entre os indivíduos e os grupos de referência; a aceleração, que altera o ritmo existencial; e a digitalização, que modifica o modo como interagimos uns com os outros e nos relacionamos com a tecnologia.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É imperativo o combate a fraudes no auxílio-doença

O Globo

Explosão na concessão do benefício com novo aplicativo não se explica apenas pela demanda represada

Toda medida para reduzir a burocracia na concessão de serviços à população é bem-vinda. Mas é fundamental que não abra brechas para fraudes. A partir de maio de 2023, a Previdência lançou o Atestmed, um aplicativo que facilita a obtenção de auxílio-doença para segurados do INSS. O novo serviço permitiu a 1,5 milhão obter o benefício apenas com o atestado médico, sem esperar a perícia médica. Em consequência, os gastos com auxílio-doença dispararam. Em 2022, antes do Atestmed, somaram R$ 27,6 bilhões. No ano seguinte, aumentaram para R$ 33,4 bilhões. De dezembro de 2022 a julho de 2024, os benefícios concedidos cresceram 57%, de 1,08 milhão para 1,69 milhão. Mantida a tendência, as despesas com auxílio-doença alcançarão R$ 40 bilhões neste ano.

António Guterres - O relançamento da cooperação global

Valor Econômico

A Cúpula do Futuro é oportunidade para construir instituições e ferramentas mais eficazes e inclusivas para a cooperação internacional, em sintonia com o século XXI e com o nosso mundo multipola

Estão em curso, em Nova York, as negociações finais para a Cúpula do Futuro que acontecerá este mês, durante a qual chefes de Estado irão negociar a reforma dos alicerces da cooperação internacional. As Nações Unidas convocaram esta Cúpula única devido a um fato evidente: os problemas mundiais estão avançando mais rapidamente do que as instituições que foram criadas para resolvê-los.

Basta olhar à nossa volta. Os conflitos ferozes e a violência estão infligindo sofrimentos terríveis; as divisões geopolíticas são abundantes; as desigualdades e as injustiças estão por todo lado, corroendo a confiança, agravando os ressentimentos e alimentando o populismo e o extremismo. Os velhos desafios relacionados à pobreza, à fome, à discriminação, à misoginia e ao racismo estão assumindo novas formas. Entretanto, enfrentamos ameaças novas e existenciais, desde o caos climático descontrolado e a degradação ambiental até as tecnologias, como a Inteligência Artificial, que se desenvolvem num vácuo ético e jurídico.

Fernando Gabeira - Debate nos EUA ajuda a entender política no Brasil

O Globo

O aprendizado psíquico sobre o candidato é essencial, da mesma maneira o entendimento do fascínio que ele exerce

Assisti ao debate Kamala xTrump como se estivesse num laboratório. Meu tema de pesquisa: como neutralizar candidaturas que o milionário inspira nos trópicos. Lendo “Os bastidores”, livro de Martin Amis, encontrei a lei que na realidade inspira minha pesquisa. É a Lei Barry Manilow. Amis a formula assim: todas as pessoas que conheço detestam Barry Manilow, e todas as pessoas que não conheço gostam dele. As que não conheço são muito mais numerosas.

Cada vez que um candidato desse tipo avança nas pesquisas, há duas tendências: falar mal dele entre nós ou tentar entender o que acontece. Elas podem coexistir. Mas, considerando a Lei Barry Manilow, não adianta apenas falar mal.

Um dos argumentos que dinamizam certos candidatos de fora da política é se apresentarem como empresários de sucesso. Eles e seus eleitores ignoram que as leis que regem uma empresa privada, com seu conselho diretor, são diferentes das leis que movem a máquina pública e as câmaras legislativas. A experiência não pode ser transplantada mecanicamente. Há um talento específico para governar, que nem sempre existe no empresário.

Demétrio Magnoli - Políticas identitárias estão em declínio nos EUA

O Globo

De olho nos eleitores, Kamala Harris recusou-se a desempenhar o papel de símbolo

Há uma semana, no debate, Kamala Harris tratou Donald Trump como um adolescente inseguro. Em certo momento, indagada sobre os ensaios do rival de discutir sua autodescrição racial, escapou à armadilha, passando-lhe uma reprimenda:

— É uma tragédia termos alguém que quer ser presidente e que constantemente, ao longo de sua carreira, tentou usar a raça para dividir o povo americano.

A resposta revela o declínio das políticas identitárias nos Estados Unidos.

Há 16 anos, na sua campanha presidencial, Barack Obama descreveu-se como mestiço, enfatizando as distintas origens de seu pai queniano e de sua mãe, uma americana branca do Kansas. Obama falou com ardor sobre as lutas pelos direitos civis e celebrou a figura de Martin Luther King, apresentando-se como candidato pós-racial. Mesmo assim, não conseguiu fugir ao rótulo de “presidente negro” aplicado pelo consenso identitário em voga.

Preto Zezé - Rio de Janeiro, minha terra adotiva

O Globo

Acredito que o estado, apesar de enfrentar adversidades como qualquer outro lugar do país, possui um potencial imenso

Com alegria, recebi a notícia de que fui agraciado pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) com a aprovação, na quinta-feira da semana passada, da concessão da Medalha Tiradentes.

A medalha, maior homenagem do parlamento estadual, foi proposta pelo presidente da Alerj, deputado Rodrigo Bacellar (União Brasil), a quem agradeço publicamente, assim como a todos daquela Casa que aprovaram essa reverência.

Meu desejo, como novo cidadão do Rio de Janeiro, é que possamos reduzir as distâncias que separam os trabalhadores das riquezas e das oportunidades.

Bruno Carazza - Propostas, promessas e cidades inteligentes

Valor Econômico

‘Smart cities’ são nova ilusão vendida por aspirantes a prefeito

Para quem, por gosto ou dever de ofício, acompanha eleições municipais, é interessante observar como vão mudando os modismos nas promessas dos candidatos a prefeito.

Por muito tempo imperou o “rodoviarismo”, com anúncios de obras de ampliação de avenidas, construção de viadutos e abertura de túneis para fazer fluir o trânsito que prendia boa parte da população em engarrafamentos.

Mais recentemente, na farra dos grandes eventos da Copa do Mundo e das Olimpíadas, a onda eram os grandes sistemas de transporte público, como o BRT e o VLT. Muitos bilhões de dólares depois, alguns equipamentos foram entregues com atraso, enquanto outros permanecem como monumentos ao descaso com o dinheiro público, como atestam as milhares de pilastras do monotrilho da linha 17 do metrô de São Paulo ou o abandono dos trilhos do VLT de Cuiabá, recentemente removidos para começarem a construção de um BRT.

Sergio Lamucci - Um ciclo de alta de juros na contramão do exterior

Valor Econômico

Expectativas desancoradas, câmbio desvalorizado, incertezas fiscais e monetárias e atividade aquecida devem levar o BC a aumentar a Selic nesta semana

O Banco Central (BC) brasileiro deverá começar um ciclo de alta dos juros na quarta-feira, no mesmo dia em que o Federal Reserve (Fed, o BC americano), tudo indica, vai anunciar a redução da taxa básica. A política monetária por aqui, desse modo, tende a ir na contramão do movimento dos juros nos EUA e de outras economias avançadas, como a zona do euro. A avaliação dominante é de que o Comitê de Política Monetária (Copom) não será agressivo no aumento dos juros, que já partem de um nível elevado, apesar de o BC ter cortado a Selic de 13,75% para 10,5% ao ano entre agosto de 2023 e maio de 2024.

Humberto Saccomandi - Rejeição à imigração reforça o extremismo na Europa e ainda pode eleger Trump nos EUA

Valor Econômico

A ascensão do extremismo político é facilitado pela incompreensão dos governos ao nível de rejeição das populações à imigração

Chamou a atenção no debate presidencial da semana passada nos Estados Unidos a afirmação de Donald Trump de que imigrantes haitianos estavam comendo animais de estimação de americanos numa pequena cidade do Estado de Ohio. A fake news foi logo desmentida pelos mediadores. Mas, por trás desse episódio bizarro, está o tema que pode dar a vitória a Trump nas eleições de novembro: a rejeição crescente dos eleitores à imigração em grande escala. Isso ocorre tanto nos EUA como na Europa. E a falta de resposta dos governo, especialmente os de esquerda, vem favorecendo a ascensão da extrema direita.

Camila Rocha - SP sem planejamento frente à crise climática

Folha de S. Paulo

Adotar medidas para atenuar efeitos deletérios é bastante factível considerando os recursos disponíveis

Dois atos foram convocados em São Paulo em virtude da emergência climática. O primeiro anuncia em sua chamada: "Não existe luta pelo meio ambiente sem revolta popular". O segundo, divulgado como "Marcha pela Justiça Climática", mobiliza apelos como: "Esse calor não é normal! Não queimem nossas vidas!". Ambos foram marcados para domingos de setembro, no Masp.

Os protestos revelam a necessidade de ações urgentes diante da crise climática que avança a olhos vistos. No sábado (14), o renomado climatologista brasileiro Carlos Nobre escreveu um texto para a Folha cujo título não poderia ser mais direto: "Mundo pode não ter mais volta e isso me apavora".

Lygia Maria - Universidade não é tribunal de ideias

Folha de S. Paulo

Censura no meio acadêmico revela não só autoritarismo, mas incompetência na produção de conhecimento

Não é só o Judiciário, notadamente o Supremo Tribunal Federal, que vem cerceando a liberdade de expressão nos últimos anos. O ambiente acadêmico também tem sido autoritário nessa seara, o que causa perplexidade.

Afinal, sabe-se que o poder de polícia estatal tende sempre a buscar a ampliação de seu controle sobre a sociedade —se não o alcança plenamente, isso se deve ao sistema de freios e contrapesos e à esfera do debate público das democracias liberais.

Marcus André Melo -Trump é sintoma de quê?

Folha de S. Paulo

Se uma minoria nas democracias avançadas tem preferências políticas radicais, por que apenas nos EUA ela já chegou ao poder?

O debate sobre o modelo institucional americano sofreu inflexão notável nas duas últimas décadas: as instituições políticas passaram a ser pensadas em chave negativa. Durante muito tempo o desenho institucional americano emulava, para muitos, o britânico como modelo ideal. A crítica limitava-se a apontar sua incompletude: o desenho era exemplar, mas fora insuficientemente implementado no Sul do país.

"Tyranny of the Minority" (2023), de autoria de Levitsky e Ziblatt, é o último exemplo dessa crítica revisionista. Há poucos argumentos que já não estejam discutidos por Robert Dahl no clássico instantâneo "How democratic is the american constitution?", ou Levinson e Balkin, em "Democracy and dysfunction".

Carlos Pereira - Inviabilização da impunidade

O Estado de S. Paulo

Evidências de ação coordenada em atos antidemocráticos diminuem as chances de anistia

A defesa da anistia para os condenados pelos atos antidemocráticos do 8 de Janeiro não passa de uma estratégia política para livrar Jair Bolsonaro, tanto pela decisão do TSE de declarar sua inelegibilidade por oito anos, como por eventuais condenações do ex-presidente pelo STF por seu envolvimento direto em uma suposta trama golpista.

Mas, como destacado no artigo de Pablo Ortellado, o grande receio é o de que a reprovação dos eleitores aos atos de 8 de janeiro esvaneça com o passar do tempo. O PL da anistia dos condenados ganharia assim maior viabilidade política no Legislativo, o que aumentaria as chances de perdão dos crimes cometidos pelos envolvidos.

Ortellado argumenta que seria fundamental que a Justiça comprovasse que havia um propósito golpista na invasão dos três Poderes. Bem como que tais ações, em conjunto com os bloqueios de rodovia e de acessos às refinarias e a derrubada das linhas de transmissão de energia foram coordenadas pelos líderes do movimento golpista, incluindo o ex-presidente. Algo, que, segundo Ortellado, não foi plenamente comprovado e/ou detalhadamente divulgado para a sociedade até o momento.

José Casado - Pato manco

Revista Veja

Lira se atropelou na sucessão na Câmara. Deixou feridos e rachou o Centrão

O deputado Arthur Lira, do partido Progressistas de Alagoas, está descobrindo na seca de Brasília aquilo que o escritor espanhol Lorenzo Villalonga aprendeu observando ondas do Mediterrâneo, nas Ilhas Baleares. Villalonga resumiu com maestria: o presente é apenas um ponto entre a ilusão e a saudade.

Faltam cinco meses para Lira deixar a presidência da Câmara. Quando fevereiro chegar, ele sai da cadeira que garante uma posição privilegiada na linha sucessória da República, logo depois do vice. Não é por acaso seu destaque em plano elevado, no centro e de frente para o Plenário Ulysses Guimarães, assim chamado em homenagem ao deputado que passou à história como referência no exercício do poder parlamentar. “Em política, até a raiva é combinada”, ele dizia com um ar de malícia.

James Hawes - Extremismo DOC

CartaCapital

A vitória eleitoral da AfD é, antes de tudo, um fenômeno sociocultural da porção leste da Alemanha

A mídia está cheia de muros corta-fogo (Brandmauer) em ruínas na Alemanha. As eleições estaduais na Turíngia deram a primeira vitória à extrema-direita desde 1945, na região em que os nazistas conquistaram pela primeira vez o poder regional, em 1929, e na data em que Adolf Hitler invadiu a Polônia em 1939. “O Leste fará isso.” A campanha da Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão) misturou os temas habituais do populismo de direita com a sugestão de que o Leste do país é onde a verdadeira Alemanha resiste aos horrores liberais do multiculturalismo e da energia eólica.

Poesia | Thiago de Mello - Os Estatutos do Homem

 

Música | A vida depende da vida - Arlindo Jr.

 

domingo, 15 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Efeito da reforma trabalhista de 2017 é positivo

O Globo

Lei atendeu a demandas específicas e permitiu ao Brasil alcançar maior nível de emprego, constata estudo

A melhora contínua dos números do mercado de trabalho tem sido uma das boas notícias de 2024. No segundo trimestre, o desemprego estava em 6,8%, menor índice para o período na série histórica iniciada pelo IBGE em 2012. O rendimento médio da população ocupada subiu 4,8% na comparação com o segundo trimestre de 2023, descontada a inflação. E o contingente de trabalhadores com carteira assinada bateu recorde.

Entre as hipóteses levantadas para explicar a criação de vagas formais, a mais provável é a reforma trabalhista feita pelo governo Michel Temer. Aprovada em 2017, ela desestimulou a indústria do litígio trabalhista. Com menos insegurança jurídica, houve queda no número de processos trabalhistas “aventureiros”, e as empresas se sentiram mais confiantes para contratar funcionários com carteira assinada.

Cacá Diegues - Quem somos (ou queremos ser)?

O Globo

Nosso projeto de Brasil está em nossa permanente esperança de sermos o futuro ser humano

No Brasil, a ideia de modernismo, que só se consolidou em 1922, mudou nosso modo de pensar sobre nós mesmos. Não se tratava mais de procurar entre nós as melhores pistas de valores consagrados lá fora, mas de criar nossos próprios valores necessariamente distintos dos de “lá fora”.

Tratava-se de inventar uma nação que ainda não existia, a partir de costumes originais que sempre existiram, de uma linguagem inédita que nunca percebemos existir, de paisagens geográficas das quais mal nos orgulhávamos, de personagens e situações que só nós conhecíamos e, portanto, só nós sabíamos e podíamos torná-las uma narrativa com sentido.

O Brasil já começou a resolver a questão das incertezas de nosso futuro, garantindo a exibição dos filmes brasileiros, protegendo-os contra o massacre do mercado. Mas ainda falta muita coisa que já foi concluída em outros países com menos pressa econômica e cultural, e mais baixa qualidade de resultados.

Nossas melhores cabeças pensaram ou sonharam com esse projeto de Brasil para o século 21. Ele está no mito de nossa formação racial, a única indo-luso-africana em todo o planeta. Ele está no mito do país imenso e no milagre de ser um só desse tamanho todo, com uma só língua e costumes semelhantes. Ele está no mito da cordialidade com que nos acostumamos a nos autorreferir. Ele está no mito de nossa musicalidade, no samba e outras bossas. Ele está no humanismo de nossa melhor produção cultural. Ele está em nossa permanente esperança de sermos o futuro Ser Humano.

Merval Pereira - Feito uma biruta

O Globo

Estudo mostra que a confiança dos eleitores brasileiros no STF varia de acordo com a sua decisão de condenar ou de absolver os líderes políticos que odeiam ou amam

A variação de percepção que os políticos fazem das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), também é observada entre os eleitores. Em artigo que acaba de ser publicado no periódico internacional “Governance”, o cientista político da Fundação Getúlio Vargas do Rio Carlos Pereira e coautores ( Lucia Barros e André Klevenhusen) identificaram que a confiança dos eleitores brasileiros no STF varia de acordo com a sua decisão de condenar ou de absolver os líderes políticos que odeiam ou amam.

Assim sendo, os mesmos juízes que foram criticados ao condenar um político são elogiados quando, mudando de posição, absolvem esse mesmo político, e vice-versa. Não está explícito na pesquisa, mas destaco que se as decisões de alguns ministros do Supremo não fossem tão dispares entre si nos mesmos casos, talvez a percepção do cidadão fosse diferente. O trabalho investigou o papel das afinidades políticas em determinar atitudes dos cidadãos diante de decisões judiciais sobre corrupção envolvendo políticos.

Míriam Leitão - As eleições da alienação

O Globo

A mudança climática deveria ser tema central da campanha eleitoral. Candidato que ignora o risco ameaça a vida do cidadão

O delegado Alexandre Ramagem, perguntado pela Veja sobre a preparação do Rio de Janeiro para o risco climático, disse que há “muito desentendimento mundial de narrativas sobre as mudanças climáticas”. Não há desentendimento, nem narrativas. Esse tempo passou. Há muitos anos, existe um consenso entre cientistas sobre a mudança climática, com o recuo dos poucos que ainda negavam. O que a resposta de Ramagem mostrou é como esse grupo político está despreparado para enfrentar a tarefa de governar as cidades brasileiras, país que tem mais de dois mil municípios considerados vulneráveis.

A realidade é de derreter o mais empedernido ceticismo em relação à ciência, mas os negacionistas ainda tentam construir respostas usando palavras como “desentendimento” e “narrativas”. O delegado Ramagem é apenas a face mais visível do fiasco de Jair Bolsonaro em seu reduto. O que é realmente importante é o drama que o país está vivendo.

Bernardo Mello Franco – Emergência esquecida

O Globo

Em meio a onda de calor e poluição, emergência é tratada como tema menor no eixo Rio-SP

Está difícil respirar nas maiores cidades do país. Em pleno inverno, o Rio registrou três dias seguidos de temperaturas acima dos 40°C. Em São Paulo, o calor se somou à poluição. A capital paulista teve a pior qualidade do ar entre 120 metrópoles monitoradas em todo o mundo.

A canícula fora de época testa a resistência dos cariocas. No início da semana, a cidade já havia se espantado ao ver o sol alaranjado. O fenômeno foi causado pela mistura de calor extremo, falta de chuvas e fumaça causada por queimadas.

Os paulistanos, que adoram listas, passaram a encabeçar o ranking internacional de poluição divulgado pelo site suíço IQAir. Médicos pediram para a população evitar a exposição ao sol e o esforço físico ao ar livre. No interior do estado, cidades anunciaram racionamento de água.

Dorrit Harazim – A banalidade da loucura

O Globo

A sociedade americana, a começar pela própria imprensa, normalizou a figura de Donald Trump

No fatídico 11 de setembro de 2001, Nova York estava de joelhos. O ataque jihadista havia reduzido a pó as Torres Gêmeas da cidade, e certezas enraizadas haviam perdido qualquer solidez. Menos para Donald Trump. O magnata-celebridade do ramo imobiliário passara a manhã telefonando a emissoras de rádio e TV para se pronunciar.

— Agora o prédio mais alto da cidade é meu, o Wall Street número 40 — gabava-se, alheio à dor, ao horror e ao luto nacional.

Neste 11 de setembro de 2024, lá estava Trump na fileira das autoridades. Para a cerimônia anual em memória dos quase 3 mil mortos no atentado, ele e seu candidato a vice, J.D. Vance, envergavam flamejantes gravatas vermelhas — a cor do Partido Republicano. Parecia normal. Chegou a receber elogios do New York Times pelo “abraço cordial” de cumprimento a Kamala Harris, sua algoz no debate presidencial ocorrido na véspera. Mas esse verniz evaporou-se rapidamente.

Elio Gaspari - As autoridades e a Autoridade Climática

O Globo

Resistência a novo órgão uniu os que pretendiam defender o meio ambiente, mas protegem antes seus quadrados de poder, e os agrotrogloditas que se beneficiam do status quo

Não se sabe o formato que terá a Autoridade Climática anunciada por Lula em Manaus, mas sabe-se como a ideia foi queimada em 2023, depois de ter sido prometida durante a campanha eleitoral.

Contra a criação dessa entidade militaram dois grupos com interesses quase antagônicos. De um lado estavam os que pretendiam defender o meio ambiente, protegendo seus quadrados de poder na burocracia. De outro, estavam os interessados em preservar um estado de coisas que mantinha a defesa do ambiente no mundo do palavrório. Nenhum dos dois queria a Autoridade Climática. Prevaleceram e continuam detestando a ideia.

Passados quase dois anos, o tamanho da crise refrescou a memória de Lula e a Autoridade Climática vem aí. Para a turma que queimou-a em 2023, trata-se de desonrá-la. Como? Reciclando os movimentos de 2023.

Antes da posse, tratava-se de decidir onde ficaria a Autoridade Climática. Poderia ser ligada à Presidência ou ao Ministério do Meio Ambiente. Colocá-la no organograma do ministério seria uma girafa semelhante à ideia de se jogar a Agência de Vigilância Sanitária dentro do Ministério da Saúde.

Luiz Carlos Azedo - Que falta nos faz um consenso nacional

Correio Braziliense

A "política como negócio" faz parte da ordem democrática, mas, aqui, é feita de forma escamoteada e sufoca a "política do bem comum", que deveria ser hegemônica

Uma das questões mais angustiantes da política brasileira é a ausência de um projeto de desenvolvimento sustentável, em bases democráticas, que conte com amplo apoio político e respaldo social. Sem um consenso nacional, a agenda é pautada pela "transa" entre seus protagonistas, movidos por interesses da pequena política. Essa urgência é dada pela distância crescente entre nosso país e outras nações, não somente os Estados Unidos ou os países europeus, mas, também, os asiáticos, como China e Índia, que, hoje, ocupam a posição de segunda e quinta economias do mundo, enquanto ficamos para trás.

Ontem, em um artigo publicado na Carta Capital, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, expôs de forma resumida uma agenda de integração do Brasil com os demais países da América do Sul que contempla obras de infraestrutura, transição energética, avanços da ciência e da tecnologia, além de medidas voltadas para as questões aduaneiras, policiais e o turismo. Hoje, lamentavelmente, o contrabando de mercadorias, o comércio ilegal de armas e o tráfico de drogas, além da imigração de refugiados — particularmente, de venezuelanos, que cresce —, têm mais visibilidade do que a agenda positiva.

Lourival Sant’Anna - A normalização da irresponsabilidade

O Estado de S. Paulo

Como de hábito, Trump mente sistematicamente para sustentar seus ataques a imigrantes

As mentiras espalhadas por Donald Trump e seu vice, J.D. Vance, sobre imigrantes haitianos sequestrando bichos de estimação para comer em Springfield, Ohio, é um dos capítulos mais assombrosos e repugnantes da normalização de políticos inconsequentes.

Cinco escolas e a prefeitura de Springfield tiveram de ser esvaziadas e fechadas na quinta-feira, depois de ameaças de bomba contra seus prédios. A hostilidade aos haitianos sofre uma escalada, mesmo depois de o administrador da cidade e o governador de Ohio terem afastado qualquer evidência desses delitos. A imigração é a principal linha de ataque de Trump contra sua adversária Kamala Harris. Como de hábito, Trump mente para sustentar seus ataques.

Celso Ming - As eleições e os cabides de emprego

O Estado de S. Paulo

Parte do bom desempenho da economia neste ano, do recorde da população ocupada e da queda do desemprego no trimestre encerrado em julho aos níveis mais baixos (6,8%) desde o início da série histórica, de 2012, se deve a um fator que cessará de existir a partir deste fim de ano. Trata-se do impulso dado às obras públicas e à contratação de pessoal temporário pelas prefeituras municipais, neste período eleitoral.

Não há dados abrangentes sobre quantos recursos estão sendo despejados pelo empenho dos atuais prefeitos em mostrar serviço de maneira a impressionar o eleitor. É recapeamento de ruas e avenidas, construção de creches, de escolas e de postos de saúde ou, até mesmo do que já acontecia no passado, de construção de um chafariz na praça principal. E não se pode deixar de mencionar as contratações de funcionários ou, simplesmente, de simpatizantes políticos que transformam as repartições públicas em cabides de emprego.

Eliane Cantanhêde - Uma eleição em 3 turnos

O Estado de S. Paulo

Nunes ganhou vida própria sem Bolsonaro, mas Boulos depende muito de Lula para vencer

Com o prefeito Ricardo Nunes (MDB) crescendo nas pesquisas e o “outsider” Pablo Marçal (PRTB) perdendo fôlego, a eleição na principal capital do País vai embicando para um segundo turno entre Nunes, à direita, em ascensão, e Guilherme Boulos (PSOL), à esquerda, com sinais de estar batendo no teto. O resultado prático é que o ex-presidente Jair Bolsonaro finalmente desceu do muro a favor de Nunes, enquanto o presidente Lula já mexe na agenda para entrar com força na campanha de Boulos em São Paulo.

Candidato à reeleição, Nunes já seria o eixo natural da campanha paulistana, mas tem de enfrentar não dois, mas três turnos. O primeiro é contra Marçal, que parece deslizar da condição de “fenômeno” para a de “meteoro” – sobe muito, mas dura pouco. Essa tendência descarta a hipótese que chegou a ser cogitada de uma disputa final entre dois nomes da direita, Nunes e Marçal. O previsível volta a ser direita versus esquerda.

Vinicius Torres Freire - Lula e o plano contra o fim do mundo

Folha de S. Paulo

Sem saber para onde ir, país torra dinheiro petrolífero, destrói ambiente e futuro

Luiz Inácio Lula da Silva prometeu reconstruir a BR-319, estrada que liga Manaus a Porto Velho (Rondônia), como se sabe. Fez a promessa no Amazonas, no auge do ruído midiático sobre o incêndio do Brasil. Convém voltar ao assunto.

O caso é uma caricatura de dilemas brasileiros e do governo Lula. É um exemplo da falta de planos do que fazer quanto a energia, investimento, ambiente e até das contas públicas. Vai dar besteira.

O que fazer de petróleo e de sua renda enorme e crescente? De rodovias e ferrovias na floresta? Como gerar mais eletricidade em horário de pico sem mais dano ambiental?

Bruno Boghossian - A autofagia do centrão pode ser uma miragem

Folha de S. Paulo

Concorrência interna vai determinar se o próximo presidente da Câmara continuará montado num rolo compressor

O poder de Arthur Lira se sustenta em dois números graúdos. O primeiro é a fortuna de R$ 30 bilhões em emendas destinadas aos deputados, valor que ele ajudou a inflar como presidente da Câmara. A segunda cifra é a bancada de 300 a 350 parlamentares que atuam de maneira coordenada, sob grande influência do líder do centrão.

A mudança de comando na Câmara, em fevereiro de 2025, envolve o controle dos dois ativos. O grupo vencedor vai trabalhar para preservar o cofre das emendas e gerenciar a distribuição do dinheiro. Já a liderança do bloco atravessa um momento delicado.

Celso Rocha de Barros - A velhinha do golpe

Folha de S. Paulo

Vale a pena soltar quem cumpre pena no lugar de Bolsonaro?

Na última manifestação da Paulista, ali entre a hora em que Ricardo Nunes fugiu e a hora em que Pablo Marçal fez questão de chegar atrasado, Jair Bolsonaro discursou a favor de uma anistia para os golpistas de 8 de janeiro.

No fundo, apelou para o artigo zero de todas as Constituições anteriores à de 1988, que dizia que lei é bonito, democracia é legal, mas, quando a direita quiser dar golpe, está liberado. Ives Gandra lutou a vida inteira para que o artigo zero fosse recepcionado na atual Lei Magna.

Eu entendo que Jair defenda os golpistas presos.

Quem vai participar da próxima rodada golpista sabendo que os veteranos do golpe passado estão na cadeia? Quem vai atender à próxima convocação para invadir o STF sabendo que, em caso de fracasso, os militantes vão para cana e o Jair vai para uma mansão paga pelo Valdemar Costa Neto?

Gaudêncio Torquato - O triunfo da boçalidade

Folha de S. Paulo

Tem sido longo o registro de figurantes públicos da pá virada, cujos nomes frequentaram a literatura política graças a gestos e feitos tresloucados

A racionalidade é a matriz que identifica o ser humano. É a marca que lhe confere o dom da razão. Quando desprovido do farol que guia seus passos, o homem afunda no abismo da ignorância. Cai na vala dos insensatos.

Ao correr da história, tem sido longo o registro de figurantes públicos da pá virada, cujos nomes frequentaram a literatura política graças a gestos e feitos tresloucados.

Lembremos dos idos de ontem; Calígula, o imperador que nomeou cônsul seu cavalo Incitatus, transformando-o em um ente de seu Estado teocrático. Ou mesmo Nero, outro imperador amalucado que mandou assassinar a mãe, Agripina, e suas duas esposas, Cláudia Otávia e Pompeia Sabina —e acusado ainda de iniciar o grande incêndio de Roma, que devastou parte da cidade por nove dias.

Pulemos para os nossos dias. Não é nonsense constatar um candidato à Presidência dos Estados Unidos incentivar a invasão de um símbolo da democracia, o Capitólio, por ambição de chegar ao poder central com devastação de monumentos públicos e golpe nas instituições? Donald Trump é essa figura. A mesma indicação pode ser feita sobre o estrambótico personagem que estaria por trás da "Festa de Selma", a arrumação golpista para solapar a democracia brasileira? Jair Bolsonaro, segundo se sabe, seria o inspirador da devastação do 8 de janeiro em Brasília.

Manoel Galdino - Desigualdades e identidades na política brasileira

Folha de S. Paulo

Os desafios eleitorais da esquerda não provêm da ênfase em ações simbólicas

Há quem acredite que as dificuldades eleitorais da esquerda residem em uma suposta centralidade da agenda dita identitária. No entanto, há evidências para outra interpretação: as políticas de inclusão dos governos de esquerda, que trouxeram as desigualdades interseccionais para o centro do debate, provocaram a reação dos grupos 'perdedores' e mudaram a agenda como efeito colateral.

Políticas que englobam temas como cotas raciais, regulamentação do trabalho doméstico e violência contra mulher ajudaram a consolidar novas identidades políticas, para as quais questões simbólicas se tornaram ainda mais cruciais.

Muniz Sodré - Bobo da corte é coach de idiotia política

Folha de S. Paulo

Estratégia de Marçal à Prefeitura de São Paulo se assemelha à interação dos personagens da ópera Rigoletto

Ante a admissão de Pablo Marçal de que surfa na idiotia, cabe perguntar se parte da Paulicéia está fora de si, ou desvairada para além dos versos modernistas de Mário de Andrade. A resposta comporta uma distinção entre idiota e bobo da corte, nisso ajuda a ópera "Rigoletto", de Verdi. Na corte de um Duque veneziano, Rigoletto, o bufão, não é nenhum parvo, mas alguém que sabe o que quer e, no caminho, combina intrigas com crime. Idiotas são os alvos de suas tramoias, exatamente como os seguidores de Marçal, por ele assim, aliás, referidos. Marçal está mais para Rigoletto do que para um microcéfalo bolsonarista.

Pacelli Henrique Silva Lopes - A cultura política mineira e as eleições municipais de 2024

Há cem anos, a presidência do Brasil era exercida pelo mineiro Arthur da Silva Bernardes, que se destacou na renovação do Partido Republicano Mineiro na sua segunda geração. Bernardes enfrentou intensas batalhas políticas com grupos rivais dentro de seu próprio partido.

Na época, a bancada mineira na câmara federal era conhecida como carneirada, por votar em bloco, tinha fortes conflitos no seu seio. Os grupos políticos eram obrigados a negociar acordos que envolviam as candidaturas nos níveis municipais, estaduais e federais.

As fontes históricas da Primeira República mostram que adversários de uma mesma localidade chegaram a acordos várias vezes. Esses pactos contemplavam candidaturas municipais e estaduais, evitando assim os conflitos políticos.

Hoje em pleno 2024, vemos a ausência do vivere civile. A ausência de polarização política ilustra a força do nosso Riobaldo de Guimarães Rosa ao dizer que “uma coisa é pôr ideias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias... Tanta gente – dá susto de saber – nenhum se sossega: todos nascendo, crescendo, se casando, querendo colocação de emprego, comida, saúde, riqueza…”[1]

Poesia | A uma bailarina, de Paulo Mendes Campos

 

Música | Um frevo pra pular fevereiro - PC Silva e Flaira Ferro

 

sábado, 14 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Leniência com crimes ambientais interfere no clima

O Globo

Em vez de contribuir para capturar gases poluentes, Amazônia se transformou em fonte de emissões

Não é alarmismo de cientistas paranoicos. É fato: de acordo com dados do Copernicus, instituto de monitoramento climático mantido pela União Europeia, durante pelo menos cinco dias o sudoeste da Amazônia foi a região do planeta que mais emitiu gases de efeito estufa. Mais que áreas poluidoras da China, da Índia ou polos urbanos e industriais dos países ricos. Em vez de funcionar como o proverbial “pulmão do mundo” — chavão cunhado há décadas que não corresponde faz tempo à realidade — e de capturar gases poluentes, a Floresta Amazônica começa, ao contrário, a agravar o aquecimento global. Cientistas temem que a tendência se torne irreversível.

A causa da inversão de papéis é o desmatamento, agravado por incêndios devastadores sem precedentes. De 1º de janeiro a 9 de setembro, os 82 mil focos de fogo detectados foram o dobro dos mapeados no mesmo período do ano passado. A Amazônia chegou a tal ponto depois de muito descaso com a ocupação desordenada da região onde fica a maior floresta tropical do planeta. É fundamental cobrar do Executivo medidas de combate ao fogo e proteção da floresta. Mas a responsabilidade vai além. Precisa se estender ao Legislativo, onde ainda tramita uma “boiada” de projetos enfraquecendo a lei ambiental. E também ao Judiciário, onde são frequentes casos de leniência com crimes contra a natureza.