segunda-feira, 30 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ataque a Hezbollah era necessário para conter ameaça

O Globo

Agora, para conter danos aos civis e obter reféns de volta, as partes devem buscar um cessar-fogo

Horas depois do monstruoso ataque terrorista do grupo palestino Hamas em 7 de outubro do ano passado, quando nem se sabia ao certo quantas centenas de pessoas haviam sido massacradas, sequestradas ou abusadas sexualmente, o grupo xiita libanês Hezbollah — responsável por dezenas de atentados terroristas em vários continentes, inclusive na América Latina – começou a bombardear o norte de Israel de suas bases no sul do Líbano. Foram lançados desde então mais de 10 mil foguetes, forçando o êxodo de 67.500 habitantes da região. Foi esse o motivo para Israel atacar o Líbano nas últimas semanas, começando com a explosão sincronizada de perto de 3 milhares de pagers usados para comunicação entre integrantes do Hezbollah e culminando com a morte de seu líder, Hassan Nasrallah, atingido por um ataque em Beirute enquanto participava de uma reunião no subsolo de um prédio residencial na sexta-feira.

A ofensiva israelense deixou milhares de feridos e centenas de mortos, entre eles as principais lideranças do Hezbollah, representantes do governo iraniano e, lamentavelmente, civis inocentes, inclusive dois brasileiros. Ao contrário de Israel, que dispõe de um sofisticado sistema de defesa antiaéreo capaz de interceptar mísseis e foguetes ainda no ar — testado em seu limite por um ataque iraniano meses atrás —, o Hezbollah opera, a exemplo de seu congênere Hamas, infiltrado na população civil libanesa, usada como escudo humano para dissuadir ataques. Só que o Hezbollah é mais sofisticado e poderoso que o Hamas. Seu arsenal, estimado entre 150 mil e 200 mil foguetes, lhe confere dez vezes o poder de fogo do grupo palestino. O Hezbollah também é dependente militar e financeiramente de Teerã, mas os vínculos são mais fortes. Como o Irã, professa a vertente mais extremista do fundamentalismo xiita, almeja a destruição de Israel e está em conflito aberto com os valores (e países) ocidentais há décadas. O Hezbollah usufrui um status especial no Líbano, que lhe permite, ao mesmo tempo, manter representação política e uma milícia própria, além de comandar bancos, fornecimento de energia e um sistema econômico paralelo.

Fernando Gabeira - Todos os tons do setembro amarelo

O Globo

Não existe perigo de o planeta acabar, mas sim de a vida humana tornar-se inviável nele

Começou o outono em Nova York. Estive concentrado na cidade porque os líderes mundiais falariam na ONU. E também porque minha filha Maya estava por lá. O que tem a ver uma coisa com a outra? O trânsito. Ela precisava se deslocar entre um e outro evento sobre defesa do oceano e fez uma curta viagem à Califórnia. Sofreu com as longas viagens de táxi.

Os discursos na ONU se sucediam indiferentes aos pequenos transtornos urbanos. Imagino aquele prédio como um imenso transatlântico com seus oradores navegando num mar tempestuoso, repleto de icebergs.

Ouço uma voz em português de nosso presidente advertindo para a catástrofe climática. Soa sensato, mas, a 8 mil quilômetros de distância, o que sentimos ainda é o calor do fogo, o cheiro de fumaça. Estamos destruindo o planeta com regularidade, sem discriminação.

O outono começa por lá. Por aqui o inverno acabou. Ainda restam algumas folhas de amendoeira não recolhidas na Rua Almirante Saddock de Sá.

Preto Zezé - Rumo às urnas

O Globo

É preciso diferenciar a politização fácil das redes de discursos realmente conectados com a realidade

Com quase 20 milhões de pessoas, as favelas representam uma fatia importante a ser disputada pelos candidatos no próximo pleito. O futuro está nas mãos dessas populações, mais lembradas em tempos de eleição. Como dizia um professor meu:

— Favelado fica mais importante em época de eleição.

O favelado enfrenta dificuldade para participar da política. Há uma visão equivocada de que todos votamos nos mesmos candidatos.

A política tem sido a maior invenção de transformação social. Quando se participa dela, descobrem-se os caminhos dos espaços de poder e decisão. Com o advento das redes sociais, os excluídos, por um lado, ganharam voz, mas, por outro, viraram presas fáceis para todo tipo de aproveitador.

Os debates e apresentações são cada vez mais teatrais, buscando a espetacularização ou até ridicularização da política. Não há espaço para propostas sérias. Tudo parece girar em torno de curtidas que se convertem em votos.

Lygia Maria - Vícios sem paternalismo estatal

Folha de S. Paulo

Seja no caso das bets ou das drogas, poder público deve escolher o melhor problema, ou seja, o mais manejável com os recursos escassos disponíveis

O gasto de R$ 3 bilhões em apostas online (bets) por beneficiários do Bolsa Família inflamou o debate público.

Produtos que causam externalidades negativas —como dependência física ou psicológica— tendem a ser tratados, pelo Estado e pela sociedade, por um viés moralista que incita medo. A consequência são políticas paternalistas e punitivistas que, geralmente, não apenas não contêm o problema como ainda o pioram.

guerra às drogas é o exemplo clássico. Quaisquer prejuízos que o consumo de maconha ou cocaína possam causar nem sequer chegam perto dos efeitos nefastos da proibição, como o monopólio pelo crime organizado, as disputas entre cartéis do tráfico e suas facções, a violência urbana que atinge sobretudo a população mais pobre e a corrupção policial e do sistema de justiça.

Ana Cristina Rosa - A marca das eleições municipais 2024

Folha de S. Paulo

A violência política mingua a democracia, e as condenações são irrisórias

Entre cadeirada, soco, cusparada, intimidações, ataques e ameaças de morte, a violência política tornou-se a marca das eleições municipais de 2024.

A menos de uma semana para o primeiro turno do pleito (no dia 6 de outubro), é difícil encontrar quem não saiba de alguma ofensiva criminosa contra postulantes a prefeituras ou câmaras de vereadores pelo país.

O caso mais estarrecedor foi transmitido ao vivo pela televisão e envolveu dois homens na disputa pelo comando da maior cidade da América Latina.

Mas, para além do matiz ideológico, gênero e raça têm servido de agravantes da violência política, fazendo das mulheres (em especial as negras) o principal alvo.

Camila Rocha - Mais de 1 milhão passam fome em São Paulo

Folha de S. Paulo

Assunto de vários níveis de governo parece ter pouco espaço em meio a debates eleitorais superficiais

Mais da metade da população da cidade de São Paulo possui algum grau de insegurança alimentar. É o que afirma a pesquisa intitulada "I Inquérito sobre a Situação Alimentar do Município de São Paulo", realizada neste ano por duas universidades paulistas, a Unifesp e a UFABC.

Segundo o estudo, divulgado em 20 de setembro, 12,5% dos moradores da cidade, cerca de 1,4 milhão de pessoas, experimentam insegurança alimentar grave. Ou seja, passam fome. A maioria (72%) vive nas periferias e é de trabalhadores informais (52%), principalmente mulheres que trabalham como faxineiras e diaristas (34%).

Marcus André Melo - Faoro, a túnica centralizadora e o STF

Folha de S. Paulo

O combate à corrupção é promessa não realizada da democracia

As decisões monocráticas de Dias Toffoli anulando provas inequívocas de corrupção envolvendo a OAS, e de Ricardo Lewandowski, ex-juiz do Supremo e agora ministro da Justiça, viabilizando nomeações na Petrobras, ao arrepio da Lei das Estatais, nos fazem lembrar a frase com que Faoro conclui Os Donos do Poder: "nossa sociedade –'um esqueleto de ar'— está coberta pela 'túnica rígida do passado inexaurível, pesado, sufocante'. E este passado é, em larga medida, o passado da impunidade e do estatismo intervencionista, ao qual está umbilicalmente interligado".

A Nova República foi inaugurada sob a consigna do combate à impunidade: "A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune toma nas mãos de demagogos que a pretexto de salvá-la a tiranizam. Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública". As palavras de Ulysses Guimarães, em seu discurso de promulgação da Constituição de 1988, atestam a centralidade que a questão assumira na agenda pública. E não podia ser diferente, pois a corrupção e a impunidade são faces da mesma moeda: abuso de poder. Na democracia ele não tem a visibilidade da violência e do arbítrio sob o autoritarismo; mais suave, é mais insidioso.

Carlos Pereira - Usurpação individual ou delegação?

O Estado de S. Paulo

Muito do que parece arroubo individual de um ministro do STF pode ser, na realidade, apenas delegação

Fica cada vez mais claro que o Judiciário tem exercido um papel proeminente na política brasileira. A maioria das interpretações deste fato, entretanto, se baseia quase que exclusivamente na perspectiva da personalidade individual de um juiz ou de um ministro do STF. Como se o protagonismo do Judiciário fosse consequência direta de características pessoais ou de um estilo próprio de atuação de alguns de seus membros, e não de elementos institucionais.

Na direção contrária a essas interpretações de enfoque individual, especificamente em relação ao desempenho arrojado do ministro Alexandre de Moraes, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, argumentou que Moraes “tem tido condição de fazer esse papel porque essa é uma visão majoritária no Supremo”. “Portanto, não é uma coisa personalista, nem monocrática. Reflete um sentimento coletivo de proteção da democracia. É claro que cada um, quando conduz um inquérito, conduz com as características da sua personalidade, mas há uma institucionalidade por trás.”

Marcelo de Azevedo Granato - Marçal é sintoma de uma sociedade sem esperança

O Estado de S. Paulo

Onde um personagem com essas características pode florescer, se não num ambiente de desesperança na vida comunitária e na ação conjunta dos cidadãos, ou seja, na política?

O entusiasmo em torno da figura de Pablo Marçal, candidato à Prefeitura de São Paulo quando da redação deste texto, tem algo de paradoxal. Afinal, é um entusiasmo que parece florescer não na esperança, mas na desesperança dos seus adeptos quanto à ação política.

Assim como o ex-presidente Jair Bolsonaro, Marçal se declara antissistema. Também como Bolsonaro, que teve sua candidatura à Presidência em 2018 viabilizada pelo então inexpressivo Partido Social Liberal (PSL), Marçal se candidata à Prefeitura paulistana pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), comandado até 2021 pelo falecido Levy Fidelix, proponente do “aerotrem”.

Ao contrário de Bolsonaro, porém, Marçal é realmente um outsider. O ex-presidente, como se sabe, vive da política há cerca de 30 anos. Ele próprio confirma sua procedência: “Eu sou do Centrão (...), eu nasci de lá” (22/7/2021).

Bruno Carazza - Para onde vai o maior fundão da história?

Valor Econômico

Prestação de contas mostram distorções das eleições municipais mais caras desde a redemocratização

Há quatro anos, Eduardo Paes (PSD) conquistou a prefeitura do Rio de Janeiro gastando R$ 11,2 milhões do fundo eleitoral (valores atuais). Em busca da reeleição, ao que tudo indica em primeiro turno, o atual prefeito recebeu até o momento R$ 21,3 milhões de seu partido - ou melhor, do contribuinte brasileiro.

O Congresso Nacional decidiu que o fundo eleitoral deste ano será de R$ 4,9 bilhões, o maior da história. Quatro anos atrás, o valor foi de R$ 2,035 bilhões - corrigido pelo IPCA, isso daria R$ 2,65 bilhões em dinheiro de hoje.

Ou seja, sem nenhuma justificativa plausível, os deputados e senadores (com a conivência de Lula, que não vetou a proposta) elevaram o volume de recursos públicos nas campanhas eleitorais em praticamente 85%.

Sergio Lamucci - O mercado de trabalho e a política monetária

Valor Econômico

O nível alto dos juros e uma inflação não explosiva recomendam cautela no aumento dos juros; incertezas fiscais, porém, são entraves à elevação moderada da Selic

A força do mercado de trabalho impressiona. A taxa de desemprego segue em queda, a população ocupada está em nível recorde, a criação de empregos no mercado formal continua forte e a massa de rendimentos cresce a um ritmo expressivo. Ao lado das transferências de renda do governo, esse desempenho é um dos motivos que fazem do consumo das famílias um dos principais motores do crescimento do PIB. Na outra direção, o endividamento elevado breca uma expansão mais forte da demanda.

Com essa pujança, o comportamento do mercado de trabalho é uma das justificativas do Banco Central (BC) para ter começado o ciclo de alta da Selic neste mês. No entanto, o nível já alto dos juros e uma inflação que não é explosiva, ainda que as expectativas estejam relativamente distantes da meta de 3%, recomendam cautela no aumento da taxa, para evitar uma dose excessiva de aperto monetário. Um problema é que as incertezas sobre as contas públicas continuam altas, o que impede uma queda mais forte do dólar, apesar do aumento da diferença entre os juros no Brasil e no exterior. Isso conspira contra uma subida mais moderada da Selic.

Poesia | Brisa, de Manuel Bandeira

 

Música | Marisa Monte e Adriana Calcanhoto - Beijo sem

 

domingo, 29 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Liderança global de Lula entrou em declínio

O Globo

Passagem por Nova York mostra que passou o tempo em que o presidente encantava as plateias

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez o possível na semana passada para se projetar como liderança global em Nova York. Discursou na abertura da Assembleia Geral da ONU, participou de reunião do G20, disparou críticas contra seus desafetos Benjamin Netanyahu e Volodymyr Zelensky, manteve encontros bilaterais com Pedro Sánchez, Cyril Ramaphosa e Gustavo Petro, defendeu reformas na governança global e foi conversar até com representantes de agências de risco, na tentativa de melhorar a nota do Brasil.

Não dá para negar seus esforços. Mas Lula está longe de alcançar os resultados que gostaria. A verdade é que, em seu terceiro mandato, ele é conhecido no exterior, mas não é mais o líder popular que já foi um dia. Um termômetro disso é uma pesquisa recente do Pew Research Center, com dados recolhidos entre janeiro e abril em cinco países da América Latina: ArgentinaChileColômbiaMéxico e Peru. Os resultados mostram que é baixa a confiança latino-americana em Lula fazer o que é certo em termos de política externa. Nem no próprio continente ele consegue atrair a simpatia da maioria.

Os que mais confiam em Lula são os argentinos (das respostas, 40% foram positivas e 49% negativas). Os mais críticos são os chilenos (62% de respostas negativas), seguidos de mexicanos (60%), peruanos (55%) e colombianos (53%). As respostas são coerentes com a inclinação recente à direita na América do Sul, marcada pela ascensão do argentino Javier Milei à Casa Rosada. Em relação ao Brasil, em contraste, a percepção é positiva. Os argentinos têm a visão mais favorável do país (59% de respostas positivas), seguidos de peruanos (58%) e colombianos (55%) A pesquisa também foi feita nos Estados Unidos. Os americanos são mais reticentes com relação ao Brasil que os latino-americanos: 47% têm imagem favorável e 46% desfavorável.

Merval Pereira - A divisão da direita

O Globo

Desunida, a direita pode ter dificuldade de chegar ao poder em 2026, a não ser que Bolsonaro possa disputar a eleição

É possível que São Paulo tenha dois candidatos de direita no segundo turno? As pesquisas eleitorais mostram que essa hipótese existe, embora menos provável do que uma disputa entre o prefeito Ricardo Nunes e o psolista Guilherme Boulos. Em Goiás, também a direita está dividida entre o candidato do governador Ronaldo Caiado, a quem Bolsonaro chamou de covarde recentemente, e o do ex-presidente.

Ao que tudo indica, a direita brasileira dará uma demonstração de força no próximo fim de semana, mas também de divisão, o que pode dificultar a chegada ao poder em 2026. A não ser que Bolsonaro, por um golpe de mágica jurídica que costuma acontecer entre nós, possa disputar a eleição. Nesse caso, a direita e a extrema direita se unirão em torno de seu nome, e esse é um fenômeno que pode fazer com que a direita tradicional seja fagocitada.

Hoje, existem vários candidatos disputando o direito de ter o apoio de Bolsonaro para ser o candidato da direita na próxima eleição presidencial, todos pisando em ovos para não irritar o líder, que, assim como Lula fez com a esquerda em 2018, não pretende abrir mão da sua prerrogativa enquanto não se esvanecer a última esperança de concorrer. Assim como aconteceu naquela ocasião, a direita perderá tempo discutindo quem é o herdeiro de Bolsonaro, com a peculiaridade que todos, com exceção de um, são de centro-direita e se veem induzidos a radicalizar para agradar ao chefe.

Míriam Leitão - Direita perdida e elite inculta

O Globo

A direita virou um satélite de extremistas, a elite não encontrou o rumo da atualidade, isso coloca em risco o projeto de país

A direita dividiu-se nessa eleição com conflitos de fazer sombra à sempre dividida esquerda. Jair Bolsonaro em cima de um palanque berrou duas vezes que Ronaldo Caiado é um governador covarde. O sócio de Pablo Marçal deu um soco no publicitário de Ricardo NunesOs 20% dos eleitores paulistanos que se dizem bolsonaristas entregam 48% de intenção de votos a Marçal e 39% a Nunes, segundo o último Datafolha. A Faria Lima, que administra o dinheiro poupado da classe média e dos ricos, se inclina por um candidato que não tem uma única ideia de como administrar a maior cidade do país. Um empresário dono de startup de educação para gestores diz que mulher não pode ser CEO. O agro tecnológico nada faz para se separar da lavoura arcaica. Vivem juntos.

Murillo de Aragão - A degradação da política

Revista Veja

Eleição em São Paulo evidencia a mediocridade dos candidatos

As eleições municipais da cidade de São Paulo têm se revelado um verdadeiro teatro do absurdo, evidenciando a mediocridade dos candidatos. Algo que deveria causar profunda indignação, considerando que estamos falando da cidade mais importante do Hemisfério Sul.

Os sucessivos debates entre os concorrentes à prefeitura, ao invés de promoverem discussões profundas sobre os problemas estruturais da maior metrópole do país, foram desviados por episódios lamentáveis, como a cadeirada do candidato José Luiz Datena (PSDB) no adversário Pablo Marçal (PRTB) e, mais recentemente, o soco desferido por um assessor de Marçal no marqueteiro do prefeito Ricardo Nunes (MDB).

Esses eventos não são meramente incidentes isolados. São sintomas de uma crise mais profunda na política brasileira. A mediocridade dos candidatos não apenas reflete a degradação do debate público, mas também aponta para um estágio alarmante da política nacional.

Dorrit Harazim - Guerra sem paz

O Globo

As intermináveis rodadas de negociações quadripartites acabam implodidas por novas exigências de Netanyahu

A História registra anos em que a Humanidade é forçada a se fazer perguntas. Em 2001, o mundo que testemunhou o ruir das Torres Gêmeas deixara de ser compreensível, e ficamos atarantados por um bom tempo. Outros anos da História exigem respostas, dão início a uma era de urgência, e 2024 parece elencado a ocupar esse papel. Estamos falando, é claro, da guerra sem paz no Oriente Médio.

Em seu aguardado discurso no plenário da ONU, na sexta-feira, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, tonitruou certezas por mais de meia hora. Orador eloquente, de sua boca não se ouviu uma única vez a palavra “cessar-fogo”. “Palestinos” só frequentaram en passant seu discurso de 3.979 palavras. Tal qual o solitário peixe-dourado que, embora aprisionado num minúsculo aquário, acredita estar nadando no oceano, Netanyahu deu braçadas múltiplas sem sair do lugar. Um lugar fincado na força.

Eliane Cantanhêde - Aos amigos, tudo!

O Estado de S. Paulo

STF bombardeia a Lava Jato até não sobrar um tijolo, prisão, condenação e... multa

Na sexta-feira à noite, no escurinho do cinema, o ministro do STF Dias Toffoli lançou mais uma bomba, em meio à decisão de Alexandre de Moraes sobre a volta do X, eleições na reta final, o debate crescente sobre os riscos das bets e o ataque de Israel à capital do Líbano: a anulação de todos os processos contra Léo Pinheiro, ex-presidente da empreiteira OAS.

Ex-advogado do PT, Toffoli foi nomeado para o Supremo nos primeiros mandatos do presidente Lula, mas votou contra o partido na época da Lava Jato, impediu Lula de sair da prisão para ir ao velório do irmão e agora se açoita anulando condenações e multas da Lava Jato. Uma reviravolta e tanto, ou um pedido de perdão?

Bruno Boghossian - A próxima guerra pelo Senado já começou

Folha de S. Paulo

Esquerda traça sua estratégia para reagir a plano de captura da Casa pelo bolsonarismo

José Dirceu fez uma curva fechada. Em 2018, o ex-ministro afirmou que a esquerda precisava de maioria no Congresso para implementar um "programa radical". Anos mais tarde, lançou um diagnóstico mais realista e disse que Lula havia formado "um governo de centro-direita" ao voltar ao poder. Agora, ele vê necessidade de ir mais longe.

Dirceu diz que a esquerda deve estar preparada para apoiar candidatos de direita ao Senado nas eleições de 2026. Em entrevista a Mônica Bergamo, o ex-ministro petista disse que será preciso seguir esse caminho em alguns estados para "evitar que haja uma maioria de extrema direita" na próxima legislatura. "Estamos preocupados", reconheceu.

Luiz Carlos Azedo - A milionária disputa pela Câmara de São Paulo

Correio Braziliense

Além da acirrada disputa pelo controle da Prefeitura de São Paulo, há uma milionária campanha pelo controle da Câmara Municipal da capital paulista

Além da acirrada disputa pelo controle da Prefeitura de São Paulo, na qual despontam o prefeito Ricardo Nunes (MDB), candidato à reeleição, Guilherme Boulos (PSol) e Pablo Marçal (PRTB), há uma milionária campanha pelo controle da Câmara Municipal da capital paulista. São 55 vagas de vereadores, das quais 52 são pleiteadas pelos atuais mandatários. Independentemente de quem ganhar a eleição, a Câmara de São Paulo deve sair das mãos do atual presidente, Milton Leite (União Brasil), que assumiu seu primeiro mandato como vereador na Câmara de São Paulo, em 1997, durante a gestão de Celso Pitta

Sete prefeitos já passaram pela cidade, Milton Leite nunca fez oposição. Poderoso, no sexto mandato de presidente da Câmara, após mudar o regimento da Casa para permitir três sucessivas reeleições, Leite não se candidatou e decidiu apoiar dois candidatos na sua base: Silvio Antônio de Azevedo, o Silvão, seu chefe de gabinete, e Silvio Pereira dos Santos, o Silvinho, chefe de gabinete da subprefeitura de M'Boi Mirim. O primeiro recebeu R$ 3.565.826,79 de fundo eleitoral; o segundo, R$ 3.571.246,14.

Carlos Ranulfo Melo*- Direita, volver

CartaCapital

Pela primeira vez, desde 1985, desenha-se uma hegemonia conservadora nas capitais

Nos últimos anos, o crescimento dos partidos de direita tem chamado a atenção de quem acompanha a política brasileira. O ponto de inflexão encontra-se, sem margem para dúvida, na eleição de Bolsonaro em 2018 e nas transformações pelas quais passou o sistema partidário nacional, com destaque para a perda de espaço dos partidos situados ao centro e para a crise do PSDB.

O crescimento de uma multifacetada direita, englobando desde partidos que pretendem posicionar-se de maneira mais cêntrica, como o PSD, até aqueles que servem de abrigo a posições extremistas, como o PL, pode ser notado em todas as esferas de poder no País.

É evidente o declínio dos partidos progressistas e ditos de centro

No Congresso, a direita controla mais de 60% das cadeiras nas duas casas legislativas, o que não acontecia desde a eleição de 1982. Em 2018 e 2022, elegeu 12 e 13 governadores, respectivamente, em agudo contraste com o fraco desempenho nas demais eleições deste século, quando oscilou entre dois e cinco eleitos. Por fim, em um cálculo que considera apenas os maiores partidos, que tenham conquistado ao menos cem prefeituras a cada eleição, a direita passou de 39%, em 2016, para 56% dos prefeitos eleitos, em 2020.

Luiz Gonzaga Belluzzo e Nathan Caixeta - Palavras, coisas e poder

CartaCapital

A linguagem das finanças produz e enfeitiça as percepções dos sujeitos guiados pelo desejo

No período recente, especialistas e sabichões aplicaram seus palpites sobre a comunicação do Banco Central e o rumo futuro das taxas de juro. O tom geral exibido pelas colunas de opinião e editoriais é de que o “BC andou falando demais”. Essa “comunicação excessiva”, dizem os entendidos, aumentou a volatilidade sobre juros, câmbio e expectativas de inflação. O ideal para o mercado, dizem as vozes que ecoam nos corredores da Faria Lima, seria que o BC adotasse um comportamento autômato (não autônomo), seguindo as sugestões para a política monetária sinalizadas pelo boletim Focus e pela curva longa de juros.

Na posteridade da decisão do Comitê de Política Monetária do Banco Central esgrimiram-se controvérsias a respeito do acerto ou equívoco, porventura lobrigados nos embornais dos economistas da instituição “Independente”. Lá e cá, contra e a favor, os argumentos se cingiram a digressões sobre o cumprimento das regras do regime de metas e seus prováveis danos ou benefícios causados ao desempenho da economia ao longo dos próximos anos.

Elio Gaspari -A jogatina mostrou seu rosto

O Globo

Em agosto, beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões com apostas pelo Pix

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, definiu a questão: “É como se a gente tivesse aberto as portas do inferno, não tínhamos noção do que isso poderia causar.”

Deveu-se ao Banco Central a revelação de fúria das chamas do inferno. Em agosto, beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões com apostas pelo Pix. Esse ervanário equivale a 20% do custo do programa.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, relacionou as apostas com um aumento da inadimplência. Segundo o Instituto Locomotiva, 86% dos apostadores têm dívidas e 64% estão com o nome sujo.

As portas do inferno seriam até maiores. O senador Omar Aziz estimou que, em 12 meses, os beneficiários do Bolsa Família teriam apostado R$ 10,5 bilhões usando o Pix.

Estima-se que o conjunto dos apostadores perdeu R$ 24 bilhões entre agosto de 2023 e agosto deste ano. No mês de agosto as apostas eletrônicas moveram cerca de R$ 21 bilhões. Neste mesmo mês, a arrecadação de todos os sorteios e loterias da Caixa Econômica ficou em R$ 1,9 bilhão.

Bernardo Mello Franco - A surpresa da jogatina

O Globo

É sintomático que a ficha tenha caído agora, após pressão de bancos e gigantes do varejo

O governo acordou tarde para o desastre causado pela jogatina eletrônica. Nos últimos dias, os ministros da Fazenda, da Saúde e do Desenvolvimento Social se mostraram alarmados com o problema. De Nova York, o presidente Lula prometeu se mexer. “Senão, daqui a pouco a gente vai ter cassinos funcionando dentro da cozinha de cada casa”, justificou.

Na terça-feira, o Banco Central informou que 24 milhões de brasileiros fizeram apostas online de janeiro a agosto. Empresas do setor receberam entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões por mês, mais de dez vezes o que foi arrecadado pelas loterias tradicionais.

Vinicius Torres Freire –É possível acabar com as bets

Folha de S. Paulo

Há como bloquear o pagamento para empresas, explicam instituições financeiras

Há meios de proibir as apostas online, nas bets. Um modo de acabar com essa jogatina seria proibir as instituições financeiras de fazer pagamentos de apostadores para as empresas de jogo: transferências bancárias quaisquer, Pix, boletos, cartão de crédito etc. É o que dizem instituições financeiras, que comentaram de modo reservado a possibilidade técnica de interditar o fluxo de dinheiro de apostas para as bets.

As tentativas de pagamentos de pessoas físicas para tais e quais empresas teriam de ser bloqueadas. Seria preciso listar oficialmente os CNPJs das empresas classificadas sob certo ramo de atividade (pela CNAE, por exemplo). Pode-se listar também um conjunto de empresas estrangeiras que exerçam tal atividade ou ainda proibir o acesso das estrangeiras às redes brasileiras.

Celso Rocha de Barros - Globalização de Lula dá alguns passos à frente

Folha de S. Paulo

Proposta é coerente com o que foi a política externa de seus governos anteriores e vai além

Lula foi à ONU defender sua visão sobre o que a globalização deve ser. É uma proposta inteiramente coerente com o que foi a política externa de seus governos anteriores, mas que dá alguns passos à frente.

A essência do discurso de Lula foi uma defesa do multilateralismo, a negociação de soluções globais para problemas globais em instituições como a ONU ou a Organização Mundial do Comércio, ambas defendidas por Lula em seu discurso. Lula também defendeu um tratado sobre pandemias a ser celebrado no âmbito da Organização Mundial da Saúde e uma "governança intergovernamental da inteligência artificial".

O discurso de Lula começou defendendo o "Pacto para o Futuro", documento aprovado em uma reunião ocorrida poucos dias antes da abertura da Assembleia. Em seu item 7, o documento diz: "hoje nos comprometemos com um novo começo do multilateralismo". A frase mais forte do discurso de Lula foi "expressões como 'desglobalização' se tornaram corriqueiras. Mas é impossível 'desplanetizar' nossa vida em comum".

Hélio Schwartsman - 'Nexus'

Folha de S. Paulo

Novo livro de Yuval Noah Harari analisa os impactos de redes de informação e da inteligência artificial

Vale a pena ler "Nexus", o novo livro do historiador israelense Yuval Noah Harari. A exemplo do que fez em obras anteriores, ele discute coisas relevantes e escreve maravilhosamente bem.

O tema desta vez são as redes de informação e a inteligência artificial. Mestre das generalizações, Harari discorre sobre esses tópicos encaixando-os numa narrativa totalizante. O mundo é o que é em larga medida por causa das diferentes formas como lidamos com informações e as realidades imaginárias que elas geram.

A diferença entre democracias e ditaduras é que as primeiras imprimem transparência ao fluxo de informações, permitindo que elas sejam avaliadas pelos cidadãos e eventualmente corrigidas, enquanto as últimas buscam apenas controlar os dados para controlar a sociedade.

Muniz Sodré - Irrelevância social de uma plataforma digital

Folha de S. Paulo

O bloqueio do X mostrou que esses dispositivos são menos necessários do que se querem vender

O celular é a janela da alma no século 21. Um clichê que poderia passar batido, mas com um fundo de verdade levado a sério por especialistas em saúde infantil. Em meados do século passado, temia-se algo assim sobre a influência da televisão, milhares de páginas e de dólares foram gastos em pesquisas sem nenhuma conclusão. Sobre o dispositivo digital, a convicção é maior: deseducativo, viciante, mas tem pontos frágeis. Elimine-se uma plataforma, nada de relevante acontece.

Isso vem a propósito do bloqueio do Twitter/X pelo STF. Aos adictos à rede soou como medida antidemocrática. Chegou-se a escrever "Elon Musk é liberdade de expressão absoluta". É que confundiram o natural lugar de fala do ato da fonação com discurso livre. A plataforma, o aplicativo são apenas simulações tecnológicas da base de toda comunicação concreta, isto é, do espaço e do tempo como meios de percepção e ação sobre as coisas. Suspendeu-se o produto no mercado de uma big tech que desrespeitou a soberania nacional, não a comunicação em que está assentada a liberdade histórica de expressão.

Poesia | Graziela Melo - Palavras

Palavras
apenas
levemente
sussurradas,

em ouvidos
ávidos
de paixão!

Doce
melodia
desejada

por uma
alma triste
e um
enternecido
coração!!!

Suaves
carícias
proferidas

em sílabas,
verbos
e vogais!!!

Só hoje
é que
escuto
em tua
boca!

Depois...
adeus, e
não te vejo
nunca mais!!!

Música | Paulinho da Viola - Argumento

 

sábado, 28 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Alta na dívida reflete desdém pela crise fiscal

O Globo

Quanto mais tempo governo demorar para enfrentar realidade, mais cara será a conta a pagar

O endividamento público nunca é indolor, apesar do desprezo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem manifestado pela crise fiscal. A conta um dia chega. Dívidas altas resultam em custos mais elevados para pagá-las. Com a incerteza sobre a solvência, o mercado exige que o governo pague juro maior para emprestar ao governo. Em consequência, sobra menos dinheiro para investir em saúde, educação, infraestrutura ou segurança — e o crescimento da economia é menor. Protelar o ajuste só piora a situação. Quanto mais tempo o governo demorar para enfrentar a realidade, maior será a crise adiante, pondo em risco políticas públicas prioritárias.

Quando Lula assumiu, a dívida equivalia a 74,4% do PIB. O Tesouro Nacional estimava que fecharia este ano em 76,6%. Anteontem, porém, o próprio governo reconheceu piora nesse cenário. Agora prevê que ela chegará a 77,8%. Pelas estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), o endividamento brasileiro em 2024 será o quarto maior entre países emergentes. Mantida a toada atual, a dívida crescerá em todos os anos do atual mandato. Para o Tesouro, só parará de crescer em 2027. Nas contas do mercado, segundo as opiniões coletadas pelo Banco Central, apenas em 2032, quando bater em 89,7%. A perspectiva é Lula deixar como herança um aumento de 10 pontos percentuais em quatro anos.

Marco Aurélio Nogueira - Como se reconhece um democrata?

O Estado de S. Paulo

Ele se move pelas sendas complicadas da razão, recusando a manipulação das emoções que políticos e governantes fazem regularmente, sobretudo em períodos eleitorais

Estamos sendo invadidos por falsos democratas. Pessoas brutais, grosseiras e violentas, não há quem rejeite a qualificação, ainda que seja para rebaixá-la, simplificá-la e distorcê-la. “Ser democrata” é hoje uma autoatribuição generalizada.

O indivíduo democrata não se reduz a uma ou outra “virtude”. Defender a liberdade de expressão, por exemplo, tornou-se uma barafunda de significados, que flutuam nos interstícios de redes e organizações. Em nome dela, praticam-se barbaridades inomináveis. Embora a ideia seja preciosa para os direitos que devem prevalecer numa democracia, ela precisa ser bem compreendida, o que somente acontece quando vinculada a outras ideias.

Ninguém nasce democrata. Crianças e adolescentes podem ter um senso mais agudo de justiça e compartilhamento, podem ser generosos com os outros, mas nem por isso são desde logo democráticos. É verdade, porém, que quanto mais bem formadas (na família, na escola, nos grupos de vizinhança), maior será sua predisposição para abraçar a democracia. Como se costuma dizer, abraçar a democracia é uma construção socialmente determinada.

José Casado - Distraídos

Revista Veja

Propostas para as capitais mostram políticos sem rumo na saúde pública

Em Sucupira, o mais importante projeto do prefeito Odorico Paraguaçu era conseguir um morto para inaugurar o cemitério acabado. Em Fortaleza, a principal proposta de saúde pública do candidato a prefeito Eduardo Girão é construir um cemitério caiado para animais domésticos futuramente mortos.

Girão é senador do Partido Novo. Adquiriu o estranho hábito de carregar no bolso do paletó a reprodução em plástico de um feto, que costuma exibir nas horrendas encenações da sua campanha antiaborto no Senado.

Há anos, saúde pública é problema prioritário para sete em cada dez eleitores em todas as regiões. Nesta temporada eleitoral, no entanto, candidatos a prefeito resolveram tratar essa realidade de forma distraída, com platitudes, vulgaridades e muita marquetagem.