sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

José de Souza Martins* - A fé do Brasil dividido

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

O embate político principal já não é entre direita e esquerda. O embate é religioso. É busca do poder como meio de impor à sociedade os valores desses grupos minoritários e conservadores

Não passa semana sem que jornais e revistas divulguem dados e análises que mostram o declínio numérico dos católicos em relação ao conjunto das outras religiões. Ou, mais especificamente, em relação aos evangélicos. Agora mesmo, uma nova análise prevê que em 2035 o catolicismo deixará de ser a religião da maioria da população brasileira. Os evangélicos serão maioria. Essa redução do tema a mera demografia da fé esvazia as religiões do que lhes é próprio e anula seu tema essencial - que são o sagrado e os ritos por meio dos quais se expressa.

Enquanto as análises, nessa perspectiva, descosturam as religiões, o ecumenismo junta o catolicismo e diferentes religiões, protestantes e ortodoxas, numa outra unidade, de uma nova religiosidade. De oposição e de revisão crítica das crenças que sucumbiram à mentalidade de supermercado e ao afã de poder.

Não se diz, mas a maioria evangélica dessa reflexão é apenas nominal, já que dividida em diferentes igrejas, que competem entre si pela alma dos pecadores. E até pela natureza dos pecados que congregam os respectivos membros. Há pecados de ricos e pecados de pobres, difere a fé de uns e outros e, portanto, a respectiva religiosidade.

Não é estranho, pois, que o simbolismo das vestes cerimoniais do celebrante anteponha um bispo neopentecostal revestido de paramentos judaicos a um missionário neopentecostal de outra igreja, que no púlpito não usa o quipá, mas o chapéu de vaqueiro dos filmes de faroeste. A principal questão nessas mudanças na demografia religiosa é a de saber qual é o Deus que delas nasce.

Fernando Gabeira* - Ascensão e queda de Alvim

- O Estado de S.Paulo

Predominância da visão de esquerda na cultura brasileira jamais será superada na truculência

O episódio Roberto Alvim me colheu num lugar distante dos grandes centros, em áreas sem conexão. Alegrou-me a ampla rejeição interna e externa ao seu discurso. Mas, infelizmente, Alvim não me surpreendeu.

Ele já havia apontado em artigos sua política, raiz dessa aberração, sustentando que o governo via a cultura como uma plataforma para a defesa de suas ideias. Basicamente, ele nega a autonomia da arte e a vê ora como sua aliada, ora aliada do PT. Portanto, é reduzida a propaganda partidária. E qualquer força política que tente transformar a arte em departamento de propaganda acaba fazendo dela uma divisão de seu exército. Como tinha escrito isso antes, não me surpreendeu que Alvim, com tantos outros nazistas para escolher, se tenha fixado em Goebbels. Era o ministro da Propaganda.

Ao repetir um discurso nazista, Roberto Alvim subitamente buscou um elo para as peças da engrenagem que estavam soltas. Guerra cultural, bombardeio de arte conservadora. É um todo coerente, A arte tem de ser nacional, diz ele. Num mundo cada vez mais interligado, o que significa isso?

No passado já discutimos bobagens sobre a bossa nova. Diziam que não era genuinamente brasileira, tinha influência do jazz. E o rock brasileiro conheceu a oposição contra a guitarra elétrica. Um dos filmes brasileiros mais analisados no exterior é Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues, sobre o País mudando de cara, diferente da idealização das elites. Temo que um filme como esse fosse combatido pelos que defendem a ideia de que a arte seja nacional, por fugir a seus padrões. Na visão autoritária, o que não é nacional é cosmopolita, alvo de duas forças, o nazismo e o stalinismo.

Essa história de que a arte deve ser heroica é um passo para condenar os dramas do indivíduo, suas hesitações e seus fracassos, e catalogá-los como arte decadente, seja na literatura ou na pintura abstrata. Alvim não disse apenas algo escandaloso. Foi coerente e seguiu os passos lógicos da orientação geral: guerrear na cultura, formular um programa que produza heróis e patriotas. É como se sentiam muitos alemães sob o governo de Hitler.

Eliane Cantanhêde - Moro, de troféu a alvo

- O Estado de S.Paulo

Sem Coaf, PF e Segurança Pública, o que sobraria para o ‘superministro’ Moro?

Ao aceitar um ministério no governo Bolsonaro, o juiz e real mito Sérgio Moro tinha clara noção de todos os riscos, mas encarou como missão e como oportunidade de somar o combate à corrupção (agora em nível nacional) e ao crime organizado. Logo, uma super-Lava Jato. Valia a pena. E agora?

Os dois objetivos de Moro, anti-corrupção e anticrime organizado, significaram, na prática, reunir novamente os ministérios da Justiça e da Segurança Pública. Moro contava com isso e Bolsonaro anunciou que assim seria. Pois é. Já presidente, ele voltou atrás e está seriamente empenhado em separar as duas pastas.

É assim que Moro, mito da Lava Jato, símbolo do combate à corrupção, personagem mais popular do governo – mais do que o próprio presidente –, perde uma atrás da outra. Em bom e claro português, engole sapos.

Com personalidade fechada, contida, é homem de poucas palavras e menos sorrisos ainda e sempre evitou, no primeiro ano de governo, reagir, reclamar ou fazer muxoxos ao ser atropelado pelo chefe e até se ocupa de elogiá-lo pelas redes sociais. Tudo, porém, tem limite. Qual é o limite do paranaense de Maringá Sérgio Fernando Moro? Essa é a pergunta que não quer calar.

Perder o Coaf já foi uma pancada, porque o órgão de inteligência financeira identifica movimentações atípicas, aciona o sinal amarelo e detona investigações – que podem ou não dar em nada. Mas, depois de apresentar ao Brasil um tal de Queiroz, o Coaf virou uma bolinha de pingue-pongue, pulando de lá para cá, e acabou virando UIF e pendurado no Banco Central. Logo, longe da Polícia Federal e de Moro.

Perder o Coaf já não foi fácil, mas o que dizer da possibilidade de perder a PF? Essa seria, ou será, uma consequência direta e imediata da recriação do Ministério da Segurança Pública. Com o Coaf no BC e a PF em outra pasta, o que Moro ficaria, ou ficará, fazendo no abstrato Ministério da Justiça? Articulando politicamente com o Congresso, como foi obrigado a fazer no pacote anticrime? Não é a dele.

Ricardo Noblat - Ou Bolsonaro recua ou Moro pede as contas

- Blog do Noblat | Veja

Recomeça a fritura do ministro

O presidente Jair Bolsonaro espera desde o ano passado a melhor ocasião para livrar-se da companhia do ex-juiz Sérgio Moro. Não o considera terrivelmente leal a ele. Não gosta de ser menos popular do que ele. Desconfia que Moro aproveita os holofotes que o cargo lhe oferece só para pavimentar sua possível candidatura a presidente da República daqui a dois anos.

Então decidiu testar mais uma vez a capacidade de Moro de engolir sapos sem pedir as contas e ir para casa. Irritado com a postura do ministro na entrevista da última segunda-feira no programa “Roda Viva”, da TV Cultura, que não teria o defendido a contento, antecipou a intenção que amadurecia: fatiar o ministério de Moro, separando a Justiça da Segurança Pública.

Foi uma trama bem urdida. Bolsonaro valeu-se do secretário de Segurança Pública de Brasília para obter o apoio à sua ideia dos demais secretários que se reuniriam em Brasília na última quarta-feira. A ideia foi aprovada por 11 deles e rejeitada por 9. Bolsonaro concordou em recebê-los em audiência, para a qual não convidou Moro. E ouviu do porta-voz deles o que sabia que ouviria.

A livrar-se de Moro, se afinal vier a ter coragem para tanto, melhor para Bolsonaro que seja já, e não às vésperas das eleições de 2022. Sem a toga à qual renunciou para servir ao candidato que mais se beneficiou dos seus atos à frente da Lava Jato, sem o cargo que lhe confere tanto relevo e protagonismo político, Moro deixaria de ser uma ameaça à pretensão de Bolsonaro de se reeleger.

Haveria outras vantagens para ele. O restaurado Ministério da Segurança Pública seria ocupado pelo ex-deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF), seu amigo de longa data e fiel cumpridor de ordens. E a Polícia Federal sairia da órbita do Ministério da Justiça onde se encontra hoje. Bolsonaro quer porque quer mandar indiretamente na Polícia Federal, e Fraga está de acordo.

A Polícia Federal acompanha de perto as atividades do clã dos Bolsonaro. No ano passado, Bolsonaro quis trocar o seu Diretor-Geral e a cúpula da organização ameaçou rebelar-se. Bolsonaro recuou, mas não se conformou com isso. Vassalo de Bolsonaro, o secretário de Segurança Pública de Brasília, que é também delegado federal, está às ordens para assumir um novo posto.

Moro foi quem começou a emitir sinais de que não está disposto a ficar como um ministro meramente decorativo. Conversou a respeito com amigos e assessores. E espera que Bolsonaro não lhe tire o que lhe deu. Do contrário, só lhe restaria pedir demissão. Uma vez que o faça, estaria à vontade para filiar-se ao partido que lhe seja conveniente e que possa amparar seus projetos futuros.

Ter Moro ao seu lado é o sonho de consumo do governador João Doria (PSDB-SP) que não esconde isso de ninguém. Doria acha que Moro poderia sucedê-lo no governo paulista. Imagina que se Moro for candidato, ele não será eleito, será ungido com uma gigantesca votação, como já disse mais de uma vez. E que assim aumentará também suas chances de suceder a Bolsonaro.

Abre-se a porta para uma reforma ministerial

Dora Kramer - Um tiro na obra

- Revista Veja

Jair Bolsonaro foi obrigado a demitir o então chefe da área cultural que de início havia decidido proteger

Se o presidente da República não percebeu, convém que bons amigos o ajudem a compreender o sentido da inédita reação de repúdio ao vídeo de inspiração nazista de Roberto Alvim. Jair Bolsonaro foi obrigado a demitir o então chefe da área cultural que de início havia decidido proteger.

Atuou premido pela urgência da redução de danos e conseguiu de fato reduzi-los, mas não eliminou os prejuízos espetados na conta da sua administração. O protesto foi contra um modo de governar que, sendo decorrente da alma do chefe, dificilmente vai se alterar.

A natureza e a dimensão das manifestações foram desproporcionais à importância do cargo e à figura do defenestrado. Um mero secretário, e, sobretudo, amalucado, não provocaria nem justificaria a magnitude dos protestos, cujo alvo verdadeiro era, e é, o governo no geral, o presidente em particular.

Bolsonaro teve (e conceitualmente tem, conviria estar antenado para tal) contra si os presidentes do Senado, da Câmara e do Supremo Tribunal Federal, o chefe da Procuradoria-Geral da República, entidades civis representativas, associações religiosas, representações diplomáticas, a unanimidade dos auxiliares convidados a opinar, além, no episódio, da maioria dos seguidores nas tão valorizadas redes sociais.

É evidente que a passagem do tempo e a esperta indicação de Regina Duarte para a pasta da Cultura tendem a amenizar os efeitos. Mas o tiro de canhão no conjunto da obra foi dado não tanto na forma das manifestações sociais, mas principalmente no conteúdo do veemente recado dado pela institucionalidade de alta patente. Isso nunca tinha sido visto, principalmente em primeiro ano de governo.

Bruno Boghossian – O dono do passe

- Folha de S. Paulo

Presidente tenta atordoar personagem que enxerga como ameaça, mas pode irritar sua base

Jair Bolsonaro e Sergio Moro nunca estiveram tão próximos de um curto-circuito político. Apesar das eventuais homenagens de um e das recorrentes mesuras de outro, presidente e ministro parecem cada vez mais dispostos a mergulhar numa disputa de poder inevitável.

Ainda que tenha sido divulgada apenas como uma ideia em estudo, a redução dos atributos de Moro com a possível recriação do Ministério da Segurança mostra que Bolsonaro está disposto a enfrentar o integrante mais popular de seu governo.

O presidente faz questão de turbinar a propaganda oficial que ostenta as estatísticas de redução de crimes violentos, mas indicou claramente que poderia tirar esse brinquedo das mãos do subordinado.

Empacado na pauta anticorrupção (sabotada pelo presidente, aliás), Moro abraçou a bandeira da segurança. Bolsonaro poderia ter dito apenas que as coisas vão bem. Preferiu participar ativamente das discussões e dar combustível ao plano encampado por secretários estaduais.

Embora o ministro seja considerado intocável por parte considerável da base bolsonarista, o presidente não demonstrou nenhum receio em contrariá-lo. “Lógico que o Moro deve ser contra”, antecipou-se.

Hélio Schwartsman - Denúncia suspeita

- Folha de S. Paulo

É importante mostrar que mesmo no Direito ainda existe o certo e o errado

A denúncia oferecida pelo procurador Wellington Oliveira contra o jornalista Glenn Greenwald no caso do hackeamento de autoridades é escandalosamente frágil. Ela é fraca não apenas no plano jurídico mas principalmente no lógico (não dá para participar de um crime depois que ele já foi consumado). A crer nas avaliações de especialistas, é pouco provável que a iniciativa prospere.

Dado o papel central de Greenwald na divulgação das mensagens que abalaram o prestígio da Lava Jato, acho difícil escapar da suspeita de que o corporativismo motivou a denúncia. Se fosse de fato esse o caso, estaríamos diante de um lastimável desvio de função, em que um procurador se vale do poder do qual foi investido para fazer avançar duvidosos interesses de classe em vez dos da sociedade. Pior, fá-lo buscando enfraquecer uma instituição, a liberdade de imprensa, que é importante para a democracia.

O mundo, porém, é um lugar complexo, que esconde efeitos paradoxais. O filósofo John Stuart Mill defendia a tese de que as más ideias precisam circular livremente para que sejam confrontadas com as boas e estas possam triunfar no debate público. Algo semelhante vale para o Direito.

Reinaldo Azevedo – Moro à espera do manto imperial

- Folha de S. Paulo

Real ameaça à democracia é o bonapartismo da aliança entre setores do Ministério Público e do Judiciário

Que ameaça à democracia representa um clown deprimido que, num surto de mania, resolve envergar as vestes de Goebbels da periferia? Ou um paspalho que confunde Kafka com kafta, infernizando a vida de milhares de estudantes com sua incompetência acima de qualquer suspeita? Ou um outro, terraplanista fanático, que acredita que o rock conduz ao “abortismo” e ao satanismo?

Essas e outras personagens, que inventaram para si mesmas, na última hora, o papel de extremistas de direita em busca de alguma relevância em suas respectivas existências miseráveis, degradam a vida pública, sim. Mas a sociedade sabe se defender de seus delírios, como, felizmente, temos visto. O espectro que ronda a democracia é outro.

A que propósito atende Wellington Divino Marques de Oliveira, procurador da República, que, ao denunciar o jornalista Glenn Greenwald, afronta, com um único ato, a Constituição, o devido processo legal e uma decisão do Supremo, num exemplo escancarado de abuso de autoridade?

Que metafísica influente leva o ministro Luiz Fux a assinar talvez a liminar mais patética da história do Supremo, cassando decisão de um outro colega, suspendendo sem prazo a eficácia do juiz das garantias, previsto em texto amplamente aprovado pelo Congresso?
É falso como nota de R$ 3, e isso ficará claro —vamos ver quando—, que a lei agride o artigo 96 da Constituição. É falaciosa a tese de que se está criando despesa sem a devida receita. Quem traz tal mácula na biografia é Fux, quando, com uma canetada, estendeu, em 2014, o auxílio-moradia a todos os juízes e membros do Ministério Público.

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro cria mafuá na direita

- Folha de S. Paulo

Presidente inventa crises do nada, um problema em ano parlamentar curto

O ano político nem começou, mas Jair Bolsonaro tomou a iniciativa de abrir a porteira para uma crise que até então pastava nas internas do governo. A ideia de recriar o Ministério da Segurança Pública animou o mafuá na direita, soltou a manada que quer atropelar Sergio Moro e explicitou a disputa pela polícia e pela espionagem federais.

Pode dar em nada ou apenas em uma avacalhada em Moro a fim de mostrar "quem é que manda". Seja como for, o sururu interno mostra como o governo cria tumultos quase de graça, que podem ser daninhos em um ano parlamentar curto, de eleição.

A filhocracia quer a Polícia Federal sob controle direto do Planalto e incrementar a espionagem. Carlos Bolsonaro, o 02, quer colocar o diretor da Abin, Alexandre Ramagem, seu próximo, na direção da PF. Difícil que tenha sucesso, mas trata-se de parte de seu projeto de influenciar a comunicação, a polícia e a inteligência do governo.

Parece ridículo esse negócio de espionagem, de Abin ou o que mais inventarem, mas é um assunto real no Planalto. Já incomodou militares no início do governo e começa a incomodar de novo, se por mais não fosse porque o filho 02, Carlos, tem a capacidade de derrubar generais.

Outros amigos de Bolsonaro pai e gente da cozinha do Planalto querem levar Anderson Torres, secretário de Segurança do Distrito Federal, para o comando da PF. Torres quer o novo ministério.

Ruy Castro* - Autor do autor

- Folha de S. Paulo

Como era o poeta Jorge Jobim, um desconhecido até para seu filho Tom?

Tom Jobim, morto em 1994, aos 67 anos, faria 93 amanhã e parece tão vivo quanto no tempo em que o Rio o tinha ao alcance de abraços, nas ruas do Leblon, da Gávea e do Jardim Botânico —nunca um gênio foi tão disponível. Sua música continua onipresente, e seu prestígio como autor, intocado. Por acaso, caiu-me às mãos há dias um livro do homem que, para todos os efeitos, poderia dizer-se autor —ou coautor— do autor: seu pai, o poeta gaúcho Jorge Jobim.

Pelas fotos, era um belo homem, vistoso, bem vestido. Tom mal o conheceu. Tinha oito anos quando ele morreu, em 1935, e menos ainda de convívio, se se descontarem os dois anos em que Jorge Jobim, aflito, desorientado, largou a família e foi viver sozinho em Petrópolis, e o ano em que passou internado no setor psiquiátrico da Casa de Saúde Dr. Eiras, em Botafogo, onde morreu, de infarto, aos 46 anos.

E como poeta? O livro que achei num sebo, “Poesias”, não nos diz muito. Jorge Jobim era um parnasiano, discípulo de Alberto de Oliveira, um dos mestres do gênero. O problema era o gênero, definido pelo crítico Agrippino Grieco como “de um brilho ilusório, de móvel envernizado”, de poemas tipo “vidros de farmácia, cheios de água colorida” e seus poetas, “comparáveis a leões de mármore, suntuosos e inofensivos”.

Lu Aiko Otta - O desafio de reformar em ano de eleições

- Valor Econômico

Áreas de saúde e educação concentraram o crescimento do número de servidores nas últimas três décadas

Mais da metade dos 12,4 milhões de funcionários públicos brasileiros trabalha em prefeituras, aponta estudo inédito elaborado para a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público. Num ano de eleições municipais, esse pode ser um fator de complicação política para o governo avançar com as reformas econômicas no Congresso.

Muitos parlamentares, principalmente deputados, são candidatos a prefeito. Por mais que compreendam a importância das reformas econômicas e até concordem, deverão pensar duas vezes antes de apoiar medidas duras contra professores, médicos e enfermeiros que atuam em suas bases eleitorais. Foi nas áreas de saúde e educação que se concentrou o crescimento do número de servidores nas últimas três décadas, de acordo com o estudo.

“O ano eleitoral é, sim, uma pressão sobre o governo federal, e nós vamos usá-la”, afirmou o deputado Professor Israel Batista (PV-DF), presidente da frente. O posicionamento dos parlamentares em relação às reformas será explorado nas campanhas, informou.

Intitulado “O Lugar do Funcionalismo Estadual e Municipal no Setor Público Nacional (1986-2017)”, o estudo mostra que o número de servidores nas prefeituras aumentou de 1,7 milhão para 6,5 milhões no período analisado. Nos Estados, a elevação foi de 2,4 milhões para 3,7 milhões. E na esfera federal a expansão foi de 1 milhão para 1,2 milhão.

Apesar da expansão, sustenta o estudo, o emprego público não cresce de forma descontrolada. Num período de análise mais curto, de 1992 a 2017, os empregados do setor público passaram de 9% da população economicamente ativa para 11%, “desautorizando interpretações que insistem em falar em movimento explosivo do emprego público no Brasil”.

Humberto Saccomandi - Impeachment nos EUA será processo ou farsa?

- Valor Econômico

O presidente Donald Trump pode até acabar absolvido, mas o Senado precisa cumprir sua missão de investigá-lo com seriedade. Se não fizer isso, a democracia nos EUA estará ameaçada

Nesta semana o Senado dos EUA abriu formalmente o processo de impeachment do presidente Donald Trump, que já foi aprovado pela Câmara. Há duas perguntas importantes no caso. O Senado vai investigar ou o processo será uma farsa? E a quem a provável absolvição de Trump vai favorecer? Disso pode depende o futuro da democracia americana.

A acusação ao presidente formulada pela Câmara é grave. Trump teria abusado do cargo para benefício próprio ao reter ilegalmente uma ajuda à Ucrânia aprovada pelo Congresso. O objetivo seria forçar o governo ucraniano a investigar Joe Biden, ex-vice-presidente dos EUA e favorito para ser o adversário de Trump nas eleições presidenciais de novembro. Além disso, Trump teria agido para atrapalhar as investigações, o que constituiria obstrução de Justiça.

Pelo histórico de Trump, é bem provável que isso tenha mesmo acontecido. Mas falta ao processo uma prova contundente, aquele elemento que cataliza a opinião pública. Richard Nixon teve contra si as gravações de suas conversas na Casa Branca. Bill Clinton teve o vestido sujo de sêmen apresentado pela estagiária Monica Lewinsky.

O Senado pode talvez produzir provas novas se decidir investigar as acusações. Após a aprovação do impeachment na Câmara surgiram duas possíveis novas testemunhas relevantes. Uma é Lev Parnas, ex-colaborador de Rudy Giuliani, advogado pessoal de Trump. Ambos atuaram na pressão ao governo da Ucrânia. Em entrevistas recentes, Parnas, que está detido, disse que Trump “sabia exatamente o que estava acontecendo”, isto é, a operação para pressionar a Ucrânia.

Luiz Carlos Azedo - Ministério da ordem

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Embora tecnicamente justificável, o desmembramento do Ministério da Justiça é interpretado como uma medida para enfraquecer o ministro Sergio Moro, que carrega a bandeira da ética”

O presidente Jair Bolsonaro confirmou, ontem, que estuda a recriação do Ministério da Segurança Pública, desmembrando o Ministério da Justiça, mas garantiu que o ministro Sergio Moro permanecerá na pasta. O ex-deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF), amigo de Bolsonaro, é o mais cotado para ocupar o novo ministério, cuja recriação é defendida por secretários de segurança estaduais e pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O Ministério da Segurança Pública foi criado no governo do presidente Michel Temer, para o qual foi deslocado o então ministro da Defesa, Raul Jungmann. É considerada uma experiência bem-sucedida.

Embora tecnicamente justificável, nos meios políticos e jurídicos, a decisão de Bolsonaro é interpretada como uma medida para enfraquecer o ministro da Justiça, Sergio Moro, que hoje carrega a bandeira da ética numa das mãos e a da ordem, na outra. Na quarta-feira, Bolsonaro se reuniu com secretários estaduais de segurança pública, que reforçaram o pedido, o que o levou a revelar que realmente a mudança está em estudos. Segundo Bolsonaro, Moro tem participado do processo. Como era de se esperar, o ministro da Justiça discorda do esvaziamento de sua pasta.

Caso seja efetivado o desmembramento, o Ministério da Justiça perderá o controle sobre os seguintes órgãos: Departamento de Polícia Federal (DPF); Departamento de Polícia Rodoviária Federal (DPRF); Departamento Penitenciário Nacional (Depen); Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp); Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP); e Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). Ou seja, Moro não teria mais poder de mando sobre o sistema de segurança pública.

As especulações políticas sobre a medida levaram o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, a fazer, ontem, um comentário pelo Twitter que Bolsonaro replicou nas redes sociais. Explicou que a proposta de recriar o Ministério da Segurança Pública não é do presidente Jair Bolsonaro e, sim, da maioria dos secretários de segurança estaduais, que estiveram em Brasília. Depois, deu ordem unida para a equipe do governo: “Em nenhum momento, o Presidente disse apoiar tal iniciativa. Apenas, educadamente, disse que enviaria a seus ministros, para estudo, entre eles o Ministro Sergio Moro. O que alguns não entendem é que o Presidente é o CAPITÃO DO TIME, ele escalou seus 22 ministros. As decisões são tomadas, ouvindo os ministros, mas cabe a ele, como Comandante, dar a palavra final, mesmo que isso contrarie alguns dos seus assessores ou eleitores”.

Merval Pereira - Fritura de alta pressão

- O Globo

O Congresso e o presidente vêm se encarregando de esvaziar a ação do ministro Moro. Foi o Congresso que tirou o Coaf dele

O ministro Sérgio Moro não acredita que o presidente Bolsonaro vá dividir o ministério da Justiça e da Segurança Pública. Por isso, considera inútil especular sobre o que acontecerá caso a ideia prospere. Se o presidente Bolsonaro quisesse mesmo reforçar a segurança pública, convidaria o próprio Sérgio Moro para o novo ministério, e nomearia outro ministro da Justiça.

A criação do ministério da Segurança Pública, como existia no governo Michel Temer, só tem sentido se abaixo dele ficar a Polícia Federal, que sairia então da Justiça. Nesse caso, se Moro aceitasse continuar no governo, ele ficaria sem os dois instrumentos básicos que imaginou quando propôs a Bolsonaro unir Justiça e Segurança Pública.

A Coaf já foi para o Banco Central, e a Polícia Federal iria para a nova pasta. Moro ficaria com os aspectos mais burocráticos do ministério da Justiça, e com a Funai. Não há razão para retirar do ministério da Justiça todos os encargos que ele ganhou quando se transformou, por decisão do próprio recém-eleito presidente, em superministério que combateria a corrupção e o crime organizado da mesma forma que teria como objetivo melhorar a segurança publica. Ainda mais com os resultados positivos obtidos, provocando a queda dos índices de criminalidade em todo o país.

O Congresso e o presidente Bolsonaro vêm se encarregando de esvaziar a ação do ministro Moro. Foi o Congresso que tirou o Coaf dele assim como o juiz de garantias foi criado pelo Congresso, e sancionado pelo presidente Bolsonaro, mesmo com o parecer contrário de Moro.

Bolsonaro, ao mesmo tempo em que anuncia estar estudando reduzir o tamanho do ministério de Moro, deixa vazar informação de que já decidiu trocar o delegado Mauricio Valeixo, chefe da Polícia Federal indicado pelo ministro da Justiça. Já tentou ano passado, mas naquela ocasião Moro conseguiu dissuadi-lo.

Bernardo Mello Franco - Moro volta à frigideira

- O Globo

Para evitar concorrência em 2022, Bolsonaro voltou a torpedear Moro. Além da disputa política, trava-se um duelo pelo comando da Polícia Federal

Durou pouco a alegria de Sergio Moro com a derrubada do juiz de garantias. Na quarta-feira, o ministro da Justiça comemorou a liminar que anulou sua maior derrota no governo. Na manhã seguinte, acordou com a notícia de que Jair Bolsonaro voltou a se movimentar para esvaziá-lo.

Em menos de 24 horas, o ministro mais popular do governo foi da festa à frigideira. Ao admitir a recriação do Ministério da Segurança Pública, Bolsonaro ameaçou reduzir os poderes de Moro na Esplanada. Numa só tacada, o ex-juiz perderia o controle da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e do Departamento Penitenciário Nacional.

A mudança tomaria de Moro o figurino de xerife. O ministro vem capitalizando a queda no número de homicídios, embora o fenômeno tenha começado no governo Michel Temer. Se a segurança migrar para outra pasta, ele não poderá mais colher louros pela redução da violência.

Nelson Motta - Drama, comédia e farsa

- O Globo

Regina deveria demitir toda a assessoria de olavistas de Alvim

A ascensão e queda de Roberto Alvim foi uma farsa megalômana que virou um drama real, depois uma comédia de erros, e terminou como tragédia chinfrim. Com muitos anos de vivência no teatro como autor e diretor, Alvim encenou meticulosamente o seu monólogo triunfal, com o cenário, o figurino, o corte de cabelo, a atitude de um cruzado guerreiro e música de Wagner para dar grandiosidade. Só não imaginou que o protagonista se mostrasse um canastrão, falando como um ungido de Deus e pregando uma espécie de nacionalismo nazicristão.

Esse tal de Roberto Alvim, como o chamava Bolsonaro, pode ser meio louco, mas não é burro. Se não fosse ignorante, conheceria e nunca repetiria a citação de Goebbels no discurso fatídico, seria uma provocação inútil e perigosa. Algum assessor malvado, ou conspirando para derrubá-lo, sugeriu a citação e Alvim adorou, expressava suas ideias sobre a nova arte brasileira, cristã, heroica e de direita.

Mas quem plantou a citação fatal? Não deve ser difícil descobrir, entre os próprios assessores que participaram do discurso. A serviço de quem ?

A primeira coisa que Regina Duarte deve fazer é demitir toda a assessoria de olavistas de Roberto Alvim e cercar-se de pessoas decentes da área de cultura, com experiência em gestão e convicções democráticas. O Estado não deve fazer cultura, só estimular, sem dirigismo e com diversidade.

Rogério Furquim Werneck - Se o Planalto não atrapalhar

- O Globo | O Estado de S. Paulo

Precariedade da articulação do governo com o Congresso limita sua capacidade de assegurar a aprovação das medidas fiscais

As perspectivas da economia brasileira parecem, hoje, bem mais auspiciosas do que em janeiro do ano passado. Inflação sob estrito controle permitiu que o Banco Central, afinal, conduzisse a economia brasileira à fabulosa terra incognita das taxas reais de juros efetivamente baixas. A recuperação mais rápida do nível de atividade parece estar a caminho. Nada espetacular, mas o suficiente para que a taxa de crescimento do PIB em 2020 seja o dobro da observada em 2019.

A consolidação fiscal tornou-se mais crível, na esteira da aprovação da reforma da Previdência e das propostas de medidas complementares requeridas para manter o teto de gastos em vigor. A combinação de taxas de juros baixas, crescimento mais rápido e redução do déficit primário vem tornando a dinâmica do endividamento público bem menos adversa do que parecia.

Mas a melhora do quadro fiscal tem de ser entendida com percepção clara das qualificações pertinentes. Não deve dar lugar a ilusões infundadas. O jogo ainda está longe de estar ganho. Boa parte do esforço de ajuste fiscal que se faz necessário ainda está por ser feito.

Não foi uma decisão sábia dispersar, em três Propostas de Emendas à Constituição (PECs), as medidas complementares de ajuste fiscal contempladas pela equipe econômica. A tramitação de três PECs simultâneas, em ano de eleições municipais, já parece bem mais do que o precário esquema de articulação do governo com o Congresso dará conta de entregar. Mas há ainda muito mais em jogo no Congresso, na batalha pela preservação do teto de gastos.

Míriam Leitão - As liberdades andam juntas

- O Globo

Para Ilan Goldfajn, só as reformas não bastam para atrair o capital externo. É preciso recuperar a agenda ambiental e fortalecer a democracia

O ex-presidente do Banco Central Ilan Goldfajn definiu como “ultrajante” o episódio da repetição das palavras de Goebbels pelo ex-secretário de Cultura Roberto Alvim. Mas constata “que a sociedade colocou um limite e isso é importante reconhecer”. Ilan diz que agora os investidores querem ativos que tenham três qualidades: boa governança, responsabilidade social e sustentabilidade ambiental. Ele não acredita que a economia esteja desligada do resto. “A democracia e a economia andam juntas. Liberdades individuais e liberdades econômicas andam juntas”.

Ilan, que hoje preside o conselho de administração do Credit Suisse, assumiu a presidência do Banco Central com a inflação perto de 10% e os juros em 14,25%. Ao sair, a inflação estava abaixo da meta, e os juros em 6,5%. As taxas continuaram caindo para 4,5%. Isso, segundo ele, está provocando uma revolução:

— Eu acho que esse novo patamar veio para ficar, mas isso não quer dizer que não possa cair um pouco mais ou subir se a economia estiver voltando a crescer. O Brasil vai deixar de ser uma exceção no mundo pelos juros altos que tinha. Isso é uma revolução para quem está no mundo das finanças. Quem tem mais dinheiro se pergunta: “Como eu faço para ter mais rentabilidade?” Todo mundo estava com investimento parado no overnight e ganhava. Agora tem gente que vem falar comigo: você mexeu nos juros e deu problema pra gente, eu quero me aposentar e onde vou botar o meu dinheiro?

Para historiador, comparação de Bolsonaro a nazifascismo é indevida

Historiador diz que forças progressistas têm dificuldade de entender fenômeno bolsonarista

Por Fernando Taquari | Valor Econômico (23/1/2020)

SÃO PAULO - O autoritarismo representa a melhor definição para o governo Bolsonaro e as comparações com o fascismo e o nazismo, do ponto de vista teórico, correspondem, por ora, a um exagero. Essa é a opinião do historiador Antonio Pedro Tota, da PUC-SP. As associações entre o bolsonarismo e o nazismo voltaram à tona após a demissão de Roberto Alvim da Secretaria de Cultura, na esteira de um vídeo com declarações reproduzidas de um discurso de Joseph Paul Goebbels, ministro da Propaganda nazista.

Em sua avaliação, o termo fascista tem sido utilizado sem a devida compreensão. A gestão de Bolsonaro, segundo o professor, deve ser classificada como reacionária e de extrema direita. Autor de diversos livros, como “O Imperialismo Sedutor” e “O Amigo Americano”, Tota diz que falta ao presidente uma estrutura partidária organizada para simbolizar uma ameaça a ponto de ser comparado ao nazismo. Ele aponta que os evangélicos, em sua maioria apoiadores do governo, podem oferecer essa estrutura partidária ao bolsonarismo, mas refuta comparações entre a atuação das igrejas e o Partido Nacional Socialista Alemão.

Tota lembra que a SA - uma milícia militar nazista - tinham uma atuação social que oferecia aos desamparados uma sensação de pertencimento, mas o paralelo termina aí: “Não quero comparar evangélicos aos nazistas. Há grandes diferenças”, afirma. Ele pontua que “os evangélicos querem aumentar cada vez mais sua bancada e a influência no Congresso”. “Não sei se conseguem fazer um partido, mas podem aderir ao Aliança pelo Brasil, em construção pelos aliados do presidente”, acrescenta.

Apesar das distinções, Tota enxerga pontos em comum entre o bolsonarismo e os regimes de Adolf Hitler e Benito Mussolini. Para ele, Bolsonaro atua politicamente mais com a emoção e contra a razão, que é a marca do fascismo e, sobretudo do nazismo. O professor pondera, porém, que o presidente pode inaugurar, envolto em um viés autoritário, um novo tipo de governismo, acuando cada vez mais outros Poderes.

Em meio às aulas, o professor tem se dedicado a escrever mais um livro: “1945, o Ano sem fim”. A ideia, afirma Tota, que se especializou em história contemporânea, com ênfase no processo de americanização da América Latina, é mostrar que continuamos hoje presos ao que aconteceu naquele ano, quando o então presidente Getúlio Vargas foi deposto pelos militares e encerrou o chamado Estado Novo, que identifica como um período autoritário.

Em sua pesquisa, o historiador de 77 anos encontrou um documento no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), no Rio, com uma carta do educador e intelectual Anísio Teixeira, de abril de 1945, em que ele diz que as forças progressistas do país, com o fim do Estado Novo, perderam a oportunidade de se unir e que cada vez que se chegou perto desta união houve um boicote. Ele faz um paralelo com a situação atual.

Veja a seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: A demissão de Alvim da Secretaria de Cultura determina um limite do que é inaceitável?

Antonio Pedro Tota: No fim, pesou a pressão da comunidade judaica. A atriz Regina Duarte, que deve substituir Alvim, não apoia essa política. A maior parte das pessoas que votaram em Bolsonaro não faz a menor ideia de quem seja Goebbels e desconhece o que era o nazismo. Eles falam em comunismo, embora não tenham também ideia do que é, por conta da retórica de Bolsonaro. Ser anticomunista hoje é moleza. Você está chutando cachorro morto.

Valor: Como o senhor viu a reprodução de um discurso nazista?

Tota: Alvim não reproduziu o discurso de qualquer nazista. Ele escolheu Goebbels, o grande ideólogo da perspectiva de como organizar um partido pela propaganda. No filme “Triunfo da Vontade”, de Leni Riefenstahl, que retrata o 6º Congresso do Partido Nazista, há uma passagem do discurso de Goebbels em que ele fala que era muito melhor você conquistar o coração de um povo pelas palavras do que usar uma arma. Naquele momento, eles estavam no poder há um ano e oito meses e já tinham conquistado o coração do povo alemão. Ainda falta muito para nos aproximarmos do nazismo, o que não deixa de ser perigoso. Mas não sei se o governo Bolsonaro está conquistando o coração dos brasileiros. Conquistou o de uma parcela.

Valor: O vídeo de Alvim e outros gestos do governo Bolsonaro legitimam a tese daqueles que falam em uma gestão fascista ou nazista?

Tota: Usa-se hoje com muita facilidade a palavra fascismo. É evidente que o Alvim tem essa tendência autoritária, ele pode ser rotulado de fascista, mas, até onde sei, não tem a teoria fascista escorando-o. A questão importante aqui é que Goebbels tinha um grande partido por trás do nazismo. O bolsonarismo não tem. Isso, talvez, seja um perigo, já que esse autoritarismo pode se disseminar sem uma organização. A organização do Partido Nazista era impecável e deu uma identidade para aquele montante de desempregados existente na Alemanha entre 1929 e 1933. Muitos se filiaram porque a SA dava sopa, uniforme, dinheiro, cigarro e, principalmente, a camaradagem e a sensação de pertencimento. As igrejas evangélicas, no caso brasileiro, cumprem esse papel. As pessoas conseguem até deixar as drogas quando são acolhidas. Não quero comparar evangélicos aos nazistas. Há grandes diferenças.

Valor: O senhor quer dizer que os evangélicos podem ajudar o bolsonarismo a criar um grande partido?

Tota: Eles podem oferecer ao bolsonarismo uma identidade partidária. Repare que eles querem aumentar cada vez mais sua bancada e a influência no Congresso. Não sei se conseguem fazer um partido próprio, mas podem aderir ao Aliança pelo Brasil, em construção pelos aliados do presidente da República.

Chamado de ‘próximo presidente’ em Davos, Huck diz que não tem resposta

Apresentador contou à plateia em almoço reservado no Fórum Econômico as atividades do Renova BR e o desafio de levar "gente com ética" para a política

Por Daniel Rittner, Valor Econômico

DAVOS (Suíça) - O apresentador de TV Luciano Huck foi chamado de "próximo presidente" do Brasil por participantes de um almoço reservado no Fórum Econômico Mundial, em Davos, onde o tema em discussão eram as manifestações e o clima de agitação popular na América Latina.

Huck atribuiu os protestos à desigualdade e contou à plateia, numa sala lotada por 40 executivos, a história de um entrevistado em seu programa que morava no Morro da 40, em São Gonçalo (RJ), cujos pais se envolveram em atividades criminosas e morreram por causa da violência. O apresentador relatou à plateia que ele terminou a entrevista dizendo querer encontrar os familiares dele "mais em formaturas do que em enterros".

A plateia reagiu com sinais de aprovação e a diretora da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), a mexicana Alicia Bárcena, voltou ao assunto minutos depois. "Gostaria de concordar com o João...", falou, sendo cortada em seguida por um Huck sorridente "Luciano".

Huck descreveu as atividades do Renova BR e ressaltou o desafio de levar "gente com ética" para a política. Contou que o movimento dá bolsas de estudos a potenciais lideranças e conseguiu eleger 23 parlamentares para o Congresso Nacional. "Se são de direita ou de esquerda, não importa. Queremos gente com ética."

Foi então que, com perguntas abertas à plateia, um jovem empresário brasileiro o chamou de "próximo presidente" e lhe questionou o que pode motivar pessoas bem sucedidas no mercado, que estão "ganhando milhões de dólares", a deixar de lado suas carreiras e arriscar uma entrada na política para mudar as coisas.

Huck ensaiou uma breve resposta, mas emendou com franqueza no final, pedindo desculpas pela falta de clareza: "Eu não tenho a resposta nem para mim mesmo". Ao sair do almoço, ainda foi parado por Alicia Bárcena, da Cepal, para uma selfie: "Agora vou te seguir (nas redes sociais). Espero que você seja o próximo presidente".

Huck é lançado candidato em Davos, e não refuta

Vera Magalhães – O Estado de S. Paulo

Questionado no Fórum Econômico Mundial de Davos a respeito de uma futura candidatura à Presidência da República, Luciano Huck enrolou, falou de Amazônia, que não tinha nada a ver com a pergunta, mas acabou concluindo, para risos da plateia que acompanha a palestra: “Sua pergunta é muito difícil. Não tenho a resposta nem para mim mesmo”.

Mas o fato é que ele não só não refutou a ideia como, na resposta, deu justificativas de por que pode acabar trilhando este caminho. O “lançamento” de sua candidatura foi feito por Raiam Pinto dos Santos, que estava na audiência do almoço-painel, se apresentou como empreendedor e quis saber que garantias Huck daria de que seu projeto é para valer.

Para o apresentador, há “muitas maneiras” de se engajar nas mudanças que o País precisa. “Entrar para a política é uma delas”, afirmou. Mas também listou outras iniciativas que poderiam ser tomadas, como fomentar, inclusive por meio de financiamento, a qualificação de novos talentos da política –algo que já faz, por meio da parceria com os movimentos de renovação, que, por sua vez, são vistos como a plataforma inicial, anterior inclusive aos partidos, para seu lançamento na política.

“Todas as decisões que tomamos na vida são políticas”, afirmou o apresentador, que está circulando em Davos com uma inédita barba branca. Seria uma forma de testar uma aparência mais “presidenciável”?

Chamado de próximo presidente, Huck diz que Brasil precisa ser mais bem representado

Declaração ocorreu em reunião do Fórum Econômico Mundial em Davos, nesta quinta-feira (23)

Luciana Coelho, Alexa Salomão | Folha de S. Paulo

DAVOS - O apresentador Luciano Huck atraiu a maior parte das atenções nesta quinta-feira (23) durante o painel que participou sobre os protestos de rua na América Latina na reunião do Fórum Econômico Mundial em Davos, mas evitou polêmicas.

Discorrendo sobre desigualdade, educação e ambiente, foi chamado em voz alta ao menos duas vezes de “próximo presidente do Brasil” — pelo escritor e youtuber brasileiro Raiam Santos e pela secretária executiva da Comissão Econômica para América Latina e Caribe da ONU, Alicia Bárcena Ibarra.

Huck, que é visto como potencial candidato à Presidência em 2022, desviou do epíteto. Indagado após o evento sobre os temas que abordou no almoço e as ações do Brasil na área, disse que o Brasil merecia representação melhor no exterior “O Brasil precisa ser mais bem representado, para além da economia”, afirmou.

“Quando você lê a carta do professor [Klaus] Schwab desta edição do Fórum Econômico e ela claramente aponta para discutir ideias que possam gerar crescimento econômico com redução da desigualdade, eu adoraria poder ver o país bem representado em painéis além dos painéis econômicos”, afirmou, aludindo ao ministro Paulo Guedes (Economia), celebrado por investidores no Fórum.

“Sem dúvida a gente entregou números importantes do ponto de vista econômico, mas a gente estava fora dos painéis de educação, desigualdade e Amazônia.”

Em Davos, Luciano Huck diz que protestos na América Latina são fruto de desigualdade

Sobre política, diz não ter reposta nem para ele mesmo

Daniel Rittner, do Valor / O Globo

DAVOS (Suíça) — O apresentador Luciano Huck foi chamado de "próximo presidente" do Brasil por participantes de um almoço reservado no Fórum Econômico Mundial, em Davos, onde o tema em discussão eram as manifestações e o clima de agitação popular na América Latina. Huck atribuiu os protestos à desigualdade.

— A desigualdade é a fonte dos problemas (na América Latina).

Huck contou à plateia, numa sala lotada por 40 executivos, a história de um entrevistado em seu programa que morava no Morro da 40, em São Gonçalo (RJ), cujos pais se envolveram em atividades criminosas e morreram por causa da violência. O apresentador relatou à plateia que ele terminou a entrevista dizendo querer encontrar seus familiares "mais em formaturas do que em enterros".

A plateia reagiu com sinais de aprovação e a diretora da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), a mexicana Alicia Bárcena, voltou ao assunto minutos depois. "Gostaria de concordar com o João...", falou, sendo cortada em seguida por um Huck sorridente "Luciano".

O que a mídia pensa – Editoriais

Afronta às instituições – Editorial | O Estado de S. Paulo

Poucas vezes se viu na história recente do País tamanho acinte às instituições, especialmente ao Congresso e ao próprio Poder Judiciário, como o que se viu com a decisão do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendendo sine die a eficácia de trechos da Lei 13.964/2019, especificamente, mas não apenas, as normas relativas à implantação do juiz das garantias. É inadmissível, num Estado Democrático de Direito, que idiossincrasias de um magistrado prevaleçam sobre o Poder Legislativo e também sobre o Poder Judiciário, que deveria funcionar como um colegiado. O que se viu na quarta-feira passada foi um desabrido autoritarismo, a merecer cabal reprovação e urgente correção por parte do plenário do Supremo.

Valendo-se da condição de vice-presidente do STF, Luiz Fux, logo após ter assumido o plantão judiciário do Supremo, revogou decisão proferida pelo presidente do STF uma semana antes. Com o objetivo de dar condições ao Judiciário de se organizar adequadamente perante a nova divisão da competência funcional do magistrado nas ações penais, o ministro Dias Toffoli havia adiado a implantação do juiz das garantias por 180 dias.

Chama a atenção, em primeiro lugar, que, se a novidade já estava adiada, não havia urgência a justificar outra decisão liminar, como fez o ministro Luiz Fux. Tal modo de proceder, absolutamente desnecessário, desprestigia o STF e enfraquece sua autoridade. Em vez de razões e argumentos jurídicos, a voz do Supremo é modulada pelo capricho de seus integrantes. Transmite-se, assim, uma imagem do STF frontalmente contrária à sua missão institucional. O Supremo já não estaria a serviço da Constituição e do Estado Democrático de Direito, e sim de voluntarismos e birras de seus integrantes. Vale observar que danos dessa natureza perduram no tempo muito além da revogação da decisão arbitrária que deu origem à confusão.

Música | Frevo do Galo - Coral Edgar Moraes

Poesia | Fernando Pessoa - Os antigos

Os antigos invocavam as Musas.
Nós invocamo-nos a nós mesmos.
Não sei se as Musas apareciam -
Seria sem dúvida conforme o invocado e a invocação. -
Mas sei que nós não aparecemos.
Quantas vezes me tenho debruçado
Sobre o poço que me suponho
E balido "Ah!" para ouvir um eco,
E não tenho ouvido mais que o visto -
O vago alvor escuro com que a água resplandece
Lá na inutilidade do fundo...
Nenhum eco para mim...
Só vagamente uma cara,
Que deve ser a minha, por não poder ser de outro.
E uma coisa quase invisível,
Exceto como luminosamente vejo
Lá no fundo...
No silêncio e na luz falsa do fundo...
Que Musa! ...