Em meio ao temor de empresas e especialistas de que o país seja obrigado a racionar energia, relatório do comitê do governo de monitoramento do setor elétrico mostra que mais da metade das obras está atrasada. A situação é pior na área de transmissão, com menos de um quarto das obras em dia. Nesses empreendimentos, o atraso médio chega a 15 meses. O governo nega risco de racionamento similar ao de 2001, mas, com os atrasos das obras e a escassez de chuvas, terá de adotar medidas para eliminar o risco, que serão discutidas em reunião hoje. Segundo a associação brasileira dos distribuidores de energia, mantido o atual ritmo de uso das térmicas até março, as tarifas de energia não terão o desconto de 20% prometido pela presidente Dilma. Ontem, as ações da Eletrobras caíram 9,3%
Pouca chuva, poucas obras
Setor elétrico tem mais da metade dos projetos atrasada. Na transmissão, só 24% estão em dia
Danilo Fariello
Seca. Reservatório da hidrelétrica de Marimbondo (MG). Preço alto de energia já levou indústria a reduzir consumo
RISCO DE RACIONAMENTO
BRASÍLIA, RIO E SÃO PAULO - Um descompasso entre o ritmo de obras no setor elétrico e aquilo que seria necessário para mantê-lo a pleno vapor foi verificado pelo governo há mais de um mês, ou seja, antes de surgir o temor, entre empresários e especialistas, de que o país tenha que fazer um racionamento de energia. No dia 22 de novembro, em reunião do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) - que hoje debaterá opções para reduzir o risco de um apagão a médio prazo -, constatou-se que mais da metade dos empreendimentos em construção do setor tinha atraso. A situação é mais grave na área de transmissão, com menos de um quarto das obras em dia. O governo, por ora, nega um possível racionamento, similar ao que ocorreu em 2001 e que foi duramente criticado pelo PT. Mas, com os atrasos das obras e a escassez de chuvas dos últimos meses, terá de adotar medidas práticas para eliminar o risco.
Na transmissão, apenas 24% dos 18,8 mil quilômetros de linhas em construção monitorados em novembro se encontravam "com datas de tendência dentro do previsto", segundo a ata da 121ª reunião do CMSE (que reúne Ministério de Minas e Energia, Aneel, Eletrobras, ONS, entre outros). O mesmo relatório apontou que, "no cômputo geral, existe um atraso médio de 15 meses nas datas previstas desses empreendimentos (de transmissão)". Entre obras de geração (336 novas usinas, com 42.473 megawatts, ou MW, de potência) e subestações, são 45% em dia. Para geração, o atraso médio era de sete meses e, para subestações, de seis meses.
Desconto na conta poderá ser menor
Em 2014, ano da Copa, a situação dos reservatórios poderá ser ainda mais crítica, dependendo das chuvas e do ritmo de uso das térmicas este ano. Ontem à noite, o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, se reuniu com a presidente Dilma Rousseff para relatar a situação. A grande dúvida do governo, que será amadurecida hoje na reunião do CMSE para posteriormente ser levada a Dilma, será apontar se vale a pena usar térmicas por mais tempo agora - o que poderia elevar o preço das tarifas e comprometer boa parte do desconto de 20% prometido pela presidente a partir de março - ou se seria mais indicado correr o risco de gastar mais os reservatórios e torcer por chuvas mais intensas no próximo verão.
Se o governo apostar nas chuvas e elas não vierem, a tarifa ficaria mais baixa, mas haveria o perigo de, em 2014, as térmicas não serem suficientes para assegurar a energia necessária para o país e, portanto, o apagão chegar de vez.
Nas contas da Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), mantido o atual ritmo de uso das térmicas até março, quando a estação das chuvas chegar a todo o país, as tarifas poderão ter de subir cerca de cinco pontos percentuais para pagar por esse gasto, que somou R$ 800 milhões até dezembro. Se o governo achar que as térmicas têm de ficar ligadas por mais tempo, boa parte da queda de energia prometida pelo governo, de 20%, poderá desaparecer.
Ontem, Zimmermann disse ser conjuntural e natural o impacto das térmicas nas tarifas e que ele independe da queda prometida de 20% nos preços, estrutural. O secretário ainda refutou qualquer risco de racionamento, a exemplo do que o ministro Edison Lobão vem defendendo. O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, também negou ontem que exista chance de racionamento de energia elétrica ou de gás no Brasil:
- As térmicas e o gás natural liquefeito (GNL) importado são suficientes. A situação é muito diferente de 2001.
As grandes indústrias, porém, já estão reduzindo o consumo de energia, segundo o presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Paulo Pedrosa. Ele disse, porém, que isso é natural, diante da alta dos preços no mercado livre, que chegou a R$ 550 o megawatt/hora (MWh) nos últimos dias.
- Muitas empresas estão avaliando reduzir o consumo para vender a energia nos preços do mercado spot (livre). Não há risco de racionamento, a redução no consumo é para obter ganho econômico - disse Rodolfo Salazar, diretor comercial da Bolt Energias.
O temor de um racionamento derrubou, pelo segundo dia, as ações de empresas do setor elétrico na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) ontem. Das cinco maiores quedas da Bolsa, quatro foram do setor. Os papéis da Eletrobras foram os que mais sofreram: as ações PNB (sem direito a voto) caíram 9,35%, seguidas das ON (com voto), que se desvalorizaram 8,44%. Puxado pelos papéis de elétricas e pela Petrobras, o Ibovespa caiu 1,30%, aos 61.127 pontos. O dólar comercial fechou em alta de 0,39%, a R$ 2,038 na venda. (Colaboraram Ramona Ordoñez, Luiza Damé, Cristiane Bonfanti, Mônica Tavares, Daniel Haidar e João Sorima Neto)
Fonte: O Globo
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