Maria Aparecida de Aquino, professora de História da Universidade de São Paulo
Gabriel Manzano
As decisões de ontem do Supremo Tribunal Federal, que resultaram em punição de atos de corrupção política, são um fato inédito na vida do País "e vão trazer lições para todo mundo", afirma a historiadora Maria Aparecida de Aquino, da Universidade de São Paulo. "Porque dão visibilidade ao Judiciário. Porque condenam formalmente a corrupção política - habitualmente deixada de lado. E porque a determinação de punir é um exemplo que tende a tornar a sociedade mais vigilante", explica ela.
"Só não é um diploma definitivo para a nossa democracia porque esta só se consolida com a democracia social, que ainda está muito tímida", diz a professora. A entrevista:
• Qual o significado, em termos mais amplos, das condenações de ontem do STF?
Elas têm uma importância enorme. Dão ao Judiciário uma relevância que por muito tempo lhe foi negada, como nos dias tenebrosos do regime militar, que praticamente destruiu esse Poder. É uma maneira de lhe dar visibilidade. Por mais que uma pessoa seja alienada, é impossível imaginar que alguém no País não ouviu falar do processo e da força do Judiciário na questão. Outra coisa essencial: punir a corrupção política é um fato inédito entre nós. Não é um crime de corrupção em que o centro do episódio seja o dinheiro: esta e de caráter político. Algo com o qual os cidadãos não estavam acostumados. Isso deu ao espectro da corrupção uma amplitude maior.
• Num País onde a corrupção irrompe por todo lado, pode ter um significado pedagógico?
Sim, é uma lição para todo mundo. Estávamos habituados com a corrupção do dinheiro, e também acostumados a fazer dela vista grossa. A de caráter político é mais sutil e tivemos coragem de julgar e condenar. O exemplo pode se expandir e tornar a sociedade mais vigilante.
• Que impacto a sra. imagina que as punições de ontem, e outras a caminho, podem ter na vida dos partidos e dos políticos?
Se a população foi às ruas, como todos vimos, se os poderes reagiram rapidinho com uma proposta de reforma política e, mesmo assim, tudo vai ficando lá para o fim do processo, me parece que há uma certa insensibilidade. Mas ela tem um preço. Que, imagino, vai sair caro para o mundo político.
• O povo vai voltar às ruas?
Assim como foram antes, as pessoas podem, sim, voltar a protestar. Mas, certamente, em outras circunstâncias. O povo já terá o precedente de falar e não ser ouvida, Será menos condescendente,
• Como teste das instituições democráticas, a sra. compara essa decisão de agora à de 1992, quando se julgou o pedido de impeachment do então presidente Collor? Agora a democracia tirou um diploma definitivo?
Definitivo eu não diria, mas nossa experiência democrática vem se aprofundando. É um capítulo de aprofundamento dentro de um setor em que normalmente não se atua, e do qual a Justiça sai com um poder muito significativo. O hábito da democracia é cansativo, faz você perder os fins de semana, participar. Mas na verdade essa experiência não se consolidou, porque a democracia consolidada é a democracia social. Para se evitar coisas terríveis que já vivemos, só com a vigilância da sociedade. E ainda temos visto, pelo menos nos últimos dois governos, iniciativas ainda tímidas no sentido de inclusão da população.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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