37 anos depois, o reconhecimento
Corpo do ex-presidente João Goulart é recebido com honras de chefe de Estado em Brasília. Para autoridades e parentes, cerimônia foi acerto de contas histórico
André Shalders
No dia 5 de dezembro de 1976, morria em uma fazenda na província de Mercedes, na Argentina, o ex-presidente da República João Goulart. Na ocasião, os preparativos fúnebres se resumiram a um tamponamento da boca e das narinas com algodão para impedir o fluxo de líquidos. Os militares não permitiram que Jango retornasse a Brasília. Dias depois do falecimento, o corpo foi enterrado em uma cerimônia simples, no jazigo dos Goulart em São Borja (RS). Ontem, quase 37 anos depois, Jango recebeu as honras fúnebres devidas a um chefe de Estado. A urna contendo os restos mortais do ex-presidente foi recebida com glórias no começo da tarde de ontem, na Base Aérea de Brasília.
A chegada dos despojos de Jango foi saudada com a execução do Hino Nacional, da Marcha Fúnebre e com o disparo de 21 tiros de canhão. Além da presidente Dilma Rousseff, participaram os antecessores Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Collor de Mello e José Sarney, o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, além de parlamentares e integrantes do primeiro escalão do governo. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se recupera de uma diverticulite e não compareceu. Usando trajes de gala, militares das três Forças receberam o corpo de João Goulart. Ao lado das autoridades, a família acompanhou a cerimônia.
Ao fim do evento, a presidente Dilma e a viúva de Jango, Maria Thereza Goulart, depositaram uma coroa de flores sobre a urna mortuária. Emocionada, Maria Thereza chorou diversas vezes durante a homenagem. “Agradeço o carinho da presidente, o carinho de todos aqui. Para mim foi muito emocionante. É um momento muito importante da minha vida. Estou meio flutuando ainda”, disse.
A presidente deixou o local sem falar com a imprensa. Pelo twitter, Dilma comentou que a cerimônia representava uma “afirmação da democracia” no país. “Hoje é um dia de encontro do Brasil com a sua história. Como chefe de Estado da República Federativa do Brasil participo da recepção aos restos mortais de João Goulart, único presidente a morrer no exílio, em circunstâncias ainda a serem esclarecidas por exames periciais (...). Este é um gesto do Estado brasileiro para homenagear o ex-presidente João Goulart e sua memória”, avaliou.
O professor de história contemporânea da Universidade de Brasília (UnB) Antônio José Barbosa concorda. Para o estudioso, a exumação e a cerimônia representam um “acerto de contas simbólico” em face da perseguição sofrida por Jango. “O que aconteceu com ele é talvez uma das coisas mais dolorosas para um personagem histórico, ser relegado ao esquecimento. Houve um esforço para apagar João Goulart e suas ideias da memória coletiva do povo brasileiro”, comenta.
Barbosa lembra que Jango foi eleito vice-presidente duas vezes, em uma época em que presidente e o vice concorriam em pleitos diferentes e podiam ser, inclusive, de partidos opostos. “Em 1955, ele foi eleito vice com quase 500 mil votos a mais do que o presidente Juscelino Kubitschek. E, em 1960, foi eleito novamente, desta vez com Jânio Quadros. Ele era um político admirado, reconhecido pela população. Enquanto presidente, ele tentou dar uma ‘face humana’ ao capitalismo brasileiro”. Durante muito tempo, Jango foi visto pela historiografia como um personagem menor. “A despeito dos seus méritos, ele era visto pela esquerda como ‘frouxo’ demais, e pela direita como uma marionete de Moscou.”
Próximos passos
Depois da cerimônia, que durou cerca de 20 minutos, a urna com os despojos de jango seguiu em uma van para o Instituto Nacional de Criminalística (INC) da Polícia Federal, no Setor Policial Sul. O corpo foi recebido no INC por militantes do Partido Democrático Trabalhista (PDT), que empunhavam faixas e cartazes saudando o ex-presidente. Os restos mortais devem permanecer no INC até 5 de dezembro, quando voltam ao Rio Grande do Sul. “A partir daí inicia-se uma nova etapa, que é a análise das amostras coletadas, em laboratórios no exterior. Só a equipe de peritos pode dizer quanto tempo durará”, afirma a ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário.
Repercussão internacional
A exumação de João Goulart repercutiu na imprensa internacional durante a semana. Ontem, o jornal alemão Der Spiegel escreveu que “teoria de envenenamento” justificava a exumação de Jango. No portal do grupo argentino Clarín, a perícia dos restos mortais vem sendo noticiada diariamente. Na imprensa americana, o assunto foi tratado pelos diversos portais, entre eles o Huffington Post, além do jornal Miami Herald. “Restos de ex-presidente brasileiro exumados por suspeitas de assassinato”, dizia a manchete do periódico.
Fonte: Correio Braziliense
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