Não há como subestimar impacto da cisão à esquerda
2014, ano de eleições gerais, ano de Copa do Mundo, Copa a ser realizada no Brasil. Tempo de grandes emoções, portanto. Expectativa que aumenta se se levar em consideração que em 2013 o jogo terminou empatado.
Lembrem-se que, para o governo, o fim de 2012 não foi bom politicamente, seja por conta de várias derrotas eleitorais em pleitos municipais, não obstante a espetacular vitória em São Paulo, seja e sobretudo por conta do anúncio de crescimento pífio do PIB. Ademais, na virada para 2013, um ensaio de descontrole de preços piora em muito o cenário. O problema do lado da oposição consistiu em canalizar as insatisfações potenciais em direção a uma liderança claramente identificada com discurso e agenda entendidos como alternativa consistente à linha seguida pelo governo. Em outras palavras, vastos segmentos da sociedade manifestavam descontentamento relativamente a várias questões de interesse público, todavia, não pareceu a estes mesmos setores, pelo menos para a maioria deles, que alternativas de oposição estivessem mais bem posicionadas para operar as mudanças requeridas.
Até meados de 2013, as pesquisas de apoio ao governo e projeção de cenários eleitorais apenas reforçavam a hipótese: Dilma batia recordes de popularidade ao passo que nenhum adversário demonstrava condições realistas de superação de uma eventual candidatura à reeleição. Algo, no entanto, não conectava a realidade dos dados econômicos e de avaliação dos serviços públicos com a avassaladora vantagem da presidente vis-à-vis concorrentes potenciais. O PIB tinha ido mal, a inflação crescia e o câmbio começara a se depreciar em velocidade aparentemente fora de controle por parte da autoridade monetária. Autoridade, diga-se de passagem, que via sua legitimidade drasticamente diminuída por conta do fosso abissal entre o que vinha anunciando sobre o que seriam os indicadores econômicos e a revelação dos números reais. Antes dos protestos de junho, é bom lembrar, a avaliação do governo já havia experimentado significativa queda de 10 pontos percentuais.
Vistas sob perspectiva, as jornadas de junho e julho impactaram o cenário político de maneira paradoxal. No curto prazo, no calor da hora, significaram o monumental desgaste da figura presidencial, de seu governo e embaralharam o cenário eleitoral projetado para 2014. No médio, entretanto, abriram um leque de ações e políticas a serem realizadas pela administração, oportunidade que foi bem aproveitada no caso do programa Mais Médicos, desde logo candidato a tornar-se um dos grandes trunfos eleitorais de Dilma no pleito de outubro. Em alguns outros casos, resultados ainda não vieram a púbico, mas decisões potencialmente relevantes atinentes à mobilidade urbana e a nova política de financiamento da educação pública, através do pagamento de royalties do pré-sal, também podem oferecer alguma vantagem discursiva ao governo. De toda forma, os índices de aprovação voltaram a crescer antes do fim do ano, embora longe dos patamares auferidos no início de 2013, sendo a presidente favorita a uma vitória no primeiro turno em praticamente todos os cenários plausíveis pesquisados pelos grandes institutos.
Desempenho bom para ótimo no âmbito de combate à pobreza, criação e fortalecimento de programas sociais e de inclusão, como o citado Mais Médicos e o Pronatec, além da manutenção em patamar alto do nível de emprego e o afastamento do risco de queda significativa no consumo, na renda e no poder de compra dos salários. Estes serão os pilares do discurso governista no segundo semestre do ano. Suas fragilidades, a serem exaustivamente exploradas pela oposição, por certo advêm do campo macroeconômico e na administração de problemas ligados à prestação de serviços públicos. O desempenho do PIB ficou em média próximo ou inferior ao observado durante o período do PSDB à frente do governo, com o agravante de que as projeções feitas para o mandato de Dilma estarem sempre na faixa de 4 a 5%. Isto é, não há como o governo escapar da avaliação segundo a qual medidas importantes deixaram de ser tomadas para que o país pudesse crescer de maneira mais consiste com o seu potencial. Questões de infraestrutura, marco regulatório de setores vitais para uma nova fase de investimento, público e privado, e desenvolvimento da indústria, foram enfrentadas de forma lenta e sofrida, e o que é pior, sem a definição de espaços claros de interlocução com os interesses envolvidos.
Seriam tais fragilidades suficientes para uma derrota eleitoral do governo? Segundo as pesquisas feitas até o momento, tal cenário de derrota ainda não apareceu. As candidaturas postas de oposição, no entanto, não são propriamente amadoras, com o agravante de ser uma delas forte aliado até pouco tempo, presidente de um dos partidos mais próximos do PT desde a transição para a democracia. Não há como subestimar politicamente o impacto de tal cisão à esquerda da coalizão de apoio ao governo. Em suma, os oposicionistas saberão jogar e aproveitar aquilo que o adversário, no caso Dilma e equipe, lhe oferecer. Se alguém projetou que 2014 será um ano de fortes emoções, embora certamente não tenha sido obrigado a nenhum grande esforço mental, acertou na mosca.
Fabiano Santos é cientista político, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Fonte: Valor Econômico
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