domingo, 6 de abril de 2014

Reestruturação na Embrapa dá mais poder a áreas controladas por técnicos ligados ao PT

Empresa é considerada uma ilha de excelência técnica

Vinicius Sassine - O Globo

BRASÍLIA - A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) sempre foi considerada uma ilha de excelência técnica, tanto na condução de pesquisas decisivas para o setor quanto na escolha dos profissionais de carreira que ocupam os cargos de chefia da estatal. O atual momento do órgão vem redesenhando essa impressão. A empresa vive uma fase de aparelhamento e apadrinhamento partidário num de seus setores mais estratégicos, afrouxamento das regras para a escolha dos diretores executivos — com a predominância do critério de indicação política — desmantelamento da capacitação internacional, e forte disputa interna. Além disso, uma investigação em curso apura supostas irregularidades cometidas por sete servidores na criação da Embrapa Internacional, com sede nos EUA.

Documentos obtidos pelo GLOBO mostram que já está definida a extinção da Embrapa Estudos e Capacitação, também chamada de Centro de Estudos Estratégicos e Capacitação em Agricultura Tropical (Cecat), um projeto pessoal do então presidente Lula, inaugurado em maio de 2010. Lula pediu a criação da unidade para capacitar profissionais de outros países que atuam no campo da agropecuária, principalmente nações da África e da América Latina. Um bloco de quatro andares foi construído ao lado da sede da Embrapa em Brasília — os dois prédios estão conectados por um corredor — e os gastos somaram R$ 9,4 milhões.

A inauguração contou com a presença de Lula. Menos de quatro anos depois, a unidade sumirá do organograma da Embrapa. Uma nova secretaria será criada para abrigar a área de estudos estratégicos. A capacitação será assimilada pela área de transferência de tecnologia, cujo diretor-executivo foi indicado ao cargo por deputados federais do PT. Também o Departamento de Transferência de Tecnologia, subordinado à Presidência e a essa diretoria-executiva, é chefiado por um militante do PT, avalizado por uma das correntes — o Movimento PT.

O Cecat é uma unidade descentralizada, com maior autonomia de gestão. Com a transferência da capacitação para um departamento, os gestores com indicação política terão mais controle das atividades desenvolvidas.

No último dia 12, o presidente da Embrapa, Maurício Antônio Lopes, reuniu servidores vinculados ao Cecat para tratar da “reestruturação”. A decisão já havia sido submetida à diretoria executiva e ao Conselho de Administração da estatal, que ratificaram as mudanças. Conforme registros da fala do presidente na ata da reunião, o objetivo da extinção da unidade é “fortalecer a capacitação através do DTT”. Uma nova unidade será criada para abrigar a área de estudos estratégicos. “Não sabemos ainda se terá um formato de assessoria, departamento ou secretaria”, disse o presidente na reunião.

Um servidor falou sobre a possibilidade de “liquidação” do Cecat. “Temos de dar tempo ao tempo, este é um processo importante, que está sendo feito com cuidado e profissionalismo”, respondeu Lopes.

Em entrevista ao GLOBO, o presidente da Embrapa confirmou que o Cecat ficará fora do organograma da empresa. Isso deve ocorrer em um mês. Mas, segundo Lopes, o prédio construído e inaugurado por Lula, com diversas salas equipadas com material multimídia, continuará a ser usado e todas as atividades de capacitação serão desenvolvidas — e até mesmo ampliadas. Ofícios da diretoria mostram a constituição de uma força-tarefa para alterar o regimento interno do DTT, de forma que possa abrigar a capacitação tocada hoje pelo Cecat. Só no ano passado, a unidade descentralizada capacitou 10,5 mil pessoas, 1,5 mil delas de fora da Embrapa.

O chefe do DTT é Fernando do Amaral Pereira, servidor de carreira da Embrapa e filiado ao PT desde 1997, conforme registros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele contou com forte indicação política para ocupar cargos de chefia: de deputados federais do Movimento PT, como Geraldo Magela (PT-DF), e do senador Humberto Costa (PT-PE).

— Diretores com compromisso com o partido podem ajudar a levar mais recursos para a pesquisa — diz Magela.

— O Fernando é militante do PT, casado com uma funcionária que trabalhou comigo no Ministério da Saúde, quando fui ministro. Foi uma indicação do partido e por essa questão (do parentesco) — afirma o senador.

Já o diretor-executivo de Transferência e Tecnologia, Waldyr Stumpf Junior, contou com a indicação política de deputados federais gaúchos.

— Eu o conheci como diretor da Embrapa Clima Temperado, em Pelotas (RS). Ele me procurou, dizendo que estava disposto a ser diretor, e dei meu apoio — afirma o deputado Ronaldo Zulke (PT-RS), um dos responsáveis pela indicação.

Duas de três diretorias sob influência petista
A Embrapa tem três diretores-executivos, além do presidente. A diretora de Administração e Finanças, Vania Beatriz Castiglioni, tem ligação com o PT. A pesquisadora de carreira é filiada ao PT do Paraná, especificamente o de Londrina, desde 1990, segundo o TSE. Das três diretorias-executivas, duas são comandadas por petistas ou indicados pela sigla.

É praxe no órgão a nomeação de servidores do quadro de profissionais para as funções de confiança. Para se ter uma ideia da diferenciação da Embrapa em relação aos demais órgãos do governo federal, apenas dez servidores — de um universo de 9.870 empregados — são comissionados sem integrar o quadro efetivo do órgão.

Em abril de 2011, a atual diretoria foi escolhida por meio de um processo de seleção interna, com rigorosos critérios de escolha, análise do currículo e classificação das melhores posições, para posterior indicação dos nomes pelo Conselho de Administração e pelo Ministério da Agricultura. Isso não impediu que alguns deles contassem com indicação política. Essa seleção interna foi extinta. Os mandatos dos diretores termina neste mês e vai prevalecer, para a nova composição, a indicação política. O atual presidente, que assumiu em outubro de 2012, já chegou à função por nomeação do Planalto, sem seleção interna. Ele é pesquisador de carreira.

Ex-presidente sofre investigação
O presidente que o antecedeu, Pedro Antonio Arraes, e mais seis servidores do órgão passaram a ser investigados pela Controladoria-Geral da União (CGU) em razão de supostas irregularidades na criação da Embrapa Internacional, sediada no Estado de Delaware, nos Estados Unidos. Primeiro, o Ministério da Agricultura, ainda na gestão de Mendes Ribeiro, instaurou uma sindicância investigativa para apurar a criação da unidade. O ministro considerou que Arraes criou a Embrapa Internacional sem comunicar à pasta e ao próprio Conselho de Administração. Ele abortou a ideia, afastou o pesquisador do cargo e instaurou uma comissão de sindicância, que concluiu pela “materialidade da denúncia”. A sindicância punitiva da CGU ainda avalia provas e deve ser concluída nesta semana. Procurados, nem Arraes nem o Ministério da Agricultura comentaram a investigação.

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