quinta-feira, 12 de junho de 2014

Fernanda Torres: O Bode

• Agora, o fantasma de 1950 pode trazer consequências bem maiores do que o silêncio sepulcral

- Folha de S. Paulo

A ditadura militar fez muita gente se esforçar para torcer contra o Brasil na Copa-70. Mas o talento do escrete foi mais forte que a causa, e até o mais aguerrido dos guerrilheiros sucumbiu aos dribles dos canarinhos.

Quarenta e quatro anos depois, a política volta a se imiscuir no amor pela camisa. O cenário é menos radical, mais democrático, mas a conjunção astral que alinhou Copa e eleição acabou por acirrar as tensões comuns aos dois eventos.

No Rio, os meses que antecedem as urnas são propícios a assaltos, chacinas e trocas de tiro no asfalto. Já começou, e não se vê uma faixa verde e amarela pintada na rua.

O clima anda tenso. Ronaldo tem razão quando diz que o futebol não tem culpa de terem creditado ao Mundial o fim das nossas mazelas. Mesmo assim, os custos exorbitantes dos estádios muniu a insatisfação popular.

Se cairmos nas quartas ou nas oitavas, corremos o risco da ira do Não Vai Ter Copa se juntar à dos black blocks, às greves, aos interesses das facções criminosas e ao uso político das manifestações de massa, culminando num quebra-quebra difícil de ser controlado.

Os que defendem a permanência do PT no poder acendem velas para Felipão. A oposição reza por uma colocação xoxa. Mas todos anseiam por, pelo menos, um honroso terceiro lugar que apazigue os maus humores.

A proximidade da eleição atiça a consciência extremada e censura a alegria mundana do torcedor. Ciente de nossa corrupção endêmica, quem se orgulharia de ter o álbum da Copa-14 completo? Mas a política, muitas vezes, gera uma impotência que leva à paralisia. Não defendo a alienação, mas alguma redenção é necessária.

Na minha área, já vi colegas trocarem o palco pelo palanque. De uma maneira geral, eles se tornaram artistas menos interessantes em cena do que fora dela.

O esporte é mais pragmático. O perde e ganha não deixa espaço a subjetividades. O atleta tende a fazer a sua parte, independente das convicções partidárias.

O espírito cívico é importante, mas ele não pode tirar a beleza de tudo. Se a seleção de 70 fosse medíocre, a derrota não nos livraria da linha dura.

Em meio a tanta indignação, resta esperar dos jogadores a lição simples de dominar com mestria o que se faz.
E nem sempre isso é suficiente, vide 1982. Agora, o fantasma de 1950, no Maracanã, pode trazer consequências bem maiores do que o silêncio sepulcral no estádio.

Que a força esteja conosco.

À partir de hoje, e por um mês, pretendo me dedicar ao carisma de Neymar, à lordose do Hulk, ao pomo de Adão do Cristiano Ronaldo e àqueles quadríceps maravilhosos, de rapazes vindos dos mais diversos cantos do planeta.

Sou moça, a testosterona me distrai à beça. Cada dia a sua agonia. Em outubro, decido meu voto.

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