- O Globo
Há sinais claros de que o país, apesar de tudo, move-se à frente, graças às suas instituições democráticas. A Justiça está operando em todos os níveis para que a sensação de impunidade não prevaleça na sociedade; a Polícia Federal e o Ministério Público estão fora da tentativa de controle de setores políticos, do governo ou da oposição; e o próprio ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, teve que explicar ao PT (e parece que já tivera que explicar o mesmo à presidente Dilma) que não tem condições de controlar as investigações.
Somente o hábito ancestral de tudo poder controlar é que explica não apenas a revolta petista com a "falta de controle" dos órgãos de investigação, como a do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que acusa uma conspiração entre o Palácio do Planalto e o procurador-geral da República para envolvê-lo na corrupção investigada na Lava-Jato.
Uma semana em que dois ex-presidentes da República se tornam alvos de investigação criminal é uma semana a comemorar, não pelo gosto de ver Collor ou Lula tendo que se explicar, mas pelo simples fato de que a Justiça brasileira dá sinais renovados de que não encontra barreiras em poderosos ou milionários.
É de se ressaltar que os ex-presidentes estão sendo investigados não pelo juiz Sérgio Moro, considerado por seus adversários um parcial, mas pelo Ministério Público, e, no caso de Collor, com a autorização de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Também são de se comemorar os sinais de que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o terceiro na linha sucessória presidencial, não mete medo nos procuradores encarregados da Operação Lava-Jato, embora meta medo no empresário Julio Camargo, um dos delatores, que revelou ontem que tinha medo de Cunha, conhecido por ser "extremamente agressivo".
Os relatos que estamos acompanhando desde o começo da Operação Lava-Jato mostram bem o esquema mafioso que controlava a corrupção na Petrobras e adjacências. O empreiteiro Ricardo Pessoa recebeu em sua cela, antes de decidir pela delação premiada, várias cartas escritas como se fossem por uma criança, em que ameaças diversas eram sugeridas.
O remetente, que se identificava como sobrinho (ou sobrinha) de Pessoa, refere-se à cadeia como "hospital" e parece oferecer ajuda a Pessoa: "Eu também já estive doente, fiz uma cirurgia e saí vivo. E a clínica ainda está aberta". O autor insinua que conhece hábitos e receios de Pessoa, faz referências ao fato de ele temer ficar na cadeia de "90 a 180 dias", cálculo que o empreiteiro revelara a pessoas próximas: "A mamãe disse que meu titio vai ficar aí por 90 a 180 dias e aí poderemos brincar".
Em alguns trechos, o remetente parece pedir ajuda a ele: "Titio, me ajude a resolver este quebra-cabeça, peça a ajuda de seus novos amigos doentes". Em outros, uma charada tem no nome Lula a solução. As ameaças eram tão claras que Ricardo Pessoa pediu ajuda à PF, e mais adiante fez uma delação premiada.
É ou não é um relato assustador, de filmes da melhor estirpe da máfia? E o que dizer de o empresário-delator Julio Camargo afirmar que temia que Eduardo Cunha "machucasse" sua família? Aliás, Camargo, a certa altura do depoimento, diz que já fizera aquela declaração denunciando Cunha ao Ministério Público, o que elimina a suspeita de que ele estaria falando pela primeira vez sobre Cunha somente agora.
Sérgio Moro, que o interrogava, cortou sua declaração para não prejudicar a investigação que já corre no Ministério Público, já que na primeira instância não podem ser tratados assuntos referentes a políticos, que têm foro privilegiado e estão sendo investigados sob a supervisão do Supremo.
São momentos tensos, sem dúvida, de uma crise institucional latente que pode ter desdobramentos políticos catastróficos para a nossa incipiente democracia, ou prenunciar uma renovação de nossos hábitos e costumes.
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