- O Globo
O Banco Central se reuniu diante de um quadro lastimável da economia. Tinha que decidir se elevaria os juros ou não. Em um mês e meio, desde a última reunião, o quadro piorou. O dólar subiu 13,9%, o governo enviou um orçamento deficitário ao Congresso, o desentendimento entre ministros da área econômica ficou mais evidente, a indústria caiu 1,5% em julho, e o PIB do segundo trimestre recuou 1,9%.
OBC tinha números e fatos sobre a mesa que justificariam qualquer decisão. O quadro inflacionário piorou, mas ao mesmo tempo o nível de atividade encolheu. Ele acabou decidindo manter os juros em 14,25%. Na última Ata do Copom, o Banco Central deu sinais de que manteria a taxa no mesmo patamar por um tempo suficientemente longo para levar a inflação para o centro da meta no final de 2016.
O BC continua apostando nisso, pelo visto na nota de ontem. Ele trabalhava com a hipótese de superávit primário de 0,7% do PIB no ano que vem, e o governo acaba de entregar o Orçamento com 0,5% de déficit, podendo ser mais. O dólar subiu 13,9% desde o último Copom. Os cenários com que o BC trabalhava, segundo a última Ata, era de dólar a R$ 3,25 no final deste ano e de R$ 3,40 no final de 2016. Tudo está um pouco pior nos fatores que influenciam a inflação.
O economista Luiz Roberto Cunha, da PUC- Rio, acha que o câmbio pode alterar as projeções de inflação deste ano, que estão em torno de 9,5%. Em agosto, o IPCA deve ficar baixo, em 0,25%, no mesmo nível do ano passado, o que manteria a taxa em 9,56%. Em setembro, o índice pode ficar um pouco menor do que o número de 2014, em torno de 0,50%, o que reduziria o acumulado em 12 meses para 9,48%. O problema é que o índice volta a subir em novembro e dezembro:
— Com o aumento do botijão de gás em 15%, que não era esperado em época de queda do preço do petróleo, e mais o câmbio subindo forte, eu diria que a projeção para a inflação do ano é de 9,5% com viés de alta.
Por outro lado, a atividade também caiu mais do que se esperava e ontem isso ficou claro na produção industrial de julho. As previsões oscilavam em torno de 0,2% e foi 1,5% de queda. Até o setor de alimentos está sentindo a recessão, com uma queda de 6,2% em julho e 0,5% no ano.
— O setor de alimentos foi o último a sentir a crise, mas ela chegou. O consumidor está mais seletivo. Em 2014, criamos 14 mil empregos, já perdemos isso até julho, mas espero recuperar e fechar estável com a produção para o Natal — disse o diretor do Departamento Econômico da Abia, Denis Ribeiro, associação que representa a indústria de alimentos.
A queda da indústria como um todo em julho reforça o temor de um PIB negativo no terceiro trimestre, prolongando a recessão. O tombo em relação ao mesmo mês do ano passado foi de 8,9%, na 17 ª queda consecutiva. A produção está 14,1% menor do que em junho de 2013. Há, nos dados divulgados ontem, um ou outro número positivo, mas é alta em setor que já caiu demais.
Com o encolhimento generalizado, a queda dos investimentos — que fica claro no recuo de 20% nos bens de capital —e a diminuição de consumo, que não poupa nem a indústria de alimentos, o BC tinha bons argumentos para manter as taxas de juros em 14,25%. Até porque o aperto monetário não se dá apenas quando se elevam as taxas, mas quando elas são mantidas em um nível alto pelo tempo necessário.
O BC agora terá que ter um trabalho maior na redação da Ata e na preparação dos discursos do presidente. Não basta mais o corte- cola. Um dos pontos enfatizados em discurso de Alexandre Tombini em 14 de agosto foi que a recuperação dos resultados fiscais estava ocorrendo em velocidade inferior à prevista, porém “a trajetória de geração de superavits primários que fortaleça a percepção de sustentabilidade do balanço do setor público é fundamental para o ambiente macroeconômico e, portanto, para o crescimento sustentável”.
Agora, o presidente do BC não poderá dizer isso, porque a percepção é que o governo não está conseguindo gerar superávit primário algum. Teve déficit em 2014, caminha para outro em 2015, e o Orçamento já informa que em 2016 acontecerá novamente. Três anos de vermelho não é “trajetória de superávits primários”.
O desentendimento da equipe econômica agrega outro fator de instabilidade numa conjuntura que já tem muita turbulência. Isso não se resolve com política monetária. Há mais a mudar que não sejam os juros.
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