• Dólar segue fatores globais: estresse voltará com o Fed
- Valor Econômico
O Brasil tem ganhado tempo para enfrentar a própria crise graças a uma conjuntura internacional complexa, que, por uma conjunção de fatores, tem adiado a normalização da política monetária dos Estados Unidos. A história ensina que, todas as vezes que a economia americana foi obrigada a fazer um ajuste de taxa de juros, a brasileira entrou em crise. No caso atual, o ajuste foi anunciado com grande antecedência, há quase três anos, e de lá para cá os fundamentos brasileiros, com exceção das contas externas, pioraram.
Depois de passar nove anos sem elevar os juros, o Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, o fez em dezembro, projetando alta significativa para os próximos meses e anos. Desde então, o cenário internacional se deteriorou em decorrência de dois fatos: o temor de uma recessão na maior economia do mundo, que seria provocada por uma forte correção dos preços das ações; e o risco de uma nova crise bancária nos países ricos.
Por causa desse ambiente, o Fed sinalizou que não mexerá nos juros na reunião agendada para daqui a duas semanas. Os sinais, porém, são confusos. Ontem, o presidente do Fed de Nova York, William Dudley, disse que são crescentes os riscos que ameaçam o crescimento dos EUA. Ele afirmou que, se persistir a turbulência que vem ocorrendo nos mercados desde o ano passado, isso pode piorar ainda mais as perspectivas que ele vê para a economia americana.
Dudley afirmou que uma queda adicional das expectativas do mercado para a inflação de seu país seria "preocupante". E mencionou a persistente queda dos preços de energia e a valorização do dólar como fatores que diminuem as chances de o Fed atingir a meta de elevação da inflação americana para 2%.
Ao mesmo tempo, o Institute for Supply Management (ISM), entidade que apura o humor das empresas americanas em relação a investimento, informou ontem que, em fevereiro, o PMI (sigla em inglês para índice de compras dos gerentes) geral cresceu pelo 81º mês consecutivo, mas, no segmento industrial, registrou o 5º mês seguido de contração. O índice geral chegou a 49,5, abaixo do índice (50) que indica expansão da atividade.
No passado, quando o preço do petróleo caía internacionalmente, a renda disponível dos americanos aumentava, estimulando o consumo. A redução dos preços provocava tensões em algumas regiões produtoras, mas o fato era compensado pela aceleração da expansão dos EUA. Esse efeito não está ocorrendo agora. A queda do petróleo tem provocado mais danos do que no passado. Uma possível explicação: os produtores de matérias-primas têm hoje um peso maior no mundo.
A China, segunda maior economia do planeta, poderia estar se beneficiando do barateamento das matérias-primas, para crescer de forma mais rápida. Mas isso também não está ocorrendo.
Há complicações adicionais. Desde que o Fed anunciou, em maio de 2013, que eliminaria gradualmente a política monetária expansionista adotada durante a crise de 2008, os emergentes passam por um inevitável ajuste da conta corrente. Esse ajuste diminuiu a demanda global por mercadorias e serviços - com as desvalorizações das moedas nacionais, as importações desses países estão declinando.
O ajuste dos emergentes não está sendo compensado pelas economias avançadas. Os EUA crescem, mas abaixo do esperado; a China sofre os efeitos de um excesso de endividamento; a Alemanha, principal economia da zona do euro, segue bastante conservadora na área fiscal, o que, em tese, impede que a Europa se recupere. "O quadro de baixo crescimento mundial deve persistir", diz um economista oficial destacado para analisar a conjuntura mundial.
O outro grande tema a assombrar os mercados neste início de ano é a forte queda dos preços das ações de grandes bancos. O que se vê, em geral, são bancos sólidos, mas pouco rentáveis. O declínio das ações tem aumentado o custo de capital dessas instituições e provocado, consequentemente, um aperto nas condições financeiras, no momento em que as economias crescem pouco. Há dúvidas também sobre a qualidade dos ativos de alguns bancos, principalmente, na Europa.
A reunião do G-20, em Xangai, refletiu esse quadro preocupante. A expectativa, a partir dos debates dos ministros das Finanças, é que a China lance um pacote fiscal para tentar reanimar sua economia. O país asiático teria se comprometido a não deixar sua moeda se desvalorizar. Os dois sinais, combinados, animaram os mercados nos últimos dias. A outra expectativa, criada nas últimas semanas pelo Fed e reforçada no G-20, é que os EUA não aumentarão os juros por ora.
O que mudou a postura recente do Fed foi a correção da bolsa americana. Nos EUA, dado o tamanho do mercado de capitais, a bolsa é um preço importante, ao contrário do Brasil, onde o preço mais relevante é a taxa de câmbio. "Se o dólar for a R$ 5, no dia seguinte o país faz o ajuste fiscal", ironiza uma fonte graduada.
Com a decisão de adiar a retomada do ciclo de aperto monetário, o Fed interrompe a valorização do dólar. A questão relevante daqui em diante passa a ser: os EUA estão ou não crescendo a ponto de forçar seu banco central a voltar a elevar os juros? Quando isso pode ocorrer?
Enquanto o Fed estiver em ponto morto, o Brasil ganha mais tempo para promover o ajuste que o governo Dilma se recusa a fazer: o das contas públicas. Uma autoridade, realista, acredita que o Fed não vai ficar muito tempo sem fazer nada. Aposta que os juros americanos podem voltar a subir em meados deste ano.
Neste momento de trégua, está claro que a taxa de câmbio aqui - e alhures - tem se movido por causa de fatores globais. Uma prova disso é que, desde o início da turbulência no mercado internacional, em agosto, o dólar variou pouco, mesmo com a piora da situação política e fiscal. "O dólar é um ativo global e vai seguir as condições globais", prevê uma fonte.
O risco - ventilado por inúmeros analistas para as autoridades brasileiras de forma continuada desde maio de 2013 - é que, quando o Federal Reserve voltar a se mover, todas as fragilidades da economia brasileira, especialmente na área fiscal, aparecerão aos olhos dos investidores. Os defeitos serão potencializados e colocados em cima da mesa. As consequências, em uma economia que não cresce há três anos e cujo produto pode estar encolhendo de 7% a 8% no atual biênio, podem ser drásticas.
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