• Protagonismo da Justiça é crescente e internacional
- Valor Econômico
Uma posse de ministros boicotada pelo PMDB era o destaque do noticiário de 18 de março de 2014, o dia seguinte da deflagração da Operação Lava-Jato. O Brasil vivia os preparativos de um processo eleitoral e o eixo do poder transitava entre partidos, o Palácio do Planalto e o Legislativo.
Parecia mais importante a cota pemedebista na Esplanada no momento em que Dilma montava sua aliança do que a prisão do operador Enivaldo Quadrado, relegado a um canto discreto do noticiário. Ainda não se percebia que Quadrado era um figurante na orquestração de Alberto Youssef.
É complicado atribuir a destruição da Presidência de Dilma Rousseff apenas ao juiz Sergio Moro. A fundamentação do pedido de impeachment que tramita contra ela atualmente, questionável ou não, passa ao largo das questões de natureza jurídico-policial. O tema de fundo é o labirinto econômico em que o país está metido. É razoável pensar que o mandato de Dilma poderia ser questionado mesmo sem as 63 delações premiadas que lastreiam a operação hoje.
O lance arriscado de Moro ao dar publicidade a um áudio que compromete nada menos que a presidente da República e o caos e desastre em que se transformou a posse de Luiz Inácio Lula da Silva na Casa Civil fazem pensar que os principais efeitos da Lava-Jato ainda possam ser vistos no futuro.
Hoje o Poder Judiciário claramente se sobrepõe ao Executivo e ao Legislativo, uma vez que se constata o total comprometimento da linha sucessória. Desestabiliza qualquer arranjo entre os outros dois Poderes para a costura até 2018 e depois de 2018. Não há como escapar de seu espírito. Não há como fugir de sua presença. Está na asas da alvorada e na profundidade do mar, e nem as trevas prevalecem sobre ele, como o Deus onipresente do salmista.
Há especialistas como o professor Michael Mohallem, da Fundação Getulio Vargas do Rio, que acreditam que o foro privilegiado de Lula fará com que o Judiciário exerça a autocontenção e defina os próprios limites, o que significa calibrar a Operação Lava-Jato, mas não necessariamente dar sobrevida a Lula, como indicou a duríssima fala contra o ex-presidente feita pelo ministro Celso de Mello, o decano do Supremo. "A República, além de não admitir privilégios, repudia a outorga de favores especiais e rejeita a concessão de tratamentos diferenciados aos detentores do poder ou a quem quer que seja", advertiu Mello, segundo relato da repórter Carolina Oms, em um sinal que o foro privilegiado pode colocar Lula em uma situação ainda mais delicada que o mal que poderia lhe ser feito em Curitiba.
Sob a enganosa proteção do foro, Lula pode partir para uma ofensiva muito mais concreta para restaurar o primado do Executivo e do Legislativo no jogo político: usar seu posto na Casa Civil para mudar o arcabouço legal e tentar assim uma nova blindagem. Por este modelo, mencionado como uma possibilidade pelo professor de Direito Penal da Universidade Mackenzie, Evandro Fabiani Capano, Lula seria algo como um novo Berlusconi.
O magnata italiano, três vezes primeiro-ministro da Itália, usou seus poderes para atuar no processo legislativo, diminuindo prazos de prescrição de crimes e tentando manietar a Justiça. Berlusconi governou por nove anos somados e foi o mais longevo mandatário italiano desde Mussolini. Um dos juízes protagonistas da Operação Mãos Limpas, Antonio di Pietro, terminou com 461 processos por danos morais.
A blindagem que Berlusconi conseguiu usando seu poder não foi tão perfeita, tanto que terminou excluído da vida política em 2013, mas demonstrou a resiliência dos meios e modos de se fazer política em seu país, frente ao furor renovador do Judiciário.
A dimensão política da ofensiva de Lula levou Moro a cruzar uma fronteira. Dar publicidade aos áudios não era necessário do ponto de vista técnico. Ao fazê-lo, Moro tomou uma decisão tão política quanto a de Dilma, comentou o juiz Max Paskin Neto, da comarca da justiça estadual em Maringá (PR), terra natal de Moro. Paskin Neto é um admirador do juiz da 13ª Vara Federal, mas afirma que a divulgação dos áudios, que teve seguimento ontem, foi um movimento reativo, mais que proativo.
O protagonismo do Judiciário na cena brasileira não nasceu no dia 18 de março de 2014. Começou a ser delineado em 1988, com a nova Constituição. Ganhou impulso com a adoção de mecanismos de autocontrole que garantiram ao Judiciário a independência, a partir da reforma constitucional de 2004, como assinala a pesquisadora Grazielle Albuquerque, que desenvolve doutorado na Unicamp sobre o aumento da exposição midiática da justiça.
O protagonismo do Judiciário também não é um fenômeno verde e amarelo. Ele se deu em velocidade semelhante a que se deu em outros países da América Latina que passaram por um processo de redemocratização.
Diminuiu no Brasil, como em países vizinhos, a noção clássica de que o poder Judiciário é inerte, age apenas quando demandado, dirimindo conflitos entre indivíduos e Estado e entre os Poderes.
Nos últimos anos, o Judiciário afasta-se destes princípios e avança em uma interpretação dinâmica da lei. É uma aproximação, guardada as diferenças, do modelo americano, em que a lei, por este ponto de vista, é uma sugestão, e não um mandamento.
Em países como os da América Latina, a proatividade do Judiciário fatalmente leva a uma reação dos palcos tradicionais da política, os poderes Legislativo e Executivo, em que se expressa a vontade popular. A gigantesca ofensiva representada pela Operação Lava-Jato aguarda uma reação, que poderá vir com Lula ou com o grupo político que vier a suceder o petismo.
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