- O Globo
O Brasil não é uma república de bananas, mas a oligarquia política e empresarial ferida pela Operação Lava-Jato precisa que ele seja.
É comum se atribuir ao príncipe Fabrizio de Salinas, personagem do genial romance “O leopardo”, a frase “Algumas coisas precisam mudar para continuar as mesmas”. O escritor Tomasi di Lampedusa nunca colocou essa frase na boca de Fabrizio ( Burt Lancaster no filme). Quem disse algo parecido foi seu sobrinho Tancredi (Alain Delon), um jovem oportunista e sedutor.
Salinas, um reacionário fatalista, disse que “tudo isso não deveria poder durar, mas vai durar”. A oligarquia brasileira pensa como Salinas, fala como Tancredi e faz qualquer papel para que nada mude.
Dando a impressão de que busca uma mudança, a Câmara dos Deputados votou o afastamento de uma presidente que maquiou as contas públicas, iludiu o eleitorado e conviveu com roubalheiras. Só numa república de bananas esse processo poderia ser conduzido por Eduardo Cunha, réu em processo que tramita no Supremo Tribunal Federal, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro. (Isso numa sessão em que algumas dezenas de marmanjos se comportaram como saltimbancos.)
Fora da jurisdição da república de bananas, 77% dos entrevistados pelo Datafolha querem a cassação de Cunha; 61% esperam que a presidente vá embora; e 58% gostariam que o vice Michel Temer fosse junto. Temer foi mencionado pelo menos duas vezes nas investigações da Lava-Jato, sempre no condicional. Ele teria influenciado a nomeação de dois larápios. Um, durante o tucanato; outro, na república petista.
O processo seguiu para o Senado, presidido por Renan Calheiros. O STF mantém em segredo o processo em que a Procuradoria-Geral da República o acusa de peculato. Tanto o senador quanto Cunha estão no índice onomástico de acusados de terem recebido propinas no escândalo exposto pela Lava-Jato.
Mais de uma centena de parlamentares respondem a processos no Supremo Tribunal Federal. Um, Paulo Maluf, está na lista de procurados pela Interpol. Há 21 denunciados no rastro da Lava-Jato, e, deles, 16 votaram pelo impedimento de Dilma Rousseff.
A rua pouco tem a ver com o que sucede em Brasília. As coisas só acontecem no Congresso porque desde 2013 a rua ronca. Mesmo assim, estão longe de ser a mesma coisa. Podem até ir na direção oposta. Na semana passada surgiu uma informação preocupante: a bancada do PMDB na Câmara teria indicado Alexandre de Moraes, secretário de Segurança de São Paulo, para a Advocacia-Geral da União. Ele teria o apoio do Eduardo Cunha, para quem já advogou com sucesso. (Isso pode ser malvadeza, pois Cunha diz que foi Temer quem lhe apresentou o doutor.)
Num país que confia na Lava-Jato, a república de bananas admite a hipótese de se escolher um advogado-geral da União antes da escolha do ministro da Justiça.
O cidadão é obrigado a viver em duas realidades. Vai para a rua pedir a saída de Dilma Rousseff e descobre que marchou com um cordão que blinda Eduardo Cunha. Vê que a ciclovia de São Conrado desabou, matando duas pessoas, e descobre que a obra ficou com a empreiteira da família do secretário de Turismo da cidade. Custou R$ 45 milhões, dez a mais do que o previsto, e teve oito aditivos. Rapidamente, o cidadão foi da oitava economia do mundo, sede das Olimpíadas, para a Terra dos Papagaios, uma república de bananas.
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