sexta-feira, 6 de maio de 2016

Cunha tem mandato suspenso e perde o comando da Câmara – Editorial / Valor Econômico

O Supremo Tribunal Federal afastou Eduardo Cunha do mandato de deputado federal e, assim, da Presidência da Câmara dos Deputados, marcando o início do fim da carreira política do líder peemedebista. Desde agosto de 2015, está em mãos do STF denúncia da Procuradoria Geral da República, aceita em março de 2016, alinhando nada menos de 60 operações de lavagem de dinheiro. O ministro Teori Zavascki aceitou um pedido de liminar que pedia o afastamento de Cunha da linha sucessória e despachou: "Ele não possui condições pessoais mínimas para exercer em sua plenitude as responsabilidades do cargo".

O STF demorou para começar o acerto de contas judicial com Eduardo Cunha, por estar na delicada situação de abrir um precedente, e um vácuo legal indesejável, ao interferir no Poder Legislativo e alijar o presidente da Casa. Cunha continua com foro privilegiado, em um limbo, do qual talvez possa sair renunciando à Presidência para reaver o mandato.

Ao conceder a liminar, logo no início da manhã, Zavascki afirmou que o caso não era trivial. "Situações de excepcionalidade, em que existam indícios concretos a demonstrar riscos de quebra da respeitabilidade das instituições, é papel do STF atuar para cessá-los, garantindo que tenhamos uma república para os comuns, e não uma comuna de intocáveis".

Que uma condenação a Cunha não tenha vindo antes pela Câmara diz muito sobre o estado de decomposição moral da atual legislatura. Em reação à decisão de Zavascki, partidos que compunham a ingovernável base aliada de Dilma, e que hoje se alinham com Michel Temer - PMDB, PP, PSC, PTN, PTB, PR, PSD e Solidariedade - consideraram absurda a interferência do Judiciário.

Objeto de processo na Comissão de Ética na Câmara, por ter mentido de livre e espontânea vontade à CPI da Petrobras ao afirmar que não tinha contas no exterior, Cunha e seu bando impediram até agora, por todos os meios, que ela desse qualquer passo rumo a uma conclusão. No comando do Legislativo, dirigiu com celeridade o processo de impeachment da presidente Dilma.

A Operação Lava-Jato abalou os alicerces de um pacto político soldado a propinas provenientes de obras públicas, mas Cunha não se intimidou com as denúncias contra si e mais quatro dezenas de políticos para continuar a trabalhar em benefício próprio. Inatingível até ontem, ele pretendia influir na escolha do próximo secretário da Receita Federal ("O Estado de S. Paulo", ontem) sob o governo Temer, enquanto lotava com deputados com suspeitas graves no currículo para liderar comissões importantes da Casa. Seu vice no comando da Câmara é Waldir Maranhão, denunciado por receber propinas no petrolão.

Cunha contou com a impunidade para avançar em sua carreira até que a Lava-Jato revelou-o como dono de uma fortuna não declarada obtida por meio de negócios ilícitos. Em quatro contas na Suíça e uma nos EUA, o deputado guardava R$ 70 milhões. Seu patrimônio pode ser maior, mas o declarado à Receita é de R$ 1,6 milhão. Desde que entrou para a vida pública pelas mãos de PC Farias, tesoureiro de Fernando Collor, ele deixou rastros de transações suspeitas por onde passou. Poderoso, como de fato se tornou, julgou-se invulnerável.

Até ser abatido pelo STF, o líder peemedebista preparava-se para cobrar a fatura de seu trabalho bem-sucedido contra a presidente Dilma de seu companheiro de partido e aliado, o vice-presidente Michel Temer. O afastamento de Cunha tem efeitos ambíguos para Temer. Os sinais notórios de corrupção graúda que o líder da Câmara arrasta atrás de si e seu papel no desencadeamento do impeachment nublaram a perfeita vitrine moral na qual a oposição pretendia mostrar o processo ao distinto público.

Com Cunha fora de jogo, Temer não terá mais essa sombra ao seu redor. Temer, porém, depende de maioria parlamentar sólida, que lhe permita aprovação rápida de medidas essenciais e, nesse ponto, o peemedebista fluminense, líder do "centrão", com seu rolo compressor, tornará as coisas mais difíceis. Por outro lado, ele se tornou poderoso demais no Congresso para não se transformar em um estorvo para qualquer governo.

Como radialista na rádio Melodia do Rio, em 2001, Cunha terminava seus programas bradando: "O povo merece respeito". Com a sentença do STF ontem, o povo pelo menos desta vez vai tê-lo.

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