A suspensão do mandato do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e seu consequente afastamento da presidência da Câmara, conforme decidido na manhã de ontem pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki, pôs um freio na trajetória deletéria desse político que nunca fez outra coisa senão usar seu profundo conhecimento do Regimento da Câmara e seu poder institucional para auferir ganhos pessoais e escapar da adequada punição pelos delitos que lhe são imputados. Seu notório desprezo pela lei e pela Justiça conspurcava a democracia.
A liminar de Teori, tomada a partir de requerimento da Procuradoria-Geral da República, foi submetida ao plenário do STF ainda ontem e confirmada, mesmo com Cunha, catedrático em arranjos e conchavos, arregimentando colegas parlamentares para criar um movimento contra a decisão, invocando a independência do Legislativo. Não se sabe que cartas Cunha ainda pode ter na manga, mas ficou claro ontem que seus dias de impunidade na Câmara estão contados.
Decerto não foi fácil a decisão de Teori. Nunca é desejável, por melhores que sejam as intenções, que um Poder da República interfira em outro. Ao determinar que Cunha não pode exercer seu mandato e, portanto, está impedido de presidir a Câmara, Teori invocou a urgência do momento: “Em situações de excepcionalidade, em que existam indícios concretos a demonstrar riscos de quebra da respeitabilidade das instituições, é papel do STF atuar para cessá-los, garantindo que tenhamos uma república para os comuns, e não uma comuna de intocáveis”.
A “situação de excepcionalidade” a que Teori se referiu é conhecida de todos. Com o provável impeachment da presidente Dilma Rousseff e sua substituição pelo vice Michel Temer, Cunha, como presidente da Câmara, passaria a ser o primeiro na linha sucessória da Presidência. Como o deputado tem contra si um sem-número de acusações de corrupção, o País se veria na perigosa situação de ser presidido, na ausência de Temer, por um réu do Supremo. Eis aí um dos riscos de “quebra da respeitabilidade das instituições” à qual se referiu o ministro. Para Teori, “não há a menor dúvida de que o investigado não possui condições pessoais mínimas para exercer, neste momento, na sua plenitude, as responsabilidades do cargo de presidente da Câmara dos Deputados, pois ele não se qualifica para o encargo de substituição da Presidência da República”.
O outro risco a que aludiu Teori era a desmoralização completa da Câmara, refém das manobras de Cunha para obter “fins ilícitos e vantagens indevidas”, conforme a acusação da Procuradoria-Geral, e também para manter seu mandato. A Procuradoria-Geral relacionou 11 argumentos para embasar sua petição, a maioria dos quais relacionada a casos de uso do mandato de deputado e do cargo de presidente da Câmara para cobrar propinas, intimidar desafetos e obstruir investigações.
Por esse motivo, a Procuradoria-Geral entendeu que não bastava afastar Cunha da linha sucessória da Presidência, como pretendia um requerimento enviado pelo partido Rede ao Supremo. Era preciso afastá-lo também da presidência da Câmara – função que ele tem usado para inviabilizar seu processo de cassação – e de seu mandato, uma vez que Cunha é acusado de se valer de sua condição de deputado para delinquir. Teori aceitou o argumento.
Ao fazê-lo, o ministro sabia que poderia ser acusado de interferir em outro Poder. Ele enfrentou a questão argumentando que tanto o mandato parlamentar quanto o cargo de presidente da Câmara não podem “servir de anteparo para a frustração da jurisdição penal”.
Em sua deliberação, Teori sublinhou que se tratava de “situação extraordinária, excepcional e, por isso, pontual e individualizada”. Essa situação é a evidente tentativa de Eduardo Cunha de sequestrar a Câmara para continuar impune, o que exigiu do Supremo uma atitude que o Legislativo, manietado por espertalhões, se mostrou incapaz de tomar. A urgência de restaurar a dignidade da Câmara e o respeito à lei se sobrepôs ao risco institucional que a interferência de um Poder sobre outro acarreta. Afinal, como escreveu Teori, “os Poderes da República são independentes entre si, mas jamais poderão ser independentes da Constituição”.
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