• Há uma Câmara sem cabeça e um Executivo com duas (e nenhuma)
- Valor Econômico
A crise política, que muitos consideravam se aproximar de um desfecho, ou pelo menos de um refluxo, ganhou novo fôlego com o afastamento de Eduardo Cunha do exercício de seu mandato - e logo da presidência da Câmara - pela decisão unânime de ontem do Supremo Tribunal Federal (STF).
O processo decisório está emperrado, em compasso de espera, com o Executivo e o Legislativo em frangalhos. Um vice-presidente da República deve substituir a titular, depois da votação do impeachment no Senado na próxima semana, em meio ao clima beligerante entre PT e PMDB que impede uma transição de governo cordata.
Um vice-presidente da Câmara, integrante do baixo clero e também investigado pela Lava-Jato, ascende ao comando da Casa, sem a experiência parlamentar - para não falar de insuspeição - que o momento exige. Quem é Waldir Maranhão?
O governo de notáveis pretendido - ou vendido aos quatro ventos - por Temer vai se transformando, como esperado, na decepção da montagem de um ministério constrangido por luta e estratégias políticas e manchado pela ficha corrida dos preferidos, a começar pelo senador Romero Jucá, cotado para o Planejamento.
Temer não vai ser Itamar. Não vai ter união nacional. Ao PSDB, que já pagou o preço da oposição por tanto tempo, não custa tirar o corpo fora para se distinguir do PMDB e da lama e do imbróglio reinante. Basta saber se é possível fazer o contorcionismo, o jogo de simulação, tendo figuras como o presidente nacional, o senador mineiro Aécio Neves, na mira da investigação da Procuradoria-Geral da República.
Os notáveis são repelidos pelos partidos, que disputam cada milímetro, ou centavo, dos espaços que lhes garantem recursos políticos e financeiros e que, por sua vez, geram votos e benefícios que fazem a máquina do poder girar.
Dilma prometeu manter direitos trabalhistas "nem que a vaca tussa". O ministério enxuto de Temer nasceu com cara de conversa para boi dormir. Não resistiria, óbvio, à lógica de barganha do Congresso, que cobra o preço inflacionado do suposto apoio a presidentes fracos. Foi assim com Dilma, que carece de popularidade. Será assim com Temer, a quem falta a legitimidade do voto direto. O pemedebista tende a ficar igualmente com a faca no pescoço empunhada por legisladores ávidos por cargos e que se sentem credores por sua ascensão à Presidência. A Lava-Jato ainda tem potencial de fazer muitos estragos, a não ser que se contente em punir petistas e empresários. Parte dos aliados de Temer, PMDB e PP à frente, está na mesma encalacrada, e pela lógica terá o mesmo destino.
Encontrar o ponto de estabilidade para a superação da crise política - e se resolver a recessão econômica - tem sido a tarefa mais difícil, pois o país passou a tropeçar nas próprias pernas na busca de saídas. Ou encontra soluções que levam a novos problemas, como num jogo de videogame em que vencer uma fase significa avançar para outra ainda mais complicada. Nem entramos na etapa mais dura de medidas impopulares e de ajuste fiscal que estão no horizonte. O tempo é da oposição. Não de estar ao lado de um governo que precisa tomar decisões duras, às vésperas de eleições municipais.
Afastar Cunha é o que a maioria da população brasileira gostaria que acontecesse, de acordo com pesquisas. Suas manobras e malfeitos ultrapassaram todos os limites. Mas só agora, quase cinco meses depois do pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, é que a Corte decidiu puni-lo, numa decisão considerada pelo próprio ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato, uma medida "extraordinária", que não está prevista na Constituição, e que deixa uma série de interrogações sobre os desdobramentos da crise. Por exemplo, se haverá eleições para a presidência da Câmara, se o presidente do Senado torna-se o próximo na linha sucessória, e se, neste caso, Renan Calheiros - que embora não seja réu é alvo de 11 inquéritos no STF - será a bola da vez, segundo o entendimento de que não poderá ocupar interinamente a Presidência da República.
Como Temer pode se equilibrar e ter condições políticas num terreno tão instável? Isso sem considerar sua própria situação. Também é citado na Lava-Jato por dois delatores - o senador Delcídio do Amaral e o empresário Júlio Camargo - que o apontaram como padrinho de diretores da Petrobras envolvidos no esquema de corrupção na estatal. Agora, condenação do TRE-SP o enquadraria na Lei da Ficha Limpa, de acordo com a Procuradoria Eleitoral Regional paulista. Neste caso, como Temer assumiria sendo considerado ficha suja e, logo, inelegível por oito anos?
Afastar Dilma também é o que a maioria da população brasileira gostaria que acontecesse, de acordo com pesquisas. Mas, tal como a decisão ontem do Supremo, se for definitivamente impedida, no final do julgamento, o será por meio de um processo controvertido, com um impeachment sem um claro crime de responsabilidade. Assim como Temer não será Itamar, Dilma não é Collor. Sua saída só é possível pelo "conjunto da obra", pela deterioração da sua base política e do ambiente econômico. E, assim, uma decisão extraordinária leva a outra.
Há quem veja no impeachment um caráter salutar, pedagógico, e de fortalecimento das instituições. Até agora, no entanto, seus benefícios não são evidentes, a não ser para atender o clamor do estrato mais organizado, que foi às ruas em grandes manifestações, e para servir aos interesses do círculo em torno de Temer. O empresariado, outra força motriz do movimento, aguarda as condições propícias para a retomada do crescimento. Os nós, porém, não foram desatados. No momento, há uma Câmara sem cabeça; na próxima semana haverá um Executivo com dois presidentes e ao mesmo tempo nenhum; e o Judiciário que tem se mostrado o único corpo com alguma capacidade de decisão, ainda que tardia, mas que não faz parte do processo decisório, de governo, de formulação de políticas. Em contraste, seu potencial é o de desestabilizar o sistema.
Não será de se estranhar se uma possível prisão do ex-presidente Lula figure entre os novos fatores de turbulência.
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