sexta-feira, 6 de maio de 2016

Em decisão inédita e unânime STF afasta Cunha da Câmara

Por unanimidade, STF acompanha Teori e vota por suspensão de Cunha

Márcio Falcão, Aguirre Talento – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Em uma decisão inédita e classificada de histórica por juristas e políticos, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quinta-feira (5) suspender o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do exercício do seu mandato parlamentar e da presidência da Câmara dos Deputados.

Por unanimidade, os ministros confirmaram a liminar (decisão provisória) proferida no início da madrugada pelo colega Teori Zavascki, relator da Lava Jato.

Quase cinco meses após a Procuradoria-Geral da República requerer ao STF a saída de Cunha do cargo, Teori acolheu os argumentos de que a permanência do peemedebista no comando da Câmara colocava em risco sua investigação por suposta participação no esquema de corrupção da Petrobras e também a análise de seu processo de cassação no Conselho de Ética da Câmara, além de ferir a "dignidade" da instituição.

Na avaliação dos ministros, as implicações apontadas a Cunha na Lava Jato e o uso do mandato para supostas práticas criminosas deixaram a situação do peemedebista insustentável para o exercício do mandato, uma vez que representam acusações gravosas. Os ministros apontaram ainda que os indícios são fortes de uso do cargo para cometer crimes, o que complica sua situação no tribunal, onde é réu na Lava Jato.

O presidente do STF, Ricardo Lewandowski, classificou a decisão de Teori de "comedida, adequada e tempestiva" diante de outras medidas, como a prisão preventiva.

Lewandwoski disse que o julgamento mostra que o Judiciário está "atento aos acontecimentos que ocorrem no país" e tem agido em seu devido tempo.

"O tempo do Judiciário não é o tempo da política nem o da mídia. Temos ritos, prazos que devemos observar [...] Não há ingerência, estamos atuando dentro dos limites. Uma eventual cassação continua com a Câmara, caberá de ser tomada se necessário", afirmou.

Segundo a ministra Cármén Lúcia, não há outra solução jurídica. A ministra disse que, ao tirar Cunha do cargo, o STF defende a Câmara e ataca a sensação de impunidade.

"Tal como também lembrado pelo ministro relator, o Supremo Tribunal Federal nesta decisão não apenas defende e guarda a Constituição como é de sua obrigação, como defende e guarda a própria Câmara dos Deputados para resguardar todos os princípios e regras que têm sido aplicados, uma vez que a imunidade referente ao cargo não pode ser confundida com impunidade", disse.

"O que marca o Estado de Direito é a ideia que nele não existem soberanos. Na medida em que fatos graves ocorrem no âmbito de um dado Poder sem possibilidade de resposta, de correção, nós já estamos fora do modelo de normal autonomia", reforçou Gilmar Mendes.

Celso de Mello disse que os elementos apontam que Cunha "tinha um só objetivo, o de viabilizar a captura das instituições por determinada organização criminosa em detrimento do interesse publico e em favor de detenções indefensáveis nos valores éticos".

"Fatos emergentes da determinada ação Lava Jato, que alegadamente envolvem participação do presidente da Câmara dos Deputados, sugerem que existe no âmago do aparelho de Estado uma aliança espúria de agentes públicos de um lado e de agentes privados de outro", disse o ministro. "Tais ações comprometem a sustentabilidade de um Estado democrático de direito", completou

Na sessão, os ministros tentaram mostrar unidade em torno da decisão de Teori e negaram interferência do Judiciário no Legislativo.

Luiz Fux afirmou que o caso de Cunha, que está na linha de substituição para a Presidência, tem que se equiparado as normas para o presidente da República, que é impedido de continuar no exercício do mandato se tiver denúncia recebida.

"Não há aqui nenhuma abordagem que se possa aludir a uma invasão de um Poder sobre o outro. Eventualmente, com a saída de um chefe do Executivo assume outro na linha de substituição, e há previsão constitucional que quando há recebimento da denúncia contra o titular do poder Executivo central, há uma suspensão dos exercícios da atividade política, o que é o que ocorre aqui nesse caso específico".

Em seu voto, o ministro Edson Fachin afirmou que o STF precisa enfrentar ainda a questão da restrição de prisão em flagrante para congressistas. "No que diz respeito à adequação, ao afastamento também se nos afigura cabível a todos os títulos consoante o iminente relator sustentou na perspectiva da suspensão quer do exercício da presidência da Câmara dos Deputados, quer do exercício do mandato parlamentar, diria apenas 'en passant', senhor presidente, do ponto de vista da adequação quiçá em oportunidade diversa poderemos verticalizar até mesmo o espectro do parágrafo II, artigo 53, no que diz respeito à imunidade parlamentar para também examinar hipótese de cabimento de prisão preventiva, mas o que está sobre a mesa é a medida cautelar que implica na respectiva suspensão. Na declaração de voto que vou juntar vejo presente todos esses requisitos e segundo as conclusões do ministro Teori Zavascki referendo a liminar", disse.

Não há prazo para o fim da suspensão de Cunha. A medida deve valer até que a Procuradoria avalie e informe ao STF que não há mais impedimentos para que ele exerça seu mandato. A cassação de mandato de Cunha só pode ser feita pelo plenário da Câmara.

Após a decisão do STF, foi possível ouvir fogos de artifícios do lado de fora do tribunal.

Processos
Mesmo suspenso, Cunha manterá o foro privilegiado, sendo investigado no STF. Ele já foi transformado em réu na Lava Jato pelo Supremo por suspeita de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro sob acusação de ter recebido US$ 5 milhões em propina de contratos de navios-sonda da Petrobras.

Ele ainda foi alvo de denúncia por receber suposta propina em contas secretas na Suíça, responde a três inquéritos e é alvo de mais três pedidos de investigação da Procuradoria para apurar supostas práticas criminosas no exercício do mandato.

Principal fiador do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, Cunha é tirado do comando da Câmara às vésperas da votação do Senado que vai decidir sobre o afastamento da petista, deixando de figurar na linha de substituição. Com a saída de Dilma, o vice-presidente, Michel Temer, assume a Presidência e Cunha se tornaria o primeiro na linha de substituição.

Essa possibilidade aumentou a pressão para que o Supremo analisasse a situação de Cunha. Os ministros vinham discutindo o assunto internamente e uma ação apresentada pela Rede na terça (3) pedindo a saída de Cunha foi a alternativa encontrada pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski, e o ministro Marco Aurélio Mello para resolver a questão.

Essa preferência para a ação de Marco Aurélio incomodou Teori, que é o relator de um pedido semelhante da Procuradoria. Diante da tendência dos colegas impedirem Cunha de integrar a linha de substituição, mas liberar sua permanência na presidência da Câmara, o relator da Lava Jato decidiu antecipar sua decisão.

Para Teori, caso a sinalização dos colegas se confirmasse, além de tornar juridicamente estranho esse fatiamento, também deixaria complicado para que ele decidisse individualmente tirar Cunha do mandato e do comando da Câmara e, portanto, decidiu colocar todo o quadro envolvendo o deputado para a decisão do plenário.

Antes de conceder a liminar, Teori anunciou sua medida apenas a Lewandowski e a assessores próximos.

Motivos
Teori acolheu os argumentos do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para a saída de Cunha, que apontou 11 situações que comprovariam o uso do cargo pelo deputado para "constranger, intimidar parlamentares, réus, colaboradores, advogados e agentes públicos com o objetivo de embaraçar e retardar investigações".

Na peça, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, chegou a classificar o peemedebista de "delinquente".

O ministro citou que a medida é excepcionalíssima, mas se justifica pela gravidade da situação. Segundo ele, a permanência de Cunha abala a harmonia entre os Poderes.

"Elementos trazidos, que há indícios de que o requerido, na sua condição de parlamentar, e mais ainda, de presidente da Câmara dos Deputados, tem meios e é capaz de efetivamente obstruir a investigação, a colheita de provas, intimidar testemunhas e impedir, ainda que indiretamente, o regular trâmite da ação penal em curso no Supremo Tribunal Federal, assim como das diversas investigações existentes nos inquéritos regularmente instaurados".

O ministro afirma que "embora não existam provas diretas do envolvimento do investigado nos episódios de extorsionismo descritos com riqueza de detalhes pelo Ministério Público, há uma miríade de indícios a corroborar as suspeitas de que o requerido não apenas participou dos fatos, como os coordenou".

Teori aponta que, como presidente da República não pode estar no cargo sendo alvo de denúncia recebida, a mesma situação se aplica aos substitutos e que "não há dúvida de que a condição de investigado do presidente da Câmara compromete a harmonia entre os Poderes da República".

"É igualmente necessário que o presidente da Câmara dos Deputados não figure como réu em processo, penal em curso no Supremo. Isso porque, ao normatizar as responsabilidades do presidente da República, o texto constitucional precatou a honorabilidade do Estado brasileiro contra suspeitas de desabono eventualmente existentes contra a pessoa investida no cargo, determinando sua momentânea suspensão do cargo a partir do momento em que denúncias por infrações penais comuns contra ele formuladas sejam recebidas pelo Supremo Tribunal Federal", afirmou o ministro.

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