- O Globo
Difícil remover os escombros do monstro. Não há mal que perdure. Liderança construída em cima de interesses escusos e subalternos, todos inconfessáveis, acaba sucumbindo ao tempo. A de Eduardo Cunha demorou até mais do que prevê a literatura política, embora nos últimos meses tenhamos assistido a cenas de bravatas, que foram se tornando patéticas com a evolução dos fatos, como as de “não tenho contas no exterior” e “não existe renúncia”.
Mas essa própria renúncia é a última encenação de uma ópera bufa, cujo primeiro ato começou com a ascensão do deputado à liderança do PMDB na Câmara e terminará, certamente, na cassação do seu mandato. A manobra é estúpida e inútil: o país não quer Cunha fora apenas da presidência da Câmara, mas quer varrê-lo da política, tirando-lhe o mandato parlamentar. Cassar o mandato, a esta altura, não será difícil. Impossível será tê-lo fora da política, até porque já dizia o maior líder que o partido de Cunha já teve, Ulysses Guimarães: “Mais difícil do que matar um monstro é remover seus escombros”.
Essa alma penada continuará vagando por aí, usando agora seu último recurso de influência, a chantagem, contra todos aqueles que foram contemplados com as suas benesses nada republicanas. E o que mais instiga é que essa sua “influência” não se limita apenas ao Congresso, onde sempre existiu um terreno fértil para as suas ações caridosas, mas, principalmente, ao Palácio do Planalto.
Por isso, já passou da hora também de o presidente Michel Temer mostrar à nação que não existe cordão umbilical ligando-o a Cunha. Não basta dizer. Tem que demonstrar. E que não venha o governo provisório com a argumentação de sempre de que, para manter-se permanente, tem que negociar com qualquer um. Isso fere o preceito da moral pública, tão repetido pelo próprio Temer.
É trágico, também, ver a Câmara ter a sua disputa mais importante pautada por quem saiu escorraçado da cadeira de presidente. O chamado “novo centrão”, uma reedição moderna do ajuntamento ideológico de direita criado na Constituinte, que, sem dúvida, tem hoje a maioria na Casa, patrocinou o acordo da renúncia de Cunha, em troca da manutenção do seu mandato. Ou seja, a de eleger um outro pau-mandado seu, entre tantos paus-mandados que se multiplicam em funções e cargos importantes na Mesa e nas comissões técnicas.
É o caso de se repetir o que dizia Ulysses acima: “será muito difícil remover os escombros do monstro”.
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