• “A Câmara está ferida e, para uma restauração, precisaria de uma pessoa sobre a qual não pairassem dúvidas éticas”
- O Globo
Cunha não resume o drama político do país. A renúncia de Eduardo Cunha à presidência da Câmara dos Deputados fecha um ciclo, mas não resolve o problema. O longo processo até sua queda revelou muito da fragilidade institucional da Casa, que ele comandou de forma imperial demais, por muito tempo. A Câmara está ferida e, para uma restauração, precisaria de uma pessoa sobre a qual não pairassem dúvidas éticas.
O governo tentará escolher um candidato que una a base, mas é preciso mais que isso. O processo de representação política no Brasil está em frangalhos, após todas as revelações que os investigadores da Lava-Jato fizeram sobre os parlamentares.
Cunha tentou fazer o país inteiro de bobo negando a titularidade dos recursos no exterior. Um “trust” é apenas um produto financeiro que o cliente do banco escolhe. Ele pode ter conta-corrente, ou escolher outra modalidade de depósito na instituição. Com essa confusão deliberada, e primária, o deputado manipulou o Conselho de Ética da Casa por longos meses.
Ao renunciar, ele apresentou mais uma vez a versão de que está sendo punido por ter tido a coragem de conduzir o processo que tirou o poder o PT. Do que falou, a única verdade foi que o governo Dilma deixou como herança 12 milhões de desempregados e a desordem fiscal. Por isso, os próprios petistas não querem a volta da presidente. Sabem que a administração ruinosa deixa poucas possibilidades de sucesso ao governante, seja ele qual for. Mas, evidentemente, não foi por aceitar a denúncia contra a presidente que ele foi levado à renúncia. Cunha caiu pelos seus muitos erros, alguns cometidos em consórcio com o governo contra o qual investiu.
O vice-presidente da Caixa Econômica Federal, Fábio Cleto, foi nomeado por ele no governo Dilma. E a presidente afastada aceitou que ele o nomeasse sem fazer maiores perguntas sobre seus propósitos no cargo, que tem o poder de aplicar o dinheiro do trabalhador brasileiro. A extrema perversidade desse episódio é que o dono do dinheiro não pode ter acesso ao seu patrimônio, mas, por delegação de Dilma, Cunha pôde. Cleto é apenas um personagem da cleptomania que sangra o país, mas é emblemático pela cadeia de transmissão de interesses que revelou na sua delação premiada. O vice-presidente da Caixa foi escolhido por um condenado da Justiça, Lúcio Bolonha Funaro, indicado por Eduardo Cunha e nomeado por Dilma. No cargo, ele assaltou o patrimônio do trabalhador no governo do Partido dos Trabalhadores.
A presidente afastada, Dilma Rousseff, defende a versão de que o impeachment é obra de Cunha. Esquece a aliança que os uniu por tanto tempo. Esquece os erros que levaram ao descalabro fiscal. De todo modo, seria preferível que o Supremo Tribunal Federal tivesse afastado Cunha, quando o procurador-geral da República pediu. O país teria sido poupado da dúvida que se instalou no processo de impeachment e que vem sendo explorado pelo PT.
A renúncia de Cunha não resolve o problema porque, por mais nefasta que fosse a sua presença no comando da Câmara dos Deputados, ele não resume todo o drama político vivido pelo país. O eleitor não confia mais nos eleitos, a Câmara não conseguiu se defender dos desmandos, e nada a protege contra outra escolha insensata.
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