• Com a PEC, despesa pública deve cair 0,5 ponto do PIB ao ano
- Valor Econômico
Definida a meta fiscal para 2017, fruto de uma nova política para o gasto, um campo de trabalho até então desprezado se descortina para os gestores públicos: avaliar se cada real da despesa orçamentária cumpre com seu objetivo.
Enquanto o aumento do gasto foi financiado pela expansão das receitas com impostos e contribuições, cuidar da qualidade de cada programa governamental não era uma tarefa de primeira grandeza.
Se, porém, o regime fiscal que se inaugura para o país for levado a sério, esse será um objetivo cada dia mais nobre.
A lei que permite compras governamentais com sobrepreço de até 25% condiciona o sobrepreço à geração de emprego e renda e inovação tecnológica da empresa fornecedora de bens e serviços. Nunca ninguém se deu ao trabalho de atestar se novos empregos foram criados ou se houve a adição de um centavo em inovação.
Esse é um padrão normal de comportamento dos governos e um exemplo do que é preciso mudar na administração do dinheiro do contribuinte.
O auxílio-doença custou ao Tesouro Nacional, em 2015, R$ 23 bilhões. Uma olhada mais cuidadosa identificou que desse montante, R$ 13 bilhões são pagos para pessoas que recebem o auxílio há mais de dois anos e por decisão judicial. Para suspender o benefício é preciso que a pessoa seja submetida a uma nova perícia médica que diga que ela está habilitada para o trabalho. Como a perícia não ocorre, o benefício continua sendo pago. Esse foi um caso tratado ontem pelo governo que anunciou a edição de medida provisória com as mudanças necessárias.
A Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) tem um orçamento anual na casa dos R$ 50 bilhões. Por ela, o portador de deficiência ou o idoso (acima de 65 anos) cuja família tenha renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo, tem direito a receber um salário por mês. Trata-se de uma política pública mais do que justificada. Só que 25% desse benefício de prestação continuada é concedido por ação judicial, o que leva a crer que alguma coisa está errada. Há juízes que consideram muito baixa a linha de pobreza definida, outros têm interpretações variadas sobre deficiência. Enfim a legislação, segundo avaliação do governo, precisa deixar mais claro o alvo que o benefício pretende atingir.
As desonerações e os regimes especiais de tributação são outros exemplos de incentivos sobre os quais não se sabe que benefícios trouxeram ao país. No caso das desonerações da folha de salários, o Ministério da Fazenda concluiu, no ano passado, que foi um programa caro que não correspondeu aos objetivos imaginados. O então ministro Joaquim Levy bem que tentou fazer uma poda profunda nas desonerações de folha, mas o Congresso aprovou bem menos do que foi proposto.
Os primeiros passos para se estabelecer, no setor público, a cultura da avaliação de programas e políticas começaram a ser ensaiados. Há um conselho interministerial especificamente com essa função. Os técnicos se reúnem duas vezes por semana e um dia por mês os secretários dos ministérios comparecem para checar o que já foi feito.
O secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, está encarregado de, junto com instituições internacionais, fazer a avaliação das grandes despesas do orçamento. As áreas de saúde e educação, por exemplo, tem orçamento de cerca de R$ 100 bilhões cada uma e, a partir de 2017, passam a se submeter à PEC do teto do gasto. "Vamos ver se não tem algum programa que não funciona. Sempre há uma área onde se pode economizar", disse ele.
Não se trata de retirar direitos conquistados, mas de concentrar os benefícios a quem realmente precisa deles. Nesse campo, há um imenso trabalho a se fazer que não rende popularidade ao governo nem manchetes de jornais. Até agora os sucessivos governos foram negligentes com a qualidade do gasto público, mas a escassez de recursos vai impor uma nova forma de governança.
Segundo o secretário, com a aprovação da PEC que estabelece teto para o crescimento do gasto público a despesa total deverá cair 0,5 ponto percentual do PIB por ano. Ou seja, o aperto tende a ser crescente.
Isso significa que se nos dois primeiros anos de vigência da PEC o governo não precisará da reforma da previdência para cumpri-la, nos anos seguintes, não terá como cumpri-la sem a reforma, explicou.
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O presidente interino Michel Temer disse na segunda-feira que "a partir de certo momento" o governo deverá adotar "medidas impopulares".
Provavelmente ele estava se referindo às medidas que começaram a ser divulgadas ontem, que não se esgotam com a decisão do déficit para 2017. Há muito a fazer no pós impeachment.
Esta pode ter sido apenas uma gentileza do presidente interino, ao avisar a população que, para consertar os danos cometidos pelo populismo fiscal, todos terão que pagar.
Com certeza, Temer está ciente de que nada é mais impopular do que a inflação de 10% ao ano, o desemprego de mais de 11 milhões de trabalhadores, a precariedade da saúde pública, a educação que produz analfabetos funcionais, a insegurança diuturna do cidadão.
Nada é mais impopular do que ver o dinheiro público escorrendo pela corrupção, que teve inimagináveis ganhos de escala, ou da ineficiência do gasto.
A popularidade de um governo é consequência dos resultados das políticas públicas que ele adota e da seriedade no trato do dinheiro do contribuinte.
Só com um ajuste fiscal perseverante e crível o país poderá ter crescimento econômico e taxa de juros decentes. A título de exemplo, o gasto com juros nominais da dívida pública correspondem a 7,57% do PIB (ou R$ 454 bilhões em doze meses até junho).
O momento é de intervenção cirúrgica para retirada do que devora as finanças do Estado e compromete o futuro de todos os brasileiros. Nessa hora, o que menos interessa para o sucesso da operação é a simpatia do médico.
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