Por Vandson Lima | Valor Econômico
BRASÍLIA - Sempre que questionado por repórteres, em conversas informais, sobre as relações pouco responsáveis de muitos parlamentares com o dinheiro público, Eunício Oliveira (PMDB-CE) remete ao episódio da chamada "farra das passagens", escândalo que revelou gastos milionários, entre 2007 e 2009, com o uso indevido de verbas de passagem aérea para custear viagens particulares de deputados no Brasil e no exterior.
Hoje senador, à época deputado, Eunício rememora o caso para então sacar uma resposta desconcertante: "Eu não tive problemas com aquilo. Nem uso essa cota. Eu tenho um avião".
Provável novo presidente do Senado a partir de quarta-feira - e consequentemente do Poder Legislativo, que terá a missão de analisar reformas importantes encaminhadas pelo governo -, Eunício Oliveira tem 64 anos e é participante de um restrito círculo de confiança do presidente Michel Temer. Sua eleição foi costurada com um arco de apoios que vai do PSDB ao PT.
Eunício é um homem rico. Sua fortuna, avaliada na casa de R$ 100 milhões, é em grande parte administrada pela holding Remmo Participações, cuja cota que lhe pertence é avaliada em R$ 19,7 milhões. A holding cuida de suas empresas de transporte de valores, rastreamento e segurança eletrônica, a Confederal e a Corpvs, que atuam em Brasília, Goiás, Tocantins e Ceará.
Eunício diz que, desde 1998, quando assumiu mandato de deputado federal, não tem qualquer interferência nos negócios, sendo apenas um recebedor de dividendos - um desenho que o protege de eventuais processos, que ficam subscritos à empresa. Era a Remmo que cuidava, entre outras, da empresa de serviços de limpeza Manchester, que mantinha contratos com a Petrobras e foi envolvida em denúncias de fraude em licitações. A parte que pertencia ao senador foi posteriormente vendida, assim como as revendas de automóveis em Belo Horizonte (MG) e Brasília, por "decisão empresarial".
Precavido, Eunício obteve junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma certidão de "nada consta", atestando não haver processos contra si no âmbito da Corte. Tomou a iniciativa após um ex-diretor da Odebrecht citá-lo como possível beneficiário em um esquema de propina, cuja participação nega veementemente.
Xodó do senador, a Fazenda Santa Mônica é o único negócio que ele ainda toca de perto. Trata-se de uma mega propriedade de 20 mil hectares - algo como 20 mil campos de futebol -, localizada entre os municípios de Alexânia, Abadiânia e Corumbá, em Goiás - a aproximadamente 150 km de Brasília. Engloba riachos, estradas federais e é dedicada à plantação de soja e criação de gado nelore (são cerca de R$ 5 milhões aplicados apenas na aquisição de animais). É para onde o senador se desloca quando não está em compromissos públicos na capital federal ou não vai ao Ceará.
A declaração ao TSE aponta ainda quase uma centena de outras pequenas propriedades, em áreas próximas, mas que na verdade foram compradas posteriormente e agregadas à área da Santa Mônica. No ano passado, uma ocupação da propriedade feita por 3 mil famílias ligadas ao Movimento Sem-Terra (MST), que durou oito meses, deixou de cabelos em pé até o Palácio do Planalto. À época, Eunício era um aliado de Dilma Rousseff. A fazenda foi desocupada.
O senador tem ainda, de acordo com sua última prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral, feita em 2014, aplicações milionárias em renda fixa (R$ 13,3 milhões em CDB, RDB e outros), outros R$ 2,1 milhões em LCA, vários lotes e imóveis em Brasília (que somados, alcançam pelo menos R$ 27 milhões), em Belo Horizonte (MG) e em Fortaleza (CE). Recentemente, repassou ao filho, engenheiro, sua parte em uma construtora em Brasília dedicada a levantar prédios comerciais para aluguel.
Formado em administração e em ciências políticas pelo Centro Universitário de Brasília (CEUB), Eunício chegou à cidade em 1978, com 25 anos. Havia cursado, sem concluir, Economia na Universidade de Fortaleza, onde se iniciou na política no movimento estudantil, filiando-se ao antigo MDB em 1971. Gosta de ser ver como um 'self-made man', que venceu pelo esforço e começou a trabalhar aos 13 anos.
Seu ingresso na política, contudo, foi impulsionado pelo sogro, o ex-presidente da Câmara dos Deputados Paes de Andrade, morto no ano passado. Três vezes deputado federal, comandou o Ministério das Comunicações entre 2004 e 2005, no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Eunício foi nos últimos 12 anos, e continua sendo, o homem forte das finanças do PMDB, tesoureiro da sigla durante o período em que Michel Temer presidiu a legenda. Reservadamente, um interlocutor lembra que este é um motivo decisivo para que o presidente sequer ensaie qualquer movimento, mesmo de bastidor, contra a postulação de Eunício para presidir o Legislativo. "Você acha mesmo que Michel vai se indispor com o cara que sabe onde ele botava cada centavo do partido?"
Normalmente visto como parte do triunvirato pemedebista que dá as cartas no Congresso - composto ainda pelo atual presidente Renan Calheiros (PMDB-AL) e Romero Jucá (PMDB-RR) -, Eunício costuma negar a aliança. A aliados, diz que Renan e Jucá são "inseparáveis" e que ele, por sua vez, atua junto ou separado de acordo com a conveniência.
Três episódios respaldam essa versão do provável novo presidente: em 2012, Eunício, que ingressara há pouco mais de um ano no Senado, encabeçou a ação de um grupo de pemedebistas que forçou Dilma a retirar Jucá e colocar Eduardo Braga (PMDB-AM) na liderança do governo. Jucá ocupava o posto desde o governo FHC.
Em 2015, Eunício teve a chance de derrubar Renan, que concorria à reeleição de presidente do Senado. Então adversário do alagoano, Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC) entregou a Eunício uma carta, com o apoio de 41 senadores (mais da metade da Casa), propondo que Eunício assumisse seu lugar na disputa. De posse daqueles votos, fatalmente venceria. Eunício não aceitou. Foi até Renan, deu-lhe ciência da situação e fechou acordo pelo apoio futuro. Renan venceu com 49 votos.
Eunício e Renan se falam e se visitam com frequência, mas a relação tem suas reservas justamente pela lembrança desse passado: recentemente, furando o acordo de 2015, Renan teria atuado para tentar emplacar Jucá como seu sucessor. Aliados atestam que Jucá foi "correto" com Eunício e conteve a iniciativa de Renan. Jucá tem com Eunício um acerto para sucedê-lo após 2018.
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