A eleição presidencial francesa, cujo primeiro turno foi realizado neste domingo (23), ilustra um desencanto agudo com os partidos tradicionais de centro-direita e de centro-esquerda, forças que dominaram as democracias do mundo desenvolvido no pós-guerra.
A votação fragmentada demonstrou tanto insatisfação como desorientação coletiva quanto ao rumo que se pretende dar ao país.
Candidatos radicais receberam mais de 42% dos votos, contra os 24% do vencedor da rodada inicial, Emmanuel Macron. Socialistas e direita moderada, os principais agrupamentos políticos desde 1958, não se qualificaram para o escrutínio decisivo, em inédito fracasso simultâneo.
Afora os pífios 6% dos sufrágios, os socialistas, que hoje ocupam a Presidência, já não conseguem conter o conflito, talvez ruptura, entre as tendências mais ou menos liberais do partido.
Desde os anos 1990, os contrastes ideológicos entre as agremiações moderadas francesas tornam-se cada vez menos nítidos.
Tais forças comungam também a incapacidade de dar conta de preocupações maiores do eleitor –lerdeza econômica, estagnação da renda de setores médios e insegurança causada por globalização, imigração e terrorismo.
Nota-se, pelos resultados de domingo, que nenhum candidato foi capaz de oferecer um programa abrangente o bastante para convencer a maioria.
A extrema-direita, de Marine Le Pen —que passou ao segundo turno—, e a extrema-esquerda, de Jean-Luc Mélenchon, rejeitaram a globalização, embora os eleitores de tais candidatos, na maioria os mais pobres, se dividissem quanto a imigrantes e reformas.
Candidato pelo movimento En Marche, Macron é entusiasta da União Europeia e social-liberal de programa similar ao da Terceira Via dos anos 1990. Faz menos de um ano, era ministro do governo impopular de François Hollande.
Embora seja o favorito no pleito presidencial, há dúvidas em relação ao sucesso de seu partido na eleição legislativa de junho. Pesquisas indicam, por ora, vitória da centro-direita mais tradicional.
A confirmar-se um cenário de coabitação (presidente e primeiro-ministro de partidos diferentes), o governo tende a enveredar por uma agenda mais enfática de redução do Estado. Era esse o plano de François Fillon, candidato dos Republicanos, cuja candidatura sucumbiu a escândalos.
Trata-se, sem dúvida, de tarefa inglória num país onde os impostos consomem 45% da renda de uma população habituada, por décadas, a generosos programas de seguridade social.
Se parecem bem menores os riscos de um desenlace radical, que jogaria França e Europa em crise de desfecho imprevisível, uma vitória de Macron tampouco prenuncia um futuro sem conflitos.
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