Após um susto, na terça-feira, quando o pedido de urgência foi rejeitado na Câmara, o projeto de reforma trabalhista possivelmente vai a votação esta semana. O relator Rogério Marinho (PSDB-RN) modificou 117 artigos dos 922 da Consolidação das Leis do Trabalho, nascida com um decreto do governo de Getúlio Vargas de 1 de maio de 1943. De todas as mudanças propostas, há duas que são mais polêmicas. A primeira, com boas chances de ser acolhida, é a que estabelece que a vontade expressa entre as partes na negociação (o acordado) preceda o legislado, desde que não se toquem em direitos fundamentais (férias, aviso prévio, FGTS, 13º salário etc). A segunda, o fim do imposto sindical, contribuição obrigatória de um dia de trabalho para sindicatos, federações e confederações, provocaria uma revolução na representação sindical. A possibilidade de sua aprovação é pequena.
O espírito geral da reforma é a flexibilização da legislação trabalhista, com a cobertura de zonas escuras criadas pela modernização tecnológica, como o teletrabalho (home office) e o trabalho intermitente. Ela procura pôr termo à rigidez, emaranhada em um cipoal de regras, da regulação de alguns direitos, como a possibilidade de parcelar férias, criar o limite de seis meses para que o banco de horas seja compensado, sob pena de as horas extras terem de ser pagas em dinheiro, a permissão de carga horária mais intensa para trabalhos que o exigem, de até 12 horas etc.
O projeto da reforma busca reduzir também as possibilidades de batalhas legais no mundo das relações de trabalho, que hoje inundam de processos os tribunais e, com isso, dar mais segurança jurídica e reduzir os custos para as empresas. Boa parte dos analistas vêm no bizantino detalhamento da legislação e em sua interpretação pela Justiça do Trabalho como uma inócua proteção ao trabalho em geral - na verdade, ela só abrange a parcela dos trabalhadores registrados. A rigidez e o detalhismo das normas, ao elevarem custos e estimularem conflitos judiciais, estão na raiz do enorme grau de informalidade existente na economia, para a qual ainda contribui, decisivamente, a alta carga tributária.
O arejamento dos acordos coletivos, na direção em que vai o projeto de reforma, chegou a ser proposto pela mais ativa central sindical, a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Da mesma forma, o fim do imposto sindical foi uma das principais bandeiras do sindicalismo combativo que emergiu da ditadura, liderado pela CUT, mas o tema foi arquivado quando o PT chegou ao poder. E os sindicatos ainda arrumaram novas formas de arrecadar mais, ao estipularem, além do imposto sindical, a contribuição assistencial decidida em assembleia e cobrada também de não sindicalizados. O Supremo Tribunal Federal declarou ilegal essa contribuição.
Há sintonia rara entre vastos setores do sindicalismo e das entidades sindicais patronais contra o fim do imposto sindical. Ele alimenta pelegos de ambos os lados há décadas e garante a sobrevivência de sindicatos de papel, sustentados por verba cativa que os desobriga de buscar representatividade. Em 2016, esse imposto arrecadou R$ 3,6 bilhões, distribuídos entre 10.817 sindicatos, 43 confederações, 549 federações e 7 centrais sindicais (dados de André Gambier, do Ipea). As entidades patronais vivem do imposto obrigatório, mas têm ainda a seu dispor as verbas do sistema S, com receitas de R$ 16 bilhões no ano passado, para 5.251 sindicatos e federações.
Ao contrário de vários pontos da reforma, o governo não tende a se empenhar a fundo na aprovação do fim do imposto sindical, que uniria contra si parte dos empresários e de líderes sindicais às vésperas da disputa decisiva da reforma da Previdência. Em entrevista à TV Bandeirantes, dia 16, o presidente Michel Temer disse: "Eu não mexeria nesse tema, com muita franqueza. Eu já estou mexendo em temas pesadíssimos". Mas ele detectou que a tendência do Congresso é de acabar com ele e já lançou opção conciliatória. "Se realmente for eliminada a contribuição sindical, depois nós verificamos uma fórmula (...), uma espécie de suporte financeiro para os sindicatos".
O fim do imposto sindical, com uma fase de transição, abriria espaço para a autêntica representação de empresários e trabalhadores. O imposto é um anacronismo vivo e o Congresso poderia surpreender, eliminando-o. Mas há muitos interesses em jogo e ambiguidade no governo para que esse passo seja finalmente dado.
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