Desde que a oposição conquistou a maioria da Assembleia Nacional da Venezuela, nas eleições de dezembro de 2015, o governo de Nicolás Maduro foge das urnas. Eleições municipais e estaduais não têm mais data para acontecer e a tentativa dos partidos anti-chavistas para realizar um referendo revogatório foi sepultada por uma manobra nada sutil do Conselho Nacional Eleitoral, órgão sob o comando governista. No dia 1º de maio, porém, o presidente venezuelano resolveu convocar um pleito para uma Assembleia Constituinte. O governo quer simplesmente abolir o Congresso e criar um substituto sob sua direção.
Desde que tentou transformar o Congresso em pó, quando em abril a Corte Constitucional atribuiu a si a tarefa de legislar, já que a Assembleia foi considerada em "desacato" e seus atos considerados inválidos, as divergências políticas foram parar nas ruas, de onde não saíram mais. Há um mês há manifestações diárias nas principais cidades do país, com confrontos com a polícia, mais de mil pessoas detidas e 33 mortes até agora, aí incluídas vítimas de incidentes em saques, que se tornaram constantes diante da grave e perene escassez de itens de primeira necessidade.
O governo não tem mais capacidade de ação nem uma política para enfrentar uma recessão que parece permanente, agravada por mais de uma década de intensa intervenção estatal e abolição das regras de mercado. A cada par de meses, como agora, Maduro anuncia um reajuste do salário mínimo para compensar uma parte da inflação descontrolada - o último, nesta semana, foi de 60% -, desta vez acompanhado de um inócuo congelamento de preços de bens inexistentes.
O vácuo da ausência de medidas para contornar a crise econômica terminal tem sido preenchido pela militarização da economia e da vida política. Os militares tornaram-se responsáveis por organizar e vigiar o abastecimento, obviamente sem sucesso. Maduro, por seu lado, anunciou a ampliação das milícias civis armadas para 500 mil em meados de abril, que se somam aos 165 mil homens das Forças Armadas Bolivarianas. A quantidade de pessoas com armas aumentou, mas não a segurança - a Venezuela é hoje um dos países mais violentos do mundo.
Enquanto reforça o escudo de proteção militar a seu governo, Maduro desfere golpes contínuos na oposição. Henrique Capriles, candidato presidencial derrotado em 2013 por Maduro por margem bastante estreita de votos, e o mais forte candidato opositor para a eleição de dezembro de 2018, perdeu seus direitos políticos por 15 anos, em 7 de abril, acusado de corrupção e incitação à violência.
Maduro faz um jogo muito arriscado, praticamente sem volta. Ao mesmo tempo em que sua popularidade despenca e a situação econômica torna-se a cada dia mais desesperadora, ele fecha todas as vias institucionais pelas quais as insatisfações possam desaguar. Na prática, ele colocou o parlamento na ilegalidade, deixando aos protestos de rua o papel de dirimir disputas que em regimes democráticos se dariam no Congresso. Ao fechar o caminho legal para a oposição, fortalece as alas da coalizão anti-chavista que já não acreditavam que o regime pudesse ser modificado pelas urnas e pregavam o enfrentamento direto pela derrubada do governo. Os atos do governo lhes dão razão e enfraquecem os moderados, dos quais Capriles é o maior expoente.
Para coroar uma obra ditatorial, Maduro convocou uma Constituinte como arma contra a oposição. Ela será "cidadã", não será integrada pelas "elites" e possibilitará "um grande diálogo de paz", exatamente o oposto do que Maduro tem feito. A Constituinte deverá ajudar o governo a "vencer o golpe de Estado". "O povo deve decidir se quer guerra ou quer paz", disse. Os participantes serão escolhidos nos movimentos sociais e nos municípios. Metade de seus 500 participantes será escolhida pelas "comunidades" dominadas pelos movimentos chavistas. Ontem o presidente entregou o decreto de convocação para a Constituinte ao Conselho Nacional Eleitoral, sem divulgar detalhes do processo de escolha.
A Constituinte substituirá a Assembleia Nacional eleita e porá fim ao simulacro de democracia que o país viveu até agora. A manobra será inútil para debelar a crise e acelerará sua fuga das sendas institucionais, possivelmente em direção a um golpe patrocinado pelos militares.
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