- O Globo
Há vários ângulos em cada um dos números deste tempo de recuperação lenta, difícil e conturbada que a economia brasileira está vivendo. A produção industrial tomou um tombo em março, mas o acumulado no trimestre interrompeu a série de 11 trimestres de retração. A balança comercial teve resultado recorde. Em apenas quatro meses, o saldo chegou a US$ 21 bilhões.
Nesses tempos de crise, o comércio exterior está ajudando a dar mais movimento à economia. Não apenas pelo superávit de US$ 7 bilhões de abril, mas porque depois de mais de dois anos caindo, as importações avançam. Está subindo toda a corrente de comércio. Isso é melhor que ter um alto superávit.
A indústria foi o setor mais atingido pela crise desde o começo, e tem tido alguns sinais positivos. Não recuperou o tempo perdido, mas teve bons janeiro e fevereiro. Em março, a queda foi a pior da série para este mês: -1,8%. O mercado projetava redução de 0,8%. Em dezembro havia crescido 2,3%.
O caminho da indústria tem sido sinuoso. Alguns segmentos avançam. Bens de capital tiveram alta de 4,4% na comparação com o mesmo período do ano passado. Os bens de consumo duráveis avançaram 10,5%. O número do trimestre ficou positivo em 0,6% e isso não é pouco para um setor que encolhe há quase três anos.
O economista Luciano Rostagno, estrategistachefe do Banco Mizuho, conta que os últimos números positivos puxaram para cima o resultado do trimestre anulando em parte a queda de março.
No comércio internacional, o bom resultado não pode ser explicado apenas pela recessão, que costuma produzir excedentes para serem exportados. Houve também aumento de importação, o que só acontece quando há elevação da atividade interna. No acumulado de janeiro a abril, o saldo ficou positivo em US$ 21,38 bi, ou 61% a mais que em 2016. As exportações foram de US$ 68,15 bi, alta de 21,8%. As importações avançaram 9,5%, para US$ 46,7 bi.
O crescimento da corrente de comércio — a soma dos dois lados da balança — é mais relevante para a economia do que o próprio superávit porque indica uma atividade mais forte. No acumulado de janeiro a abril a corrente cresceu 16,5%, ao contrário do que acontecia nos últimos anos. Quando o país começou a acumular superávit em meados de 2015, o motivo era a queda da demanda por importações. O efeito sobre a atividade, portanto, era negativo. No levantamento mais longo o problema ainda é notado. Em 12 meses, por exemplo, a corrente de comércio registra queda de 0,8%.
José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), destaca a mudança.
— A balança comercial está se tornando de fato positiva. Há pouco tempo, o país tinha superávit “negativo”. As exportações caíam, mas o saldo ficava no azul porque as importações despencavam ainda mais. Isso mudou.
Nas exportações, a alta é consistente. Contra abril de 2016, os embarques cresceram 27,8% pela média diária. No topo da lista estão as commodities, que subiram de preço. No ano, os embarques de soja cresceram 26,4%, com a supersafra e a melhora na cotação do produto. O minério de ferro, com o preço também em alta, avançou 128,6%. No petróleo bruto, a expansão foi de 142%. O temor com os efeitos da “Operação Carne Fraca” não se concretizou, em parte porque a reação do governo foi rápida. Contra abril de 2016, as vendas de frango cresceram 1,5%, as de carne bovina caíram 4,1%, e houve alta de 34,4% no valor da exportação de suínos, porque, segundo Castro, o Brasil recentemente abriu muitos mercados para a carne de porco.
O comércio exterior tem efeito no mercado de trabalho. A correlação entre emprego e exportação é mais nítida em alguns manufaturados como calçados, confecções e automóveis, diz José Augusto. O setor calçadista embarcou 14,4% a mais no ano; o de automóveis de passageiros, 48,6%; e o de veículos de carga, 75,8%. A agropecuária não é grande geradora de empregos, mas movimenta outros setores da economia como logística, máquinas agrícolas e fertilizantes.
A volta da economia ao crescimento continuará sendo lenta e cada número tem que ser visto de diversos ângulos para ser entendido. O pior passou, mas o bom momento ainda não chegou.
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