segunda-feira, 14 de maio de 2018

Denis Lerrer Rosenfield: Linha divisória

- O Estado de S.Paulo

O governo apostou na economia, que segue novos rumos, mas foi tragado pela moral

São inegáveis os ganhos obtidos nos agora dois anos do governo Temer. De profunda recessão com alta da inflação, o Brasil conseguiu seguir novos rumos, graças a uma agenda reformista que começa a apresentar seus frutos. A popularidade do presidente, contudo, é muito baixa, em clara dissonância com os benefícios trazidos ao País. Um novo norte foi apontado, mas os problemas morais atravessaram e contaminaram o atual governo.

É forçoso reconhecer que os acertos econômicos foram ofuscados pela própria negligência no enfrentamento das questões éticas. Ministros do atual governo foram presos, outros estão sendo investigados, transmitindo à sociedade a mensagem de que a corrupção não foi encarada como deveria. O governo apostou na economia e foi tragado pela moral.

Todavia a moral não pode ofuscar o que deve ser feito pelo Brasil. A limpeza das instituições, com a punição e condenação dos corruptos, não pode dar lugar à irresponsabilidade no tratamento das grandes questões nacionais. Os opositores do presidente Michel Temer não deveriam, oportunisticamente, aproveitar a ocasião para se oporem ao País e seu futuro. Os acertos do atual governo não podem ser negligenciados por seus erros cometidos no domínio da ética.

Acontece que os candidatos ao Planalto, para se afastarem de um presidente impopular, cobram distância das reformas empreendidas e das que foram apresentadas e não votadas, como as da Previdência e da simplificação tributária. Pensam no ganho imediato e não demonstram nenhuma preocupação com o futuro da Nação, que não se encerra com a eleição de outubro.

Diferentes presidenciáveis, tanto da oposição quanto da mesma seara governista, não dizem a que vieram. Perdem-se em discursos de cunho demagógico, sem nada declarar de preciso quanto ao equacionamento das questões nacionais.

Vão seguir e aprofundar as reformas ou apostam no retrocesso? Como vão enfrentar a necessária reforma da Previdência e os imorais privilégios do setor público? Vão regredir nas imensas conquistas da reforma trabalhista? Vão voltar a proibir a terceirização, em nome de uma anacrônica distinção entre atividades-meio e atividades-fim? Vão estourar as finanças públicas revogando a lei do teto do gasto público? Serão lenientes com a inflação? Aumentarão os impostos, em lugar de aprofundarem as reformas, em mais um ato de tolerância com a falta de controle da gestão pública?

Trata-se de questões centrais que deveriam ser seriamente apresentadas e discutidas. De nada adianta o comportamento escorregadio dos que se contentam com expressões genéricas de que teriam feito diferente. O País precisa de decisões, e não de tergiversações. A demagogia, se apropriada de forma geral em disputas político-eleitorais, torna-se particularmente inapropriada quando um país se encontra em situação de crise, devendo dar respostas precisas a problemas urgentes. A verdade não pode ser simplesmente escamoteada, sob pena de o Brasil comprometer seu futuro.

Tomemos alguns exemplos.

O teto do gasto público impôs um limite à farra reinante introduzida nos governos anteriores, como se o Estado tudo pudesse, sendo ele mesmo, na verdade, financiado pela sociedade. O Estado brasileiro asfixia cada vez mais as condições econômicas, que constituem a base dos ganhos sociais. Se a economia não cresce, não há como manter um distributivismo social que todos estimam justo. Não há mágica. Quanto maior for o desperdício nos gastos públicos e nos privilégios dos estamentos estatais, menores serão os recursos alocados para os mais necessitados.

Ora, uma regra que diria de bom senso, usada por qualquer responsável familiar na administração de seu orçamento, a de que não se pode gastar mais do que se ganha, torna-se motivo de grandes discussões demagógicas. Acontece que tal regra não poderá vingar em médio e longo prazos se não for enfrentada a reforma da Previdência, que engole fatias cada vez maiores dos recursos públicos. É a sociedade financiando privilegiados e os que não querem encarar as profundas mudanças demográficas no Brasil – e no mundo. O que pensam os candidatos a esse respeito? Vão compactuar com a irresponsabilidade, quebrando o País logo adiante?

Em busca dos votos dos desavisados e dos mal informados, esboça-se todo um processo de uma suposta revisão da modernização da legislação trabalhista, recentemente aprovada. Tem só seis meses de existência, mas seus detratores não cessam de repetir mentiras. É a ideologia esquerdizante tomando a cena pública. A situação alcança aí o paroxismo, pois se chega a falar de eliminação de direitos, quando nenhum desses foi suprimido!

O seguro-desemprego foi eliminado? E o 13.º? E o salário mínimo? E a licença-maternidade e paternidade? E as férias de 30 dias com um terço a mais de salário? E o FGTS?

Eis apenas uma pequena amostragem dos direitos que foram, todos, preservados! É má-fé dizer o contrário. O que houve foi uma flexibilização na aplicação desses direitos, reservando aos empregadores e trabalhadores a livre negociação e a capacidade coletiva de escolha. A alternativa é entre modernização ou retrocesso. Entre liberdade ou tutela estatal.

Com a nova lei de profissionalização da direção de empresas estatais, sendo o melhor exemplo o êxito na recuperação da Petrobrás, foi enfrentado um problema maior de uma espécie de sumidouro dos recursos públicos e, sobretudo, de combate à corrupção. Quanto maior o aparelhamento partidário das estatais e menor o cuidado com a gestão pública, maiores serão os focos de desenvolvimento da corrupção. Há também uma questão estrutural, envolvendo a privatização da maior parte dessas empresas. O cronograma está dado. De nada adianta combater a corrupção se as suas causas de fundo não forem abordadas!

O que os candidatos têm a dizer?
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Professor de filosofia na UFRGS

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