Por Cristian Klein | Valor Econômico
RIO - Há cinco anos, em maio de 2013, numa palestra para alunos do Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb), o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) - e agora ex-presidenciável - Joaquim Barbosa (PSB) afirmou que o Brasil tem "partidos de mentirinha". "Nós não nos identificamos com os partidos que nos representam no Congresso, a não ser em casos excepcionais. Eu diria que o grosso dos brasileiros não vê consistência ideológica e programática em nenhum dos partidos".
Quatro anos e meio antes, em diagnóstico aparentemente contraditório, Barbosa reclamava do excesso de poder dos dirigentes partidários. Durante votação do STF que confirmou a constitucionalidade da resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a fidelidade partidária, Barbosa mencionou a "partidocracia" no país.
Sugeriu que as agremiações políticas não são fundamentais para canalizar a vontade popular, a qual estaria hoje mais próxima das organizações não governamentais (ONGs). "É inequívoco que o poder político deriva do povo. Não dá para sobrepor o partido à intenção do eleitor. Seria a ruptura da soberania do povo. Os partidos políticos não substituem o eleitor como centro de referência política", disse. Na mesma sessão, o então ministro Carlos Ayres Britto pediu vênia para discordar: "Não há como o eleitor chegar aos eleitos senão pelos partidos políticos".
Os diagnósticos de Joaquim Barbosa são aparentemente contraditórios porque tratam de dimensões diferentes. Pelo lado da demanda, dos eleitores, há "partidos de mentirinha" porque eles não criam, em sua maioria, vínculos ou enraizamento na sociedade. Pelo lado da oferta, como entidades que recrutam, oferecem ou vetam candidatos ao mercado eleitoral, os partidos nacionais e seus dirigentes são onipresentes.
O Brasil tem o sistema partidário mais fragmentado do mundo e, no entanto, não facilita a vida de candidatos outsiders, como um Joaquim Barbosa, um Luciano Huck ou um Bernardinho, três forasteiros que declinaram das pretensões eleitorais à Presidência da República ou ao governo do Rio. Mas o que pode parecer, novamente, um paradoxo é o ponto de equilíbrio de um modelo que sabe até onde é possível esticar a corda.
O sistema político brasileiro é permissivo e aberto a ponto de abrigar 35 legendas, mas impõe seus limites. Barbosa refugou da corrida presidencial por suas razões pessoais (seja ganhar mais dinheiro ou não ter a vida devassada e a reputação manchada numa campanha virulenta), pela evidente falta de socialização na política (indisposição a aprender e se subordinar aos protocolos e códigos do meio) e por fatores institucionais que desestimulam o novo.
Aqui, a classe política vive sob condições de grandes incertezas para manter o cargo sob um conjunto de regras e características que geram alta competitividade: o sistema eleitoral é proporcional - ou seja, favorece a pulverização de partidos -; a escolha dos candidatos é franqueada ao eleitor (a lista não é fechada); e o número de cadeiras legislativas em disputa em cada distrito (magnitude) é elevado. Além disso, o modelo federativo cria 27 subsistemas partidários estaduais e 5.570 municipais.
São poderosas forças centrífugas às quais o sistema, por outro lado, compensa com fortes contrapesos. O mais evidente deles é o monopólio da representação dos partidos. Pode-se fundar quantas siglas quiser, mas ninguém concorre sem estar filiado a uma delas. É o cordão de isolamento. Não é à toa que atores políticos, personalidades midiáticas, supostas lideranças políticas que encararam revezes - Barbosa, Marina Silva, entre outros - defendem o direito de candidaturas avulsas.
Mas se a pulverização já leva o cenário eleitoral à imprevisibilidade e a administração pública à beira da ingovernabilidade, como seria se a legislação ainda permitisse candidaturas fora dos partidos? A proibição vai ao encontro de um mínimo de funcionalidade.
Sob esses pilares institucionais, a história da prática política brasileira é a história da autoproteção e dos mecanismos de reprodução do presente e do passado que buscam reduzir os efeitos das forças centrífugas.
Passado: o critério de distribuição do tempo de propaganda em rádio e TV, do fundo partidário e do recente fundo eleitoral é baseado na bancada federal eleita. São os principais recursos políticos das legendas, que reforçam a manutenção do status quo.
Presente: eleições estaduais e nacionais casadas entrelaçam projetos regionais e presidenciais que exigem uma coordenação nada individualista. Com a esperança de ser aclamado, Barbosa trombou com os governadores do PSB, à frente o paulista Márcio França, aliado do tucano Geraldo Alckmin.
São essas forças centrípetas que estabilizam um sistema partidário em que tudo poderia levar a uma gangorra aleatória entre uma eleição e outra. Não é o que acontece. Há seis disputas, desde 1994, PT, MDB, PSDB, DEM e PP formam um G-5 da Câmara com leves oscilações nas bancadas, à exceção do DEM, que recuperou seu peso na recente janela de transferência partidária.
Dificilmente, podem ser chamados de "partidos de mentirinha" na arena eleitoral - montada agora - ou na governamental, onde Barbosa um dia precisaria deles para sustentá-lo, se eleito fosse. Mais fácil encontrar, outsiders ou não, os "candidatos de mentirinha".
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