Por Maíra Magro e Luísa Martins | Valor Econômico
BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 7 votos a 4, restringir o foro privilegiado de parlamentares aos crimes cometidos durante o mandato e em razão dele. A decisão, histórica, terá impacto direto na forma de processar e julgar políticos acusados de crimes. Com o voto do ministro Gilmar Mendes, a Corte concluiu ontem o julgamento iniciado em 31 de maio do ano passado, envolvendo uma questão de ordem feita dentro de uma ação penal contra um ex-deputado.
Todos os ministros votaram por restringir o foro especial aos crimes cometidos durante o mandato. Esse período passa a ser contado a partir do exercício da função. Ou seja, se um deputado ou senador cometer um crime antes de exercer o cargo, ele será julgado por um juiz de primeiro grau, como qualquer cidadão.
Para crimes cometidos durante a função, o caso só será remetido à primeira instância quando o mandato terminar, a não ser que o processo já esteja prestes a ser julgado (na fase de alegações finais), situação em que permanecerá no Supremo. Atualmente, parlamentares são sempre julgados pelo STF, mesmo para crimes anteriores ao cargo.
Apesar da unanimidade pela restrição do foro, houve divergência quanto a sua extensão. Para a corrente vencedora, só os crimes cometidos em razão do exercício do mandato serão processados e julgados no STF. Crimes comuns, como agressão ou extorsão, serão remetidos ao primeiro grau. A solução foi proposta pelo relator, Luís Roberto Barroso, acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Marco Aurélio, Celso de Mello e a presidente da Corte, Cármen Lúcia.
Do lado vencido, quatro ministros defenderam uma mudança mais branda, pela qual todos os crimes cometidos durante o mandato - estando ou não relacionados a ele - ficariam no STF. A ideia partiu do ministro Alexandre de Moraes, que nesse ponto foi acompanhado por Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
Toffoli e Gilmar divergiram dos demais ao propor a restrição do foro para todas as autoridades que hoje contam com essa prerrogativa - como juízes, procuradores, membros de tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União, ministros de Estado e o próprio presidente da República. Para eles, será inevitável que isso ocorra, por questões de isonomia. Mas o julgamento acabou se restringindo aos parlamentares, já que o caso concreto tratava de um ex-deputado.
Mesmo votando por restringir o foro privilegiado, Gilmar, Toffoli e Lewandowski deixaram claro que discordavam da proposta. Para eles, a Constituição é clara ao prever que parlamentares serão julgados pelo STF, seja qual for o momento do crime. Eventual mudança, para eles, deveria ser feita pelo Congresso. Porém, como já havia maioria de votos nessa direção, eles optaram por seguir a corrente de Moraes. Gilmar reconheceu que, como o STF passou a receber muitos processos contra parlamentares, a situação acabou se tornando insustentável para a Corte. Ele lembrou que só o processo do mensalão demandou 4 meses e meio de julgamento, tomando 59 dias de debates.
No começo da sessão de ontem, Toffoli retificou o voto proferido no dia anterior. Ele defendeu que a mesma regra teria que valer para todas as autoridades detentoras de foro por prerrogativa de função.
Depois, ao dar o último voto do julgamento, Gilmar usou duas horas para tecer duras críticas à mudança que já se concretizara. Para ele, trata-se de um "engodo" a ideia de que o problema da Justiça brasileira se deve ao foro especial. "[Restringir o foro] não vai melhorar a Justiça criminal, pelo contrário, eu aposto que vai piorar." De acordo com ele, as varas criminais, que compõem a primeira instância penal, enfrentam uma situação "caótica" em geral. O ministro também apontou problemas que poderão surgir. "Medidas investigatórias e cautelares como ficam? Poderia juiz de primeira instância quebrar sigilo de qualquer um? Se o STF entende que pode investigar presidente... Poderia um dos mais de 18 mil juízes do Brasil determinar busca e apreensão no Palácio do Planalto?", questionou.
Após o julgamento, Barroso explicou que a Corte estipulou um princípio geral, mas reconheceu que "há muitas situações em aberto" que deverão ser analisadas em momento posterior. "Mas a ideia de que o regime de privilégios não é bom e que, portanto, o foro deve ser repensado de alto a baixo, vai se espraiar pela sociedade e a matéria vai voltar para cá", afirmou.
Uma das situações que devem gerar dúvida é o caso um parlamentar reeleito, mas investigado por crime cometido no mandato anterior. Não ficou claro se ele teria que ser julgado pelo STF ou se o processo seria remetido à primeira instância. "Isso não foi objeto da decisão, portanto essa é uma questão que talvez tenha que ser colocada", disse Barroso.
A partir de agora, a "baixa" dos processo será analisada caso a caso pelos relatores. Há alguns processos em que, pelo novo entendimento, está clara a necessidade de declínio de competência. Um deles é o inquérito contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG) que apura suposto esquema de prestação de informações falsas à CPMI dos Correios, em 2005, para esconder a relação entre o Banco Rural e o chamado mensalão mineiro. Aécio era na época governador de Minas Gerais. Como a investigação se refere a período anterior ao mandato de parlamentar, a investigação deve ser enviada a um juiz de primeiro grau. Já o inquérito que apura se o senador Romero Jucá (MDB-RR) cometeu corrupção ao fazer, em troca de propina, lobby nos Correios para que a entidade patrocinasse a Confederação Brasileira de Tênis, deve permanecer no STF. Isso porque as ilegalidades foram supostamente praticadas durante o mandato.
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