A aprovação, pelo Supremo, de uma versão restrita do tratamento especial na Justiça a deputados e senadores é apenas o início deste processo de mudanças
Deve-se comemorar o desfecho do longo julgamento da proposta de revisão do foro, feita há um ano pelo ministro Luís Roberto Barroso. Mesmo com as prováveis dificuldades e ainda indefinições que serão encontradas à medida que casos concretos comecem a ser examinados, o fato de a cobertura do foro para deputados e senadores se restringir a crimes cometidos nos mandatos e relacionados às suas funções significa um avanço.
Mais uma vez, o Supremo expôs a fratura em que “garantistas” como Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski assumiram posição conservadora na defesa do mínimo possível de mudanças na blindagem do foro. Registre-se a defecção no grupo de Marco Aurélio Mello. E o mínimo possível era a fórmula que havia sido proposta por Alexandre de Moraes de fixar o marco zero na diplomação do parlamentar, para cobrir todos os crimes ocorridos a partir daí com o manto do foro.
Dias Toffoli, diante da derrota prevista para os defensores do privilégio, aderiu à ideia básica de Moraes, sendo seguido por Lewandowski e Gilmar Mendes, com nuances. Não vingou. E ontem propôs estender a restrição do foro a todas as autoridades. Não prosperou.
O pano de fundo dos debates é o terror petrificante que toma conta dos políticos ao se imaginarem nas mãos de um juiz de primeira instância — se for Moro ou Bretas, muito pior —, e ainda mais na vigência da jurisprudência do STF da prisão decretada na segunda instância. Assunto incandescente que vagueia pela agenda da Corte. Que se tornou mais radioativo com a prisão do ex-presidente Lula, demonstração prática, ao vivo e em cores, de que a Justiça no Brasil pode ser mesmo republicana.
Na essência dos embates sobre o alcance do foro privilegiado está, na verdade, a redução da larga margem de impunidade que beneficia ricos e poderosos. Por isso, conhecido estudo da faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas voltou a ser alvejado nos debates. Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes dispararam contra o trabalho, que revelou índices de prescrições no Supremo e de condenações, refletindo uma baixa eficácia da Corte em ações penais, como são as de corrupção. Ei-los: apenas 0,61% dos réus são condenados de forma definitiva e ínfimos 5% dos processos são de fato julgados, porque muitos crimes prescrevem, devido à demora na tramitação. Eis por que o foro privilegiado é tão desejado.
Último dos onze votos, Gilmar Mendes, que defendia a manutenção do foro, fez extensa crítica à Justiça criminal de primeira instância — para onde irá boa parte dos processos hoje no Supremo —, aos juízes e promotores como categorias, mas não reverteu votos.
O oportuno julgamento surgiu de proposta feita por este ministro a partir do caso exemplar de um ex-prefeito de Cabo Frio que subiu e desceu na gangorra dos foros, enquanto trocava de cargos (de prefeito para deputado federal), e, com isso, o tempo o ajudou a fugir da Justiça. Esta também é uma questão a ser enfrentada.
Não se pode esperar que novelo tão intrincado como o do foro especial, de que se beneficiam mais de 50 mil autoridades, outra invenção brasileira, possa ser desenrolado apenas com o acórdão deste julgamento. Mas se ter dado início ao desembaraço do emaranhado já é um progresso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário