- Valor Econômico
Eleições deste ano vivem o risco da ilegitimidade
Na peça "Dom Juan", uma espécie de anti-personagem domina a cena e traça o destino do protagonista. Em um jantar promovido por Dom Juan, aparece o convidado de pedra, um fantasma de uma pessoa assassinada tempos atrás pelo anfitrião. Ao término da peça, o vilão é tragado pelo abismo. O convidado de pedra, que antes do desfecho oferecera a Dom Juan a possibilidade do arrependimento, está ali a mostrar o verdadeiro significado da vida de crimes do protagonista aos comensais. Chega como convidado para acabar com a festa.
O PT ameaça encenar esta peça este ano, seguindo por uma trilha já aberta por diversos precedentes no tempo e no espaço. Introduzir na eleição um fator disruptivo que deslegitima todo o processo.
A maneira mais extrema de se conseguir isso é a de apresentar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para que ela seja declarada inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em pleno processo sucessório.
Nesta estratégia, a forma mais ardilosa de causar o maior dano possível ao processo seria a de registrar um preposto de Lula como candidato no dia 15 de agosto, o último dia legal para registro da candidatura. E vinte dias antes da eleição, no momento final para modificação de chapa, retirar o preposto e substitui-lo pelo ex-presidente condenado.
Em menos de três semanas, dificilmente o TSE teria como examinar a ilegalidade da candidatura de Lula antes do primeiro turno das eleições presidenciais. A cassação da candidatura de Lula aconteceria neste caso provavelmente entre o primeiro e o segundo turno da eleição presidencial, mergulhando a sucessão no caos.
Esta alternativa de promover a judicialização total do processo político foi mencionada por um interlocutor do presidente Michel Temer, sem qualquer nexo com o petismo e com grande saber jurídico. Afirmou ser um cenário possível, mas disse desconhecer se Lula e o PT de fato consideram esta opção.
A tática do convidado de pedra pode ser usada, entretanto, de forma sutil. O PT adotaria o tão negado plano B, sem que o novo candidato represente de fato uma alternativa a Lula. Situações análogas já aconteceram em outros países.
Em 1973, a Argentina saía de um regime militar e eleições foram convocadas. O ex-presidente Juan Perón, contudo, era considerado inelegível. Em vez de buscar construir uma composição com outras forças de oposição à ditadura de então, como a União Cívica Radical, Perón optou por lançar um fantoche, Hector Cámpora, com o lema de campanha "Cámpora no governo, Perón no poder". Até então um dirigente pouco conhecido, Cámpora passou a ser chamado de "o tio", já que Perón era o pai do povo e sua terceira mulher, Isabelita, tentava ser a mãe.
O tio ganhou a eleição com facilidade, anistiou Perón e renunciou ao governo junto com seu vice, tudo em 49 dias, para que novas eleições pudessem ser convocadas e Perón concorresse. Foi exatamente o que ocorreu e a Argentina entrou em uma espiral de catástrofes que só terminaria em 1983, com o fim de uma outra ditadura militar.
A repetição do estratagema foi tentada sem sucesso no Paraguai em 1998. O general Lino Oviedo foi preso durante a campanha eleitoral por ter tentado um golpe militar dois anos antes contra o então presidente Juan Carlos Wasmosy. Sem ter como concorrer, foi substituído pelo vice, um empreiteiro chamado Raúl Cubas, que ganhou a disputa. No poder, Cubas demorou 72 horas para anistiar Oviedo. O gesto contudo despertou forte reação política, que resultaria meses depois no assassinato do vice-presidente e na queda do próprio Cubas.
Os exemplos da Argentina e do Paraguai são dois casos em que o plano B não significa tirar de cena o plano A. Foram apenas maneiras de usarem a via eleitoral para contornarem o impedimento de fato do líder máximo e reposicioná-lo no poder. O plano B entra na história como maneira de implodir por dentro o próprio sentido da eleição. Para tal, é imprescindível que o plano B não tenha luz própria, o que não parece ser o caso nem de Jaques Wagner, nem de Fernando Haddad, nomes que foram aventados no petismo.
Estes não seriam convidados de pedra. Não estariam lá apenas para lembrar porque Lula não pôde estar. Não fosse pela condição de ré no Supremo, Gleisi Hoffmann seria o nome natural para cumprir este papel.
Em sua coletiva de hoje, depois de visitar Lula na cadeia, a senadora paranaense mostrou que não há revisão na estratégia de judicializar o processo eleitoral. Disse a petista que Lula será inscrito candidato para discutirem "esta tal de lei da ficha limpa".
Uma aliança com Ciro Gomes, aquele que não passa no PT "nem com reza brava", conforme Gleisi teria comentado, de acordo com a jornalista Mônica Bérgamo, da Folha de S. Paulo, não pode de fato ser chamada de plano B. Representa outro plano. Se Lula é uma liderança personalista, qualquer um que vive ou tenha vivido no Ceará sabe que Ciro é muito mais, ainda que sem o carisma do caudilho petista.
Ciro no poder teria uma dívida a saldar com Lula, e certamente a pagaria, mas construiria a sua própria hegemonia, caso venha a ser bem sucedido na campanha e no governo, algo muito incerto. Seria uma vitória da centro-esquerda, mas significaria a superação do petismo e de Lula. Aderir a Ciro, para estas forças prestes a serem superadas, significará portanto um tipo muito amargo de renúncia.
Muito se fala em uma aproximação entre o PT e o Joaquim Barbosa. Difícil crer, pelo caráter disfuncional que tal junção teria. Alianças inesperadas só dão certo na política se ganham naturalidade. Não há unidade de propósito possível neste caso.
Caso se torne candidato, Barbosa tem como seu principal veio alimentador ser antissistema. Ele ganhou notoriedade por condenar hierarcas do PT no mensalão, não pode pretender chegar ao poder ajudado pelas pessoas atingidas na ocasião.
Ciro depende de Lula para ter competitividade. Uma das poucas coisas que se pode dizer da candidatura de Barbosa é que ela depende do oposto: de manter-se distante tanto do petismo quanto das demais forças do tradicionalismo político.
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