- O Globo
Não podemos aceitar de novo o populismo caudilhesco como uma forma de atraso a que estamos condenados
Governador de Minas, senador e ministro, eterno pré-candidato à Presidência da República, Magalhães Pinto dizia que a política é como as nuvens no céu. Você as contempla e, quando logo olha de novo para elas, já estão com outro irreconhecível e perturbador desenho. Nem parecem mais as mesmas nuvens.
Essa metáfora esperta serve sobretudo à política num ambiente democrático, onde tudo ocorre ao sabor dos ventos das ideias, sempre em conflito para que o mundo avance, e a vida se aperfeiçoe em cada crise. Quando as nuvens têm uma única e permanente forma, é porque estamos vivendo sob um regime autoritário onde não bate vento algum, onde não se permite contestação, nem mudança nos rumos da sociedade.
Nesse primeiro debate de presidenciáveis na televisão, tive a sensação de que as nuvens negras e inflexíveis a que nos acostumamos recentemente estão começando a ter vontade de bailar no céu da política brasileira. Elas talvez estejam adquirindo, para nossa contemplação inquisitiva, novas formas que podem ser mais lógicas e razoáveis, embora ainda meio tímidas pela falta de hábito de discussões que precisam ter consequência.
Vi na telinha pessoas que se dedicam à política para, certas ou não, levarem o país na direção que julgam mais conveniente. Uns são mais inteligentes; alguns se expressam com mais convicção; há os que têm um programa definido; outros ainda não sabem direito o que fazer. Mas vi o debate indispensável sobre o país sair da histeria e da intolerância das ruas digitais para a tentativa de encontrar uma saída, sem apelo à exceção antidemocrática. Mesmo que, às vezes, certos candidatos repitam barbaridades que me assustam sempre.
Para quem está atento à vida pública do país, faltou alguma coisa. E essa ausência nos deixou uma sensação amarga de que tudo aquilo podia ter sido melhor. Ou mais completo. O candidato do PSOL foi o primeiro e o único do grupo ase referira essa incompletude, ao que nos faltava na telinha: o ex-presidente Lula.
Já votei em Lula no passado, mais de uma vez. Como também já me desgostei bastante dele. Não sei se votaria nele agora, acho que não. Mas ninguém pode dizer, em sã consciência, que não sente falta de sua presença nas urnas, no próximo mês de outubro. Para consagrá-lo como um desses salvadores da pátria latino-americanos ou para mostrar, no voto, que o povo brasileiro está em outra.
Politicamente, acho um erro que um líder coma aprovação popular de Lula seja impedido de concorrera um cargo público. Isso seria a negação da vontade de grande parte do povo, do direi todos que desejam elegê-lo. Mas também acho que ignorar sua condenação e as consequências dela é uma atitude de desrespeito à ordenação do país e a todos que a seguem. Pois toda lei é um acordo entre cidadãos que desejam permanecer juntos, unidos numa mesma nação, com os mesmos fins. E, afinal, a Lei da Ficha Limpa foi sugerida pelo PT e sancionada pelo próprio Lula, quando presidente da República.
Entre a política e a Justiça, entre o desejo de uma parte da população (mesmo que eventualmente majoritária) e as regras que mantêm o país organizado (mesmo que eventualmente mal formuladas), o que fazer? Acho que só um brasileiro pode nos ajudar a desatar esse nó: o próprio Lula.
No final vitorioso de seu mandato, quando assinou a Lei da Ficha Limpa, Lula não podia imaginar que fosse encontrar tantos acasos adversos no futuro de sua carreira política. Mas aconteceu, e ele não pode, como líder popular em quem tantos confiam, deixar que seu interesse pessoal esteja acima dos interesses de seu partido e da própria nação. O populismo caudilhesco já nos causou muitos prejuízos, não podemos aceitá-lo de novo, como uma forma de atraso a que estamos condenados.
No passado, já vimos Lula ao lado de Paulo Maluf; como o vimos recentemente elogiar Renan Calheiros e Eunício Oliveira. Ele tem o direito de elogiar e se aliar com quem quiser, mas não pode protestar uma alma angelical de amor ao Brasil para fazer o que bem entende, em nome de uma suposição política. Se precisarmos mesmo de um “salvador da pátria”, é porque a nação não tem e não merece ter salvação. Só ao próprio Lula cabe a resposta a esse impasse; o resto é soprar contra o vento da democracia.
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