Na quinta-feira passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) inovou uma vez mais. Por 6 votos a 4, o plenário da Suprema Corte criou um benefício tributário que, segundo os cálculos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), terá um impacto negativo nos cofres da União de pelo menos R$ 49,7 bilhões ao longo dos próximos cinco anos. Além da perniciosa consequência fiscal da decisão, o STF assumiu um papel que não lhe cabe, recorrendo a meios que não são de sua alçada. A Suprema Corte não tem competência para determinar política fiscal e tampouco para inovar em matéria tributária.
Ao julgar dois recursos da União, o STF determinou que empresas de fora da Zona Franca de Manaus (ZFM), ao comprarem insumos produzidos na região e, portanto, isentos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), terão direito a contabilizar como crédito tributário o valor do IPI, como se o imposto tivesse sido pago. O poder público não apenas não cobrará o imposto, como devolverá, em crédito, o valor que em tese teria sido cobrado. Essa tese é de fato inovadora: devolve-se o que nunca foi pago.
A posição que prevaleceu no plenário do STF contou com o apoio do Estado do Amazonas, bem como de políticos e empresários que defendem os benefícios fiscais da ZFM. No entanto, a decisão pode ser prejudicial à Zona Franca, já que, ao estender um benefício que antes estava restrito às empresas da ZFM, a Corte diminuiu indiretamente as vantagens da empresa que lá se instalar.
A PGFN destacou que, a médio e longo prazos, o benefício concedido pelo STF poderá levar a um empobrecimento da variedade produtiva da região. Com o incentivo dado, muitas empresas tenderão a sair da ZFM, mantendo na região somente a parte de produção relativa aos insumos. “Em vez de produzir integralmente uma motocicleta, um aparelho de ar-condicionado ou uma TV na ZFM, as empresas preferirão transferir a maior parte do processo produtivo para o centro-sul, deixando em Manaus só a produção dos insumos: menos emprego, menos densidade tecnológica, menor efeito multiplicador na economia local”, lembrou Marcos Mendes, consultor legislativo do Senado, em artigo no Estado.
Vale lembrar que a concessão de benefícios fiscais, sem uma criteriosa avaliação de seus efeitos, não se mostrou benéfica para a economia do País. Desde 2003, ampliou-se enormemente o valor desses benefícios na esfera federal. Naquele ano, os gastos tributários representaram 2% do PIB (R$ 34 bilhões). Em 2017, o porcentual foi de 4,1% (R$ 270 bilhões). Em vez de acelerar o crescimento econômico, esse estímulo tributário, que agravou a crise fiscal do Estado, foi um dos fatores que levaram o País à recessão iniciada em 2014.
Ao defender a criação do benefício, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, disse que “aqui devemos ter em mente o federalismo de cooperação” entre os diversos Estados. Era o reconhecimento de que a decisão do STF produzirá impactos sobre os outros entes da Federação. Como se sabe, mais do que favorecer a cooperação, esse tipo de atuação do Judiciário dá ocasião a novos acirramentos na guerra fiscal entre Estados. Os entes federativos que se sentirem prejudicados pela isenção do IPI serão fortemente tentados a criar outros benefícios, agravando ainda mais a situação financeira dos entes da Federação.
O Poder Judiciário deve ser extremamente cauteloso ao adotar decisões com impacto sobre a política fiscal dos Estados. A definição dessa política compete aos Poderes Executivo e Legislativo, que estão sujeitos ao escrutínio e ao controle do voto popular. As inovações promovidas pela Justiça em matéria tributária agravam ainda mais a complexidade de um sistema reconhecidamente intricado e disfuncional, que retira produtividade e competitividade da economia nacional. Com os inúmeros desequilíbrios e distorções dessa seara, o melhor que o STF pode fazer é conter o seu ímpeto de, sozinho, querer administrar tributos. Suas inovações são caras. A de quinta-feira custará R$ 50 bilhões.
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