- O Globo
Com palavras e atos, Bolsonaro radicaliza na agenda ideológica. Mesmo quando é alertado para os efeitos negativos na economia e na reputação do país
Num intervalo de dois dias, Jair Bolsonaro censurou uma campanha publicitária, fez novas declarações homofóbicas e ameaçou cortar vagas em cursos de ciências humanas. As três ações mostram que o presidente está determinado a radicalizar na agenda ideológica. Mesmo quando é alertado para os efeitos negativos na economia e na imagem do país no exterior.
Bolsonaro interferiu no Banco do Brasil para vetar uma propaganda com foco da diversidade. A campanha proibida não tinha conteúdo político. O que incomodou o presidente foi a presença de jovens tatuados, rapazes de cabelo comprido e uma atriz transexual. Tipos comuns nas ruas do país, que o BB e seus concorrentes privados desejam atrair como correntistas.
O vídeo custou R$ 17 milhões e estava no ar havia duas semanas. Além de jogar o trabalho no lixo e derrubar um diretor do banco, Bolsonaro determinou a censura prévia a toda a publicidade do governo, informou o repórter Gabriel Mascarenhas na coluna de Lauro Jardim. O próximo passo pode ser a recriação do DIP, o finado Departamento de Imprensa e Propaganda.
Em café com jornalistas, o presidente renovou seu estoque de declarações preconceituosas. Referindo-se ao turismo internacional, disse: “Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade. Agora, não pode ficar conhecido como paraíso do mundo gay aqui dentro”.
A fala é irresponsável em vários sentidos. Reforça a discriminação e estimula o turismo sexual, ao sugerir que as brasileiras são mercadoria à venda. Além disso, prejudica um setor que gera emprego e traz dólares ao Brasil.
Na sexta, Bolsonaro anunciou o plano de “descentralizar investimento em faculdades de filosofia e sociologia (humanas)” e “focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte, como: veterinária, engenharia e medicina”.
O presidente endossou as palavras do ministro Abraham Weintraub, para quem os filhos de agricultores não podem sonhar com um diploma de antropologia. Antes de assumir o cargo, ele havia afirmado que os comunistas controlam os bancos, jornais e as grandes empresas. Seria o caso de dar risada se o autor da frase não estivesse à frente de uma área estratégica para o país.
A ameaça às faculdades também se enquadra na guerra cultural que Bolsonaro insiste em travar, usando o governo como arma e os brasileiros como cobaias. O presidente vê as universidades públicas como antros de subversivos. Numa simplificação grosseira, divide o meio acadêmico entre cursos profissionalizantes e escolinhas de doutrinação esquerdista. É uma visão obtusa, que ignora a necessidade de investir em conhecimento e a autonomia universitária, assegurada pela Constituição.
A cruzada do capitão vai muito além da defesa de ideias retrógradas. O objetivo é asfixiar quem não concorda com seus valores e não se encaixa em seu modelo de família. Há poucos dias, o deputado Eduardo Bolsonaro foi a Budapeste tirar fotos com o premiê Viktor Orbán, um dos autocratas que inspiram o clã presidencial. Para saber onde a nossa marcha obscurantista pode dar, vale ler sobre o governo de extrema direita da Hungria.
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