A Amazônia corre sérios riscos se o governo de Jair Bolsonaro não mudar sua orientação ambiental, o que parece hoje tão pouco provável quanto o presidente mudar seu comportamento. Não se trata de bobagens ditas ao acaso, mas de intenções que estão sendo levadas à prática, que terão consequências horrorosas. A mais recente incursão de Bolsonaro na questão foi desconfiar dos alertas que o eficiente sistema Deter, do Inpe, emitiu nos últimos meses, que indicam que o desmatamento voltou a crescer com força. Como se tornou hábito, primeiro o presidente disse que desconfiava dos dados e depois que um dos diretores do Inpe, que os mencionara, estava servindo ao interesse de Organizações não governamentais, o que no jargão bolsonarista significa um grupo de pessoas financiadas por estrangeiros para dominar a Amazônia.
Há correlação de 80%, segundo os técnicos, entre os dados de alertas emitidos pelo Deter e os números finais (coletados entre agosto e julho do ano seguinte). O Deter auxilia o governo a saber aonde a floresta pode estar sendo agredida - foram 1 mil km2 na primeira quinzena de julho, um avanço de 68% em relação ao mesmo período de 2018. Os números que o Prodes divulgará até o fim do ano serão menores, mas não muito. A tendência de aumento da devastação é real.
O governo quer filtros para, segundo Bolsonaro, não ser "surpreendido" pelos fatos, mas os ministérios relacionados à área são sempre municiados de dados. O que existe é desinteresse pelo assunto, em hipótese benigna, ou descaso ativo para com a sorte da floresta. Várias ações parecem confirmar a segunda suposição. Quando o Ibama destruiu material apreendido de madeireiros ilegais, o presidente veio a público dizer que não toleraria mais isso. Após pessoas a serviço dos madeireiros destruirem patrimônio do Ibama, um órgão depauperado, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi reunir-se com eles - antes, criou uma comissão de revisão das multas aplicadas pelo Ibama.
Bolsonaro não acha que tem de proteger o meio ambiente. Para ele, isso interessa apenas a "veganos", categoria na qual se encontram mais de uma centena de países, inclusive o Brasil, que fazem parte do Acordo de Paris. Quando vê uma paisagem, o presidente nela enxerga apenas garimpos e exploração turística. Bolsonaro fez carga contra a taxa destinada à proteção de Fernando de Noronha e, diante da vista exuberante da baía de Angra dos Reis logo imaginou em transformá-la na "Cancún brasileira". Ficou muito contrariado ao descobrir que não pode fazê-lo com uma canetada - o assunto é do Congresso. O governo acena com revisão geral das áreas de proteção ambiental, cujo objetivo é permitir ampla e irrestrita exploração comercial.
Anteontem, Bolsonaro disse a "O Globo" que pensa em incentivar o garimpo e coalhar o país de "Serras Peladas" - a original era a imagem do inferno na Terra. Como as grandes áreas demarcadas para os povos indígenas têm muita riqueza mineral o governo faz carga contra eles, sob a missão de resgatá-los do "zoológico" a que foram confinados. Pouco depois do cacique Emyra Wajápi ter sido encontrado morto, e os índios apontarem invasão de garimpeiros em suas terrar - a Polícia Federal investiga o caso - Bolsonaro ressaltava a necessidade de o garimpo ter acesso a essas terras, sob pena de haver um inusitado êxodo rural de proprietários para o exterior.
Convidar mineradoras para a disseminação de "Serras Peladas" pelo Brasil afora será uma das missões do futuro embaixador nos EUA, Eduardo Bolsonaro, se ele for aprovado pelo Senado. Pai e filho têm o mesmo sentimento belicoso em relação à natureza e desconfiança arraigada sobre o aquecimento global provocado pela ação humana que o presidente Donald Trump, a quem idolatram. O presidente desdenha as preocupações ambientais de seus críticos internos e externos. Ele pode desmarcar um compromisso com o ministro das Relações Exteriores da França para ir cortar o cabelo só porque o enviado de Macron se reuniu com ambientalistas. Há um acordo entre Mercosul e União Europeia a ser ratificado, mas o presidente não pressente que está arrumando confusão para o Brasil diante do segundo membro mais poderoso da zona do euro e o que mais cultiva o protecionismo.
O trabalho do atual governo vai na direção de desmantelar o aparato de proteção ao ambiente construído ao longo de décadas e o protagonismo conquistado pelo Brasil no cenário internacional. Só o Congresso pode corrigir os rumos do Executivo nessa área - e teme-se que possa fazer pouco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário