- O Estado de S. Paulo
Brasil seguiu a política e o bom senso ao ceder e salvar o parceiro Benítez no Paraguai
Depois de tantas declarações absurdas, posições surpreendentes e bolas fora na política externa, o governo Jair Bolsonaro fez um gol na solução da crise do vizinho Paraguai. O novo acordo de Itaipu era justo, mas o Brasil cedeu e reabriu as negociações por um objetivo maior: a questão política, que neste caso se sobrepõe à questão técnica, econômica.
O Paraguai é um país particularmente aliado, quase dependente do Brasil, e os dois atuais presidentes, Bolsonaro e Mario Abdo Benítez, são não apenas pragmaticamente parceiros, como ideologicamente identificados. Os dois, aliás, vêm da mesma Arma do Exército: são paraquedistas.
Logo, há a aproximação histórica, a questão de oportunidade e vários interesses conjunturais e estratégicos. Além das incontáveis empresas brasileiras que se instalam no Paraguai – graças às condições muito mais camaradas para os negócios – o Paraguai é, nada mais, nada menos, o país que mais cresce na América do Sul nos últimos 15 anos. O Brasil patina e passou por dois anos de recessão, enquanto o vizinho cresce à base de 4,5% ao ano.
Para completar, o Mercosul, que acaba de fechar um acordo histórico com a União Europeia, é formado por quatro membros plenos e, em três deles, há obstáculos, reais ou possíveis, para a implementação das medidas.
No Brasil, Bolsonaro não para de criar atritos desnecessários com os europeus, a ponto de desmarcar de última hora a audiência com o ministro de Negócios Estrangeiros da França, Jean-Yves Le Drien. Pior: alegou problemas de agenda e na mesma hora gravou um vídeo cortando o cabelo. Na diplomacia, isso é um tapa na cara.
Na Argentina, o presidente Maurício Macri vai enfrentar uma eleição difícil em outubro. E se ele não for eleito e o peronismo voltar? O Uruguai navega com mais facilidade, mas o Paraguai ganhou força e poder de negociação pelo pragmatismo, política econômica bem-sucedida e estabilidade política. Já imaginaram se Benítez passa por um processo de impeachment e cai? Seria uma tragédia para o pequeno país, má notícia para o Mercosul e um tranco nas negociações com a UE.
Com o país crescendo e a demanda de energia obviamente aumentando, os paraguaios simplesmente usam todo o excedente de Itaipu Binacional e ainda abocanham uma parte da cota garantida do Brasil – e com o mesmo preço camarada do excedente. Assim, o Brasil poderia ter batido o pé e exigido seus direitos, mas foi sensível à complexidade envolvida.
O acordo anulado ontem era justo e tanto o Brasil exigiu quanto o Paraguai admitiu, por saber disso. E por que o acordo foi secreto? Porque o governo Benítez cometeu o grave erro de esconder a negociação para tentar fugir da velha pressão de parte da sociedade paraguaia, especialmente da esquerda, que acusa o Brasil de “imperialista” e insiste há décadas que os paraguaios são sempre lesados. Nada mais falso. Não estavam, não estão.
Diante da decisão do Brasil de ceder, da anulação do acordo e da reabertura das negociações, ganham o governo Benítez, Itaipu, o Paraguai, o Brasil, os “brasilguaios”, o Mercosul e a implementação do acordo com a UE. É melhor para todos manter Benítez no governo.
Aqui vai, porém, uma advertência: isso não significa que o Brasil vá ceder em tudo e voltar ao que era. O que foi prometido pelo governo, e será exercitado, é “flexibilidade nas propostas, mas firmeza nos argumentos”. Ou seja, o Brasil cedeu para ajudar Benítez, mas nem por isso abdica de defender seus interesses.
Não seria nada mal se essa postura pragmática e de bom senso se repetisse nas relações com o resto do mundo e, principalmente, nas declarações do presidente Bolsonaro. Mas, aí, já é pedir demais...
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