- O Globo
Em vez de desacreditar o Inpe, o governo deveria trazê-lo como parceiro de uma campanha pela redução do desmatamento
O presidente Bolsonaro, que está ganhando medalha de ouro no campeonato mundial de tiro no pé, deu ontem mais dois, em temas de grande sensibilidade internacional. Voltou a acusar o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) de estar divulgando dados falsos sobre o desmatamento da Amazônia, talvez com má-fé, e vai ter que voltar para a Funai a demarcação das terras indígenas, por uma decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF).
É impressionante que o presidente não se importe com a repercussão para a imagem do país em questões envolvendo índios e desmatamento. Bolsonaro reconheceu que sua fama no exterior “é péssima”, mas a atribui a “rótulos” que colocam nele.
Não entende, infelizmente, que ajuda a fortalecer esses “rótulos” com atitudes como a de cancelar em cima da hora a audiência com chanceler francês Jean-Yves Le Drian.
O que já era uma desfeita diplomática grave piorou ontem quando, num dos seus rompantes, revelou a verdadeira razão do cancelamento. “O que ele foi fazer se encontrando com ONGs?”, perguntou Bolsonaro, confirmando nota publicada na coluna do Ancelmo de terça-feira, que dava conta de um encontro no domingo do ministro francês com ambientalistas.
Com relação ao Inpe, ele ontem cometeu o mesmo erro anterior, quando disse para correspondentes estrangeiros que os números eram falsos. O Inpe é um órgão do governo brasileiro reconhecido internacionalmente, que deveria ser aproveitado para ajudar a imagem do país no exterior.
Em vez de desacreditá-lo, o governo deveria trazê-lo como parceiro de uma campanha pela redução do desmatamento. Se, porém, como se desconfia aqui e no exterior, a política de seu governo é afrouxar os controles ambientais para favorecer o agronegócio, deveria se munir de dados científicos para rebater os do Inpe, e não ficar no achômetro.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, estimou, sem revelar em que se baseava, que o número do desmatamento, se utilizada a técnica correta, será cerca de 30% menor. Ora, uma redução nesse nível é realmente um dado importante nessa discussão, mas não pode ser “chutado”.
Seria preciso que o ministro estivesse acompanhado de um técnico respeitado, que explicasse a nova metodologia científica, e a contrapusesse aos números do Inpe.
Tendo essa base científica, deveria ter chamado os correspondentes estrangeiros para comprovarem que seu comentário no café da manhã não era mera especulação irresponsável.
Essa insistência de Bolsonaro de impor seus pontos de vista, sem aceitar decisões contrárias, foi ressaltada na reunião de ontem no Supremo Tribunal Federal pelo decano Celso de Melo, na sessão em que o plenário confirmou decisão, tomada liminarmente pelo ministro Luís Roberto Barroso, de retornar a demarcação de terras para a Funai.
O Congresso já havia vetado a medida provisória de Bolsonaro que transferia essa demarcação para o Ministério da Agricultura. O presidente insistiu com nova medida provisória sobre o mesmo tema, o que é proibido pela Constituição. Por isso, foi dada liminar no Supremo, ontem confirmada por unanimidade pelo plenário.
O ministro Celso de Mello, em seu voto, chamou a atenção para o fato de que não aceitar os limites impostos ao Executivo revela “uma inadmissível e perigosa transgressão ao princípio fundamental da separação dos poderes”.
Também alertou para o perigo de um “processo de quase imperceptível erosão” das liberdades da sociedade civil. No mesmo dia em que foi derrotado no STF, Bolsonaro lamentou na sua live diária nas redes sociais que a Justiça está “se metendo em tudo”.
Citou decisões recentes da Justiça revogando propostas como a retirada de radares das rodovias federais e a demissão de servidores comissionados. “Está uma briga, porque a Justiça, em cima da gente (…), quer que a gente mantenha radares multando você. É a Justiça, lamentavelmente, se metendo em tudo”.
Quem considera que Bolsonaro é um Jânio no mundo digital liga o alerta, pois acusar “forças ocultas” que o impedem de governar é repetir em farsa uma tragédia anunciada.
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