- Folha de S. Paulo
Bolsonaro pode até querer se tornar um tirano, mas precisa acertar muito antes de ter alguma chance
Bolsonaro representa uma ameaça à democracia? Não é preciso cavoucar muito a biografia do presidente para dela extrair gestos e declarações que escancaram seu pouco comprometimento com o sistema democrático. Ainda assim, penso que, ao menos pelos próximos dois ou três anos, nossa democracia está razoavelmente segura. Não digo que não experimentaremos retrocessos em outras áreas. O meio ambiente, por exemplo, já perdeu bastante com o novo presidente. A ideia de avanço civilizacional também.
Não vejo, contudo, grande perigo de ele sagrar-se ditador. Não porque Bolsonaro seja animicamente superior a autocratas como Vladimir Putin, Viktor Orbán, Recep Tayyip Erdogan ou mesmo a um Rodrigo Duterte. Ele não é. Nossas instituições até são um pouco mais calejadas que as de Rússia, Hungria, Turquia ou Filipinas, mas não acredito que a diferença fundamental esteja aí.
O que me parece realmente decisivo é que o processo de erosão da democracia promovido pelos líderes acima mencionados foi precedido por uma fase de pujança econômica. Na nova cartilha do autoritarismo, em que as instituições são minadas de dentro para fora, governantes só encontraram espaço para avançar quando gozam de forte amparo popular, calcado em bons indicadores econômicos.
Até onde a vista alcança, o Brasil não verá isso tão cedo. Não há muitos economistas prevendo para logo um espetáculo do crescimento com dramática redução do desemprego. E, sem isso, Bolsonaro dificilmente conseguiria um passe livre para despachar cabos e soldados contra o STF ou contra o Congresso. Ao contrário, o que temos visto, por uma série de razões que não cabe comentar aqui, é um Legislativo mais independente e sem medo de contrariar o presidente.
Bolsonaro pode até querer se tornar um tirano, mas precisará acertar muito antes de ter alguma chance de fazê-lo. E até sua personalidade conspira para que não consiga
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