O Globo
A discussão do Orçamento de 2022 é a coroação de toda a deterioração do processo de definição de políticas públicas e planejamento de longo prazo que o Brasil vem sofrendo nos últimos anos.
A pandemia apenas agravou essa distorção
absurda, que cada vez mais parece difícil de reverter, de prioridades diante
das emergências do país.
O que os congressistas, em alinhamento com
o governo Bolsonaro, trataram de consumar neste restinho de ano foi a confissão
de que, diante de um barco à deriva, a ordem é salvar tudo o que for possível
para a própria sobrevivência da classe política e deixar para ver se há algo a
salvar ou reconstruir depois das eleições.
Aparentemente são fatos desconexos a demora
proposital em começar a vacinar crianças contra a Covid-19 e a destinação de
bilhões de recursos públicos a propósitos tão paroquiais quanto fundo eleitoral
e emendas do orçamento secreto — mas não são.
Ambos os movimentos têm como origem um governo que abriu mão deliberadamente de salvar o futuro, colocou-o no prego das faturas eleitoreiras para tentar se salvar de uma derrota até aqui mais provável.
Como tubarões que sentem cheiro e gosto de
sangue na água, deputados e senadores só aceleraram o rumo ditado pelo Palácio
do Planalto na hora de escolher as batalhas a lutar e os escaninhos onde
colocar os bilhões.
As crianças e as vacinas ficaram lá no fim
da fila, com todas as outras obrigações que o Brasil tem para com um amanhã
minimamente igualitário, sustentável e humano.
Diante da percepção de que a PEC do
Orçamento abriu uma clareira maior que as da Amazônia na responsabilidade
fiscal, tratou-se de lotear esses bilhões conseguidos de forma anômala nas
premências daqueles que têm um encontro marcado no ano que vem com um eleitor
mais pobre, menos saudável, com menos horizonte educacional e menor perspectiva
de ascensão profissional e salarial.
A perversão de empenhar tudo na bacia das
almas eleitoreira é que, de novo e sempre, se sacrifica o futuro que deveria
ser construído por meio de políticas públicas que financiassem grandes projetos
de superação da crise e alinhamento do país à nova economia e à necessidade de,
outra vez mais, superar a fome e a miséria.
Nada menos que R$ 5 bilhões serão gastos
para custear a campanha eleitoral. Sim, a democracia precisa ser financiada de
forma lícita, sob pena de o dinheiro do crime organizado se embrenhar para dar
vantagens econômicas a seus postulantes em detrimento de outros.
Porém a derrama de dinheiro público na
ordem de 144% a mais do que foi gasto em 2020 não garante que esse dinheiro do
“caixa 3” não correrá solto. E, além disso, está na hora de o Judiciário, que
tem revisitado tantas de suas decisões nos últimos anos, avaliar se considerar
o financiamento privado das campanhas inconstitucional (!) foi a melhor
resposta que poderia ter dado à corrupção. Não teria sido mais racional
construir um sistema eficaz de fiscalização da lisura das doações, em vez de
simplesmente interditá-las e espetar mais essa conta na Viúva?
Da mesma forma, os mais de R$ 16 bilhões
que serão pulverizados com o cartãozinho do deputado e senador lá na sua base
seriam mais bem empregados se consolidados em políticas verticais, amplas,
definidas por meio de projetos. Ainda que cada um pudesse “carimbar” sua
participação para colocá-las em pé. Isso seria a boa política.
Por fim, o reajuste casuístico e enviesado
ideologicamente a policiais federais desencadeará um efeito cascata de cobrança
de outros agentes de segurança tão líquido e certo que sobra a percepção de que
o objetivo foi justamente esse: criar mais um fator de instabilidade
institucional num já tumultuado 2022.
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