sexta-feira, 18 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Intervenção no setor elétrico é oportunismo

O Globo

Governo Lula aproveita apagão em São Paulo para tentar exercer controle político sobre a Aneel

Não passa de oportunismo a tentativa do governo Luiz Inácio Lula da Silva de usar o grave episódio do apagão em São Paulo para interferir na estrutura regulatória do setor elétrico. Desde o temporal da semana passada, que deixou mais de 3,1 milhões de paulistas sem luz, o ministro de Minas e EnergiaAlexandre Silveira, aumentou o tom das críticas à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), expondo a insatisfação do governo petista com o modelo de concessionárias privadas, que pressupõe agências reguladoras fortes e independentes. Depois do apagão, o governo chegou ao cúmulo de abrir na Controladoria-Geral da União (CGU) uma investigação preliminar para apurar irregularidades que atribui a diretores da Aneel com base em denúncias de Silveira — tarefa que nem cabe à CGU.

Em qualquer setor, a independência das agências reguladoras é fundamental para evitar intervenção política no mercado, garantir estabilidade jurídica, respeito aos contratos e a devida maturação dos investimentos. Tal independência pressupõe diretorias formadas por técnicos e profissionais experientes do mercado, com mandatos fixos e não coincidentes com o calendário eleitoral. Exatamente o contrário do que defendem Lula e Silveira.

Para entender por que a autonomia deve ser preservada, basta lembrar a transferência, sem licitação, da deficitária Amazonas Energia à Âmbar, controlada pela J&F dos irmãos Joesley e Wesley Batista. A operação, cercada de estranheza, foi facilitada pela edição de uma Medida Provisória às vésperas do negócio. No fim, o contribuinte brasileiro poderá herdar um prejuízo de R$ 14 bilhões. A Aneel se opôs, mas teve de avalizar a transação por força de uma liminar. O caso está na Justiça.

Não surpreende que o terceiro apagão em menos de um ano em São Paulo, logo antes do segundo turno das eleições municipais, tenha deflagrado uma disputa de narrativas que atribuem responsabilidades a adversários políticos, quando cada um tem sua parcela de culpa. Há falhas na fiscalização da Enel por parte da Aneel, mas não se pode ignorar que a agência reguladora tem sido esvaziada no atual governo.

Depois do apagão de março deste ano, causado por um acidente com cabos subterrâneos, um diretor afirmou que a agência não tinha mais estrutura para fiscalizar o setor elétrico, pois o quadro de pessoal reflete a realidade de 25 anos atrás (eram 730 funcionários em 2014; são 558 neste ano). A falta de diretores e as nomeações políticas também trabalham contra o bom funcionamento da Aneel. Nada disso incomoda o governo, interessado apenas em curvar a diretoria a seus interesses.

Os rompantes de Brasília contra a Enel também soam contraditórios. Como informou a colunista do GLOBO Malu Gaspar, desde abril Silveira fez três viagens à Itália e em todas esteve com executivos da concessionária a quem ventilou a renovação da concessão em 2028. Em junho, levou o próprio Lula a se reunir com o CEO da empresa durante encontro do G7.

Diante do apagão de quase uma semana em São Paulo, é óbvio que a Enel deve ser punida. Mas todos os ritos legais devem ser seguidos antes de ser cogitada a caducidade do contrato. A responsabilidade por essa avaliação cabe à Aneel, de forma técnica, não ao Ministério de Minas e Energia, cujo interesse é apenas pressionar por mudanças na diretoria da agência para exercer maior controle político sobre o setor.

Google demonstra resistência, mas aceita pagar por conteúdo jornalístico

O Globo

Acordo da plataforma na Califórnia comprova tendência mundial a remunerar veículos de imprensa

Google fechou em agosto um acordo com veículos de imprensa do estado da Califórnia pelo qual pagará US$ 250 milhões pelo uso de conteúdos produzidos pelo jornalismo profissional. O acordo, um avanço em pleno coração da indústria digital, revela as dificuldades que cercam esse tipo de negociação. Ao mesmo tempo comprova uma tendência: as plataformas digitais podem resistir, mas, se pressionadas por instrumentos legais, arcam com a responsabilidade.

O acordo passou a ser negociado de forma objetiva quando a deputada estadual Buffy Wicks, democrata de Oakland, apresentou um projeto de lei obrigando as plataformas digitais — Alphabet, controladora do Google, Meta, dona de Facebook e Instagram, e as demais — a negociar com empresas de comunicação a remuneração pelo uso de seu conteúdo jornalístico. O princípio é o mesmo que rege leis do tipo na Austrália, no Canadá e em países europeus: se o conteúdo da imprensa é usado para atrair audiência e rende receitas publicitárias às plataformas, nada mais justo que compartilhar essas receitas com os detentores do direito autoral, as empresas jornalísticas.

Como já fez na Austrália e no Canadá, o Google chegou a bloquear links dos veículos de imprensa californianos para pressionar contra a lei. Em resposta, o senador estadual da Califórnia Mike McGuire afirmou que se tratava de “claro abuso de poder” e “extraordinária demonstração de arrogância”. No fim, como foi revelado nesta semana, o Google impôs uma condição para fechar o acordo: o governo estadual contribuirá com US$ 70 milhões para financiar o jornalismo.

Não é, evidentemente, a solução ideal — o contribuinte não deveria ser convocado para um acerto entre empresas privadas. Mas a simples existência do acordo revela como as plataformas dependem da produção jornalística. Já houve outros entendimentos do tipo nos Estados Unidos. O Google fechou acordos com a News Corporation — dona de jornais na Austrália, do Wall Street Journal e da Fox News — e com o New York Times. Na França, resistiu, mas terminou aceitando pagar US$ 76 milhões a 121 editoras por três anos.

Na Austrália, pioneira na regulação da remuneração pelo conteúdo, a lei estabelece que, quando não há acordo, um órgão regulador define quanto elas devem pagar aos veículos de imprensa. Alphabet e Meta fecharam acertos com a maioria dos órgãos de imprensa australianos. Num primeiro momento, a Meta reagiu com bloqueio do acesso a sites de notícias em plena temporada de incêndios. A história começa a se repetir na Nova Zelândia, onde o Google ameaça bloquear o acesso a notícias, se for aprovado um imposto sobre as plataformas destinado a compensar as empresas jornalísticas.

Não se pode esquecer que, também no Brasil, tramita no Congresso Nacional um projeto que regula a remuneração dos produtores de conteúdo pelas plataformas digitais, separado do Projeto de Lei das Redes Sociais. Ele deve ser encarado com urgência. Como noutros países, as plataformas poderão resistir, mas no fim acabarão cedendo.

Fim de autonomia das agências seria retrocesso institucional

Valor Econômico

Retirar autonomia abriria espaço para que as empresas privatizadas sejam submetidas ao arbítrio de mutantes interesses políticos, nem sempre republicanos

Os péssimos serviços da Enel após fortes chuvas em São Paulo, que deixaram 3,1 milhões de imóveis sem luz em São Paulo, serviram de pretexto para uma ofensiva do governo Lula contra a independência das agências reguladoras. Criadas durante as privatizações no governo de Fernando Henrique Cardoso, elas foram instituídas como órgãos do Estado para supervisionar e disciplinar o comportamento de empresas que deixaram de ser públicas, várias delas monopolistas em suas áreas de atuação. Desde o início de seu primeiro governo, em 2003, o presidente Lula rejeitou a ideia de não poder controlá-las, mas há o risco de conseguir o que quer agora, no terceiro mandato.

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, é o principal e contundente porta-voz do desejo oculto do presidente Lula. Silveira ameaçou intervir na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) porque em vários momentos não cumpriu suas determinações, como se ela devesse obediência ao ministro e como se o titular do Ministério tivesse poderes de intervenção. “Uma coisa é autonomia, outra coisa é o que querem ter no Brasil, supremacia, soberania individualizada”, disse o ministro (Valor, 16/10). “Não acredito nesse papo furado de autonomia”.

O Executivo não lida bem com a independência das agências. Como detém a distribuição de recursos e a indicação para os cargos de suas diretorias, tem poderes suficientes para esvaziar suas atribuições ou impedir que cumpram seu papel a contento. Há várias maneiras de fazer isso, mas duas das principais são a não nomeação de cargos que se tornam vagos e a pauperização orçamentária, destinando apenas parte exígua das verbas que lhes competiam. Ambas foram usadas nos governos petistas e nos que lhes sucederam.

O Legislativo, que dá a palavra final ao submeter a sabatinas os aprovados para a direção das agências, muitas vezes faz parceria política com o Executivo para acomodar interesses político-partidários e de poder de ambos. Tornou-se prática comum, e desvirtuadora, que as agências sejam aparelhadas por partidos em troca de apoio político ao governo, com a indicação de pessoas com filiação política e com capacidades técnicas variadas, ou mesmo escassas. O pêndulo da divergência entre suas funções primordiais de instituições de Estado e de governo, como apêndices do Executivo e suas repartições, marca a história das agências desde o início. Nos governos petistas, elas não têm vida fácil. Há hoje 9 cadeiras vagas nas 12 agências reguladoras e mais 8 que ficarão desocupadas em 2025, quase um terço dos 59 cargos de direção existentes (Valor, 15/10).

O governo pediu que a Corregedoria Geral da União investigue a omissão da Aneel e possíveis irregularidades em sua atuação, com base em denúncias de Silveira. O apagão da Enel ocorreu em meio às eleições municipais, agregando um imbróglio político a outro técnico, não menos complexo. Silveira abriu carga pesada contra a Aneel, que já multara a empresa, para depois reconhecer, com discrição, que os contratos feitos com a Enel eram “frouxos”, isto é, que a eximiam de responsabilidades por eventos climáticos extremos. Em vez de somar esforços com a Aneel para encontrar uma solução para a reincidência de falhas graves da Enel e evitar que se repitam, o ministro mostrou-se mais interessado em subordinar a agência a seu comando.

O presidente Lula, em reuniões fechadas, queixa-se de que as agências foram capturadas por interesses privados no governo Bolsonaro. No caso em questão, é incongruente, mas atende a suas conveniências políticas. Silveira é do PSD, partido chefiado por Gilberto Kassab, que dá expediente na Secretaria de Governo de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, possível opositor de Lula nas eleições de 2026. Como senador, Silveira foi nomeado para líder do governo de Jair Bolsonaro no início de 2022, mas rejeitou. Foi padrinho da indicação de Pietro Mendes para a presidência do Conselho da Petrobras, depois de Mendes integrar o Ministério na gestão do almirante Bento de Albuquerque, no governo Bolsonaro. Silveira também emplacou na Petrobras seu secretário executivo, Bruno Eustáquio, da equipe de transição de Bolsonaro e secretário no Ministério de Infraestrutura do governo anterior.

O governo pretende fazer coincidir os mandatos das diretorias das agências com os do presidente da República, de forma que o Executivo controle todas as nomeações, ou então, o que dá no mesmo, a troca dos conselheiros com a posse do presidente da República - total ou parcial (O Globo, ontem). As agências passariam a ser repartições dos Ministérios, ao sabor da composição política da Esplanada, e não mais órgãos técnicos independentes que, com maior ou menor competência, têm exercido suas funções.

O loteamento dos cargos por critérios não técnicos, a falta de verbas adequadas e a pressão para mudar suas diretrizes enfraqueceram as agências. Elas têm é de ser cobradas a tomar decisões técnicas e embasadas. Retirar sua autonomia será um caminho sem volta e um retrocesso institucional enorme, abrindo espaço para que as empresas privatizadas sejam submetidas ao arbítrio de mutantes interesses políticos, nem sempre republicanos.

Descartado agora, horário de verão deve seguir em pauta

Folha de S. Paulo

Medida, que divide brasileiros segundo Datafolha, tornou-se opção para enfrentar seca e mudanças na geração de energia

O governo não vai adotar o horário de verão no período 2024-25. A decisão era esperada, até pela demora em discuti-la. Levaria tempo para que fosse implementada, e a poupança de energia seria menor. As dificuldades que suscitaram o debate, porém, permanecem.

Ao final do período de chuvas no centro-sul do país, em abril próximo, espera-se que a administração federal esteja preparada para adotar providências a fim de evitar problemas no abastecimento de eletricidade no horário de pico do começo da noite.

A geração de eletricidade mudou desde que o horário de verão foi cancelado, em 2019. Vai mudar mais, segundo projeções das autoridades do setor. Passaram a ter peso maior as fontes solar e eólica. Por óbvio, não há como contar com a radiação do sol a partir do início da noite; pode ainda haver inconstância na produção de energia derivada do aproveitamento dos ventos.

No final de 2023, 50,4% da capacidade instalada de geração estava em hidrelétricas. A segunda maior fonte era a solar, com 17,5%; a eólica ficava com 13,3%. Na projeção das autoridades, as proporções em 2028 serão 44,1%, 26,3% e 14,1%, respectivamente.

A fim de haver folga de segurança no abastecimento no horário de pico da noite, é preciso contar com as usinas hidrelétricas e térmicas. Em anos de seca, afora outras restrições operacionais, o recurso às primeiras pode ser limitado. A energia das segundas é mais cara e poluente.

A adoção do horário de verão contribuiria para aumentar a segurança e a economia do sistema. Outras opções de urgência vêm sendo implementadas. O custo da energia e, pois, o desincentivo ao consumo sobem com a adoção da bandeira vermelha, um remédio ruim. Grandes consumidores vão receber compensações financeiras a fim de modificar seus horários de maior demanda.

Ainda assim, continuam as pressões causadas pela mudança na geração e pelo risco de seca, aumentado pela crise climática. Além do mais, é preciso dar cabo do atraso nos leilões de contratação de energia e reformar o setor.

O governo promete para novembro uma lei para dar conta da barafunda, dos subsídios indevidos, das injustiças e das ineficiências do sistema, piorados frequentemente pelos favores que o Congresso distribui a lobbies.

A mudança no relógio é controversa. Segundo pesquisa do Datafolha, a população está dividida —contrários e favoráveis reúnem os mesmos 47%. Mas, enquanto não se resolverem outras limitações, o horário de verão tende a ser uma resposta ao menos para anos de pouca água nos reservatórios das hidrelétricas.

Reformas regulatórias, do uso da água inclusive, incrementos de eficiência e mudanças tecnológicas podem aumentar a segurança do abastecimento. O assunto é amplo e muito complexo. Uma longa sucessão de governos não se dedicou a ele, exceto em momentos de crise grave, o que sobrevirá se a leniência persistir.

A tragédia dos transplantes e seus responsáveis

Folha de S. Paulo

Caso exige investigação rigorosa e indica falha na fiscalização de entes privados contratados pelo SUS, a ser aprimorada

O caso chocante das seis pessoas que receberam transplantes de órgãos contaminados pelo vírus HIV no estado do Rio de Janeiro provoca justa indignação e demanda investigação e punição rigorosas.

Mais complexo é avaliar se eventuais erros ou deficiências de política pública levaram à tragédia —que suscitou ataques açodados tanto ao Sistema Único de Saúde (SUS) como a suas parcerias com o setor privado.

Primeiro, deve-se considerar o ineditismo. Segundo especialistas, como a chefe da Comissão de Infecção da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, Lígia Câmera Pierrotti, a contaminação dos transplantados por HIV não tem precedentes no Brasil.

Há uma portaria, editada em 2009 pelo Ministério da Saúde, que fixa critérios para a triagem de doadores, que são testados para patógenos infecciosos.

O volume nacional de procedimentos também indica como o caso está fora da curva. De janeiro a junho deste ano, houve 4.579 transplantes de órgãos, 8.260 de córnea e 1.613 de medula óssea.

Já as parcerias com o setor privado merecem olhar pragmático. Dada a escassez orçamentária em todos os níveis de governo, terceirização e concessões são necessárias para ampliar o atendimento à população, como ocorre nos mais diferentes setores.

Não se trata de panaceia. A eficiência dos serviços exige bom desenho de processos licitatórios e fiscalização. O caso fluminense revela possíveis falhas no controle de qualidade dos terceirizados do SUS, mas que não comprometem o modelo de parceria.

Auditoria conduzida pela Anvisa, agência reguladora nacional, e pela Vigilância Sanitária estadual achou, após a revelação do episódio, 39 irregularidades no PCS Lab Salene, que elaborou os exames com o falso negativo.

A Folha levantou quatro processos por danos morais relativos a erros que teriam sido cometidos por laboratórios dos sócios da empresa desde 2010 —o contrato com a Secretaria de Saúde para realizar exames para a Central Estadual de Transplantes foi firmado em dezembro de 2023.

De acordo com a Polícia Civil, o laboratório teria reduzido a frequência da testagem dos reagentes para aumentar lucros.

Esses são apenas exemplos de mazelas que poderiam ser prevenidas ou detectadas por meio de licitação cuidadosa e fiscalizações periódicas. Agora, resta que a polícia e o Ministério Público investiguem e a Justiça puna os responsáveis no rigor da lei, que as vítimas recebam suporte e, claro, que o monitoramento dos terceirizados seja aperfeiçoado.

A senilidade lulopetista

O Estado de S. Paulo

Lula finalmente descobre que o PT, incapaz de representar os trabalhadores, precisa de uma ‘rediscussão’ interna para evitar que a direita se torne hegemônica

“O governo precisa tomar um chacoalhão”, sugeriu à repórter Vera Rosa o ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha. Integrante da velha-guarda do Partido dos Trabalhadores (PT), Cunha pregou ao Estadão a necessidade de reformulação do partido após os maus resultados das eleições municipais, assim como a importância de o governo do presidente Lula da Silva “entender os sinais que estão aparecendo na sociedade” e corrigir seus problemas para enfrentar os próximos dois anos – leia-se: preparar o terreno para a disputa presidencial de 2026.

Foi mais uma entre muitas análises que expressam a perplexidade de um partido, o PT, e da esquerda marxista, que vê o mundo exclusivamente sob o prisma da luta de classes, diante da hemorragia de votos e de simpatia em setores antes tidos como cativos. Hoje, para resumir, o Partido dos Trabalhadores não representa os trabalhadores, apenas os sindicatos – que, na datação do mundo do trabalho, estão na idade da pedra.

Cunha ecoou o que Lula já reconhecera dias antes. “Temos que rediscutir o papel do PT”, avaliou o presidente ante derrotas fragorosas no Brasil. Ao seu estilo, Lula sugeriu a “rediscussão” do papel do seu partido, como se ele próprio não fosse responsável pela crise, ao interditar a renovação e ao atrelar o PT a imperativos puramente eleitorais. Mesmo os petistas mais empedernidos admitem que o resultado das eleições municipais foi péssimo se comparado a anos como 2012, quando também ocupava a Presidência, e um sinal evidente da desidratação da esquerda, da consolidação da direita e da relativa diluição da polarização entre o lulopetismo e o bolsonarismo.

As agruras lulopetistas, contudo, não têm a menor importância para o Brasil. O que, sim, interessa é observar que não é bom para o País que haja qualquer hegemonia política, nem à esquerda nem à direita, razão pela qual a esquerda precisa se livrar do lulopetismo e das cansativas batalhas identitárias do psolismo e se modernizar, para que, como social-democracia, volte a ter relevância no debate público contra uma direita que, de modo inteligente, captou as aflições e os desejos da maioria do eleitorado.

Quando deveriam pensar sobre um Brasil que se transforma a olhos vistos e numa velocidade estonteante, Lula e seus aliados trabalham sob a mesma lógica dos anos 2000, quando chegaram à Presidência pela primeira vez. Trata-se de um envelhecimento que vai muito além da idade de suas lideranças. É uma senilidade de ideias – em parte decorrente do próprio pensamento rupestre típico da esquerda marxista, em parte decorrente dos erros do passado, jamais admitidos.

Do mesmo modo que o Brasil precisa de uma direita não bolsonarista e não golpista, também precisa de uma esquerda moderna, capaz de fazer um contraponto qualificado. Não está claro qual caminho o PT adotará nessa rediscussão, mas parece difícil que seja o PT a promover tal modernização e a construir uma esquerda liberal progressista, não estatista, não radical e não dependente de Lula – atributos essenciais para lidar com uma direita que caminha para monopolizar o cenário político do País num futuro previsível. O que se vê, por ora, é um discurso essencialmente concentrado na polarização, nas questões identitárias e na velha cantilena anti-imperialista, demonstrando excruciante incapacidade de atualizar sua agenda.

Enquanto isso, o PT ainda padece do seu vício de origem: achar que os eleitores é que estão cometendo erros, induzidos por algoritmos, pela mídia e pelas “elites”. Ignora, por exemplo, os anseios de prosperidade da nova classe média – que o marxismo chama jocosamente de “pequena burguesia” –, desejosa de um Estado que justifique os impostos que cobra e não lhe atrapalhe a vida. E ignora as aspirações de eleitores e cidadãos de baixíssima renda que ainda precisam da proteção e do cuidado do Estado. Para os primeiros, essa esquerda embolorada parece não ter projeto, reservando-lhes indisfarçável desdém. Para os demais, não oferece muito mais do que a velha política de transferência de renda.

A violência documentada de Maduro

O Estado de S. Paulo

Relatório da ONU descreve os crimes contra a humanidade cometidos pelo regime do ditador venezuelano e dá nova chance à dupla Lula-Amorim de parar de justificar o injustificável

A repressão do ditador Nicolás Maduro, já reconhecidamente pavorosa segundo os relatos corajosos da oposição venezuelana, ganhou uma nova evidência nesta semana: num informe de mais de 160 páginas, a missão criada pela ONU para investigar as violações de direitos humanos no país apontou uma série de crimes contra a humanidade antes, durante e depois da eleição de julho – aquela cujos resultados foram escandalosamente fraudados para dar a vitória ao ditador. A lista de crimes inclui tortura, violência sexual, desaparecimentos forçados e prisões arbitrárias. O relatório fala em “funcionamento consciente e premeditado” da “máquina de repressão” do Estado, a partir de uma estreita cooperação entre militares e as diferentes instituições a serviço de Maduro. Antes da eleição, a máquina operou para “desarticular e desmobilizar a oposição”. Depois, foi intensificada e continua até hoje.

Mesmo para os conhecidos padrões de truculência do chavismo, o relato é de espantar e aprofunda o muito que já se sabia: no terror venezuelano promovido por Maduro e seus fantoches, dissidentes foram obrigados a deixar o país, outros se refugiaram em embaixadas estrangeiras em Caracas, muitos foram presos. A investigação da missão da ONU documenta múltiplas violações, tudo “parte de um plano coordenado para silenciar críticos e oponentes”. E o mais grave: entre as vítimas estão crianças, mortas em operações de perseguição promovidas pelas forças de segurança do ditador e grupos simpáticos ao regime. A missão confirmou 25 mortes nos protestos que se seguiram à eleição, evidenciando uma mudança de perfil das vítimas e perseguidos. Se antes já era grave, atingindo líderes políticos e ativistas, depois passou a ser gravíssimo, ao incluir “o público em geral, alvo simplesmente por demonstrar discordância com as posições do governo ou com os resultados da eleição presidencial”.

O relatório deixa o presidente Lula da Silva e seu chanceler paralelo (e de facto), Celso Amorim, numa sinuca. A dupla, como se sabe, costuma ser complacente com o companheiro Maduro e com qualquer outro tirano que se alinhe ao antiamericanismo que mesmeriza os petistas. Em que pese ser o país líder da América do Sul e um dos principais mediadores do Pacto de Barbados – acordo selado em outubro de 2023, naquela ilha caribenha, entre Maduro e a oposição para garantir a lisura do pleito –, o Brasil optou pelo silêncio inaceitável. Antes, durante e depois da eleição, enquanto Maduro promovia sua barbárie, Lula e Amorim não hesitaram em desmoralizar a diplomacia brasileira e em insultar a inteligência alheia. Resta saber o que dirão agora, ante o relatório divulgado pela missão da ONU. Convém lembrar que, na semana passada, o mandato da missão internacional foi renovado, mas o Brasil optou por abster-se, alegando que a resolução que dava aos investigadores o direito de seguir seu trabalho era desequilibrada e ampliava o isolamento de Maduro.

Antes que as gralhas gritem, contudo, resta dizer: a missão da ONU não está sozinha. Antes dela publicaram relatórios igualmente graves organizações respeitadas como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a Organização dos Estados Americanos e a Human Rights Watch, todas apontando, entre 2021 e 2023, os crimes políticos cometidos por Maduro. Mas Amorim, sempre ele, já recorreu até ao escárnio para lavar as mãos e proteger Maduro. “Sou do tempo da bossa nova – a gente nunca sobe o tom”, disse. De fato, nunca – desde que se trate de tiranos companheiros ou inspirados por uma suposta influência nos regimes manietados por China e Rússia, que financiam e armam países dispostos a enfrentar o Ocidente em geral e os EUA em particular. Afinal, o mesmo não se aplicou aos conflitos na Ucrânia ou em Gaza, temas com os quais Amorim e Lula subiram o tom de forma superlativa, como aquele ultrajante momento em que Lula comparou as operações militares de Israel ao Holocausto. Isenção ante processos eleitorais soberanos nos países vizinhos? Quando se tratou de apoiar o companheiro peronista Alberto Fernández contra Javier “El Loco” Milei na eleição argentina, Lula mandou às favas a isenção.

Lula e Amorim têm nova chance agora de deixar a bossa nova para lá e subir o tom, pois não há mais como justificar o injustificável.

Casa própria mais distante

O Estado de S. Paulo

Caixa Econômica Federal amplia limites para financiamento e restringe sonho da classe média

A Caixa Econômica Federal vai impor limite de preço e novos tetos para o financiamento de imóveis a partir de 1.º de novembro. Com as mudanças, recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) só poderão ser utilizados para a compra de imóveis de até R$ 1,5 milhão. Além disso, o limite para financiamento pelo Sistema de Amortização Constante (SAC) cairá de 80% para 70% do valor do imóvel, enquanto no modelo Price o limite será ainda menor, caindo de 70% para 50%. Na prática, trata-se apenas da oficialização de algo que quem vem buscando financiamento da Caixa já sabe: está faltando crédito imobiliário.

É sintomático, contudo, que o anúncio ocorra em momento em que tudo o que o governo Lula da Silva mais deseja é baratear diversas linhas de crédito, mesmo com a Selic em alta, para conquistar a classe média. Mas a realidade, sempre ela, mais uma vez se impõe.

Responsável por quase 70% do volume de financiamento imobiliário brasileiro, a Caixa vem lidando com a escassez de recursos da caderneta de poupança, além de regras mais rígidas para emissão de Letras de Crédito imobiliário (LCI), dois instrumentos importantíssimos para o financiamento de imóveis. Como a poupança rende pouco ao investidor, tem havido transferência de investimentos desse produto para outros mais rentáveis, como os Certificados de Depósito Bancário (CDBs).

Vale lembrar também que outra importante fonte de recursos para o crédito imobiliário, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), tem tido seu caráter cada vez mais desvirtuado, agora sendo utilizado até mesmo na aquisição de passagens aéreas ou como garantia para acesso a empréstimos em bancos privados.

As medidas anunciadas pela Caixa atingem em cheio a classe média, aquela que o governo busca cortejar, mesmo sem ter um projeto para ela. Mundo afora, realizar o sonho da casa própria, um símbolo da prosperidade pós-guerra, vem tornando-se cada vez mais difícil, especialmente para as novas gerações. No Brasil, de juros em ascensão (além de historicamente elevados), faltam ainda projetos, já que os lançamentos imobiliários se destinam majoritariamente aos muito ricos ou aos pobres, por meio do programa Minha Casa Minha Vida.

Agora as opções, que já eram limitadas, se tornam ainda mais reduzidas. Em entrevista à Rádio CBN, Alberto Ajzental, professor da Fundação Getulio Vargas e especialista no setor, afirmou que exigir entrada de 50% no sistema Price é “muito” e “quase que inviabiliza” a compra de imóvel por essa modalidade. Ele também destacou que a Caixa será mais seletiva, concedendo crédito a quem tem mais condições. Na prática, isso quer dizer que quem mais depende de crédito terá mais dificuldade para consegui-lo.

Baratear o crédito obviamente ajudaria a classe média brasileira a financiar seus sonhos, mas para tal o governo deveria, como primeiro passo, criar condições para que a Selic, que sobe porque o Executivo é viciado em gastança, pudesse cair. Se quiser realmente ajudar a classe média, o governo pode começar deixando de atrapalhar.

Varejistas em contagem regressiva

Correio Braziliense

Com previsão de faturamento de R$ 7,93 bilhões, a expectativa é de que a Black Friday 2024 tenha um crescimento de mais de 10% em relação à edição de 2023

A pouco mais de um mês de uma das principais datas para o varejo no Brasil, pesquisa traça o perfil do consumidor da Black Friday 2024, que ocorrerá entre 29 de novembro e 2 de dezembro, embora as ofertas — ou a promessa delas — sejam diluídas ao longo de semanas. A animação dos comerciantes faz sentido. Com previsão de faturamento de R$ 7,93 bilhões, a expectativa é de um crescimento de mais de 10% em relação a 2023, segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm). O consumo deve ultrapassar 10,7 milhões de pedidos, com um tíquete médio de compras de R$ 738, um pouco mais que a metade do salário mínimo. Eletrônicos, eletrodomésticos, produtos nas áreas de saúde, beleza e moda fazem parte da lista de desejos.

A pesquisa Quem está comprando? contou com 1,5 mil respondentes, homens e mulheres, das classes ABC, com 18 anos ou mais e moradores de todo o Brasil. O estudo, divulgado pela empresa de tecnologia MindMiners, indica também que 47% dos entrevistados planejam gastar na Black Friday deste ano e 38% reservam uma parte do orçamento anual especificamente para essa data. Com relação à sexta-feira de descontos, estreia do evento, 56% dizem que utilizam a data para as compras de Natal e ano-novo.

Outro dado que a pesquisa mostra é a dicotomia entre o poder aquisitivo do brasileiro — que vem caindo ao longo dos últimos anos por diversos fatores — e uma forte inclinação a participar das promoções. Entre os respondentes, 54% relataram redução do poder de compra, o que tem tornado a aquisição de produtos e serviços mais desafiadora. Mesmo que alguns ainda consigam manter as contas em dia, 34% enfrentam dificuldades para honrá-las, reforçando um cenário de inadimplência que, segundo a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas, afeta 68 milhões de pessoas no país. 

Moradia e alimentação e bebida abocanham boa parte da renda dos brasileiros — 39% e 50%, respectivamente —, que fazem questão de ter descontos significativos para aquisições além da lista do essencial. Sessenta por cento dos consumidores, por exemplo, se sentem incentivados a adquirir um produto ou serviço quando recebem um cupom ou código de desconto, 49% aguardam ansiosamente por boas promoções e 49% preferem comprar em lojas que oferecem cashback ou programas de pontuação. Por fim, 53% afirmam que preferem comprar itens que não cabem em seu orçamento, mas que, com os descontos, acabam se tornando acessíveis. 

O fato é que a Black Friday se transformou em uma vitrine de produtos. E, como todo bônus tem o ônus, também virou foco de golpistas e hackers que veem grandes oportunidades de surrupiar o consumidor brasileiro. Somente na Black Friday de 2023, as tentativas de fraude (quando um pedido é feito no e-commerce com o fraudador realizando venda em nome de um varejista) somaram R$ 10 milhões. Então, é preciso ficar de olho para não cair em cilada. E, antes de fechar a compra, pensar duas, três vezes se realmente precisa do produto. Nem sempre o preço estará tão vantajoso assim. Comprar por impulso pode sair caro demais.

 

 

 

2 comentários:

Mais um amador disse...

Salvo engano de minha parte, os conflitos de interesse apontados nos editoriais acima, envolvendo a responsável pela prestação do serviço de energia em São Paulo, o Executivo federal, o governo do estado e partidos interessados nos cargos das diretorias das agências reguladoras podem ser tomados como exemplares daquilo que os atuais laureados com o " Nobel " de economia chamam de instituições inclusivas e extrativistas. Enquanto as primeiras são notáveis por sua contribuição ao aperfeiçoamento e bem-estar do coletivo social, as segundas reforçam mecanismos de apropriação do patrimônio público/estatal por setores da elite. " Por que as Nações Fracassam ", dos pesquisadores premiados, analisa como tais instituições foram construídas historicamente nos países tidos como desenvolvidos e naqueles considerados pobres.

Anônimo disse...

Sim, é bem isto. O Ministério do Meio Ambiente no DESgoverno Bolsonaro também exemplificou o segundo tipo de instituição, quando comandado pelo atual deputado Ricardo Salles de SP.