O Estado de S. Paulo
Insinuações de ligações do PCC com candidatos e partidos fazem parte do embate político nos últimos 20 anos: a diferença agora foi isso ser tratado pelo governador em uma entrevista coletiva
Era outubro de 2002. O delegado Godofredo
Bittencourt Filho, então diretor do Departamento Estadual de Investigações
Criminais (Deic) havia acabado
de indiciar toda a cúpula do Primeiro Comando da Capital no maior inquérito até então
feito contra a organização criminosa. Pela primeira vez um candidato petista ao
governo de São Paulo disputaria o segundo turno. José Genoíno ia
disputar a eleição contra o tucano
Geraldo Alckmin.
Foi nesse contexto que surgiu pela primeira vez a informação de que um preso do PCC determinara o voto na candidatura de um petista. A informação vazou para jornalistas. Mas nem Alckmin nem nenhuma outra liderança tucana a divulgou em meio a uma entrevista coletiva. O mesmo aconteceu nas eleições seguintes: as administrações de Cláudio Lembo e de Rodrigo Garcia seguiram o mesmo roteiro de Alckmin. Nenhum deles tentou usar politicamente essa informação contra seus opositores.
Ameaçado de morte pela facção – ele já foi
alvo de três planos que pretendiam executá-lo – o promotor Lincoln
Gakiya esclarece, sempre que perguntado, sobre o tema: presos
votam e sempre escolhem políticos ou partidos de oposição, pois veem nos
governos o “opressor”. Exemplo disso é que o então governador Alckmin, em 2011,
teve seu assassinato cogitado pela facção, o que ficou registrado na
megainvestigação concluída por Gakyia em 2013 e que levou à denúncia de 175
integrantes do PCC.
“Desde a época do PSDB sempre foi assim. Eles
(os presos) também orientam os familiares a votar nesse sentido”, esclarece o
promotor. Mas – e é o que importa – “não houve pedido de voto do político ou
contato com os criminosos”. Mensagens como as citadas por Tarcísio sempre
existiram. Presidiários votam. E decidem em quem votar. Assim, ninguém pode ser
responsabilizado pela escolha do preso. Criminoso seria um acordo entre o
partido ou entre o candidato e os bandidos.
Em 2006, Jorge Bornhausen, então no PFL,
e o próprio Serra quiseram empurrar a crise dos ataques do PCC em São Paulo
para o colo do PT, insinuando ligações entre o partido e a facção. Era a forma
de se livrar da obrigação de prestar contas pelo fracasso das forças de
segurança em evitar os ataques que paralisaram o Estado. O embate político foi
duro, mas nenhum deles usou o PCC no dia da eleição.
Na eleição passada, foi a vez de Sérgio Moro, já senador eleito, tentar a mesma manobra ao
acusar o PT e tentar se apropriar da ordem para transferir a cúpula da facção
para o sistema prisional federal. Acabou desmentido por Gakyia, que sempre foi
avesso ao uso político do combate ao crime organizado, pois entende que esta
deve ser uma luta suprapartidária. “Nos entristece saber que políticos e até um
ex-juiz alterem a verdade para tentar obter algum ganho político dessa
história. No final dessa história fiquei com o ônus da operação, pois o PCC
sabe que sou o ‘único’ responsável por ela e os políticos com o bônus”, disse.
É preciso voltar ao distante ano de 1989 para
encontrar um precedente semelhante ao de Tarcísio. No dia do segundo turno da
eleição presidencial daquele ano, quando Lula concorria com Fernando Collor, os
policiais da equipe do investigador Oscar Matsuo, do Deic, cercaram o
cativeiro onde era mantido o empresário Abílio Diniz, no Jabaquara. O refém foi
libertado e os sequestradores, presos. Eram todos integrantes de grupos da extrema-esquerda: o ERP
argentino, o MIR chileno e as FPL salvadorenhas.
Um delegado resolveu, então, vestir camisetas
do PT nos sequestradores antes de os apresentar à imprensa. Mas o fez sem o
conhecimento do governador Orestes Quércia. O partido e Lula não tinham nenhuma
relação com a turma. Ao seguir pelo mesmo caminho, a instrumentalização para
fins políticos da luta contra o crime organizado, Tarcísio busca colocar a
camiseta do PCC na esquerda. Não é assim que se combate o PCC. Se fosse
verdadeiro o vínculo de Boulos com a facção, o lugar para tal informação estar
seria um inquérito e um pedido de prisão. E não na boca de um governador no dia
da eleição.
2 comentários:
Muito bom! Tarcísio se mostrou como de fato é: bolsonarista de carteirinha, capaz das piores e mais indecentes baixarias, sempre disposto a MENTIR quando parecer vantajoso. Por isto os bolsonaristas são tão adeptos das "fake news" e acham que é "direito" deles publicá-las ou divulgá-las livremente.
Condutas como essa mostram o caráter de Tarcísio. Cadetes da Aman puseram fogo numa reserva ambiental o que também mostra o despreparo e indiferença desses oficiais do naipe de Pazuelo, Tarcísio & Cia. E tem gente acreditando que os militares salvariam a pátria...
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