O Estado de S. Paulo
A interdependência entre povos e nações sempre retorna, assombrando os isolacionistas e tornando provisório o triunfo dos autoritários
Digerir os resultados da eleição
norte-americana, que confirmaram Donald Trump como caso incomum de presidente
com mandatos intercalados e lhe deram o controle das Casas Legislativas, leva a
pensar não só na sorte da democracia naquele país, como também na estrutura do
mundo que tende a se desenhar nos próximos anos. Ficaram para trás ideias
parciais sobre o trumpismo, como a de que só expressava o ressentimento da
minoria branca e conservadora. Por esse argumento, a demografia variada e
complexa por si só garantiria o sucesso dos democratas, se não necessariamente
no anacrônico Colégio Eleitoral, pelo menos no voto popular.
A demografia não é um destino e não pode haver a certeza prévia da afirmação de nenhuma maioria. Um bilionário com variados problemas judiciais e dois impeachments, um dos quais por investir contra a transição pacífica de poder, conseguiu capturar o sentimento majoritário. Seria ele, e não uma mulher de classe média, a se mostrar em sintonia com o difuso sentimento de mal-estar contra as “elites”. Ironicamente, alguns disseram que, para tal manobra, Trump estaria muito bem equipado: ele, e não outro, encarna fielmente a figura do homem rico segundo a percepção de pobres e remediados, supostamente acima das tentações corruptoras do sistema. Por aí, também, se abriu uma surpreendente possibilidade de empatia com queixas e dificuldades dos “de baixo”.
A capacidade expansiva do Partido Republicano
não decorreu evidentemente só dessa circunstância. Antes de tudo, o Grand Old
Party completou neste ciclo eleitoral sua transformação em movimento de massas
a serviço de um carisma e do seu culto. Um condottiero, aliás, nunca tem medo
de hipérboles e virulências retóricas. Para Trump, ele já está à frente de algo
que é o maior movimento político de todos os tempos, capaz de associar magnatas
do Vale do Silício e uma multidão imensa de humilhados e ofendidos, invadindo
territórios eleitorais que se supunham propriedades do partido rival.
Inorgânicas e contraditórias, as massas de Trump podem agora se tornar
instrumentos de vingança contra “vermes” e “inimigos internos” que povoariam
burocracia pública, universidades, imprensa tradicional e demais engrenagens da
sociedade civil.
Movimentos desse tipo se espalham por vários
países do Ocidente, independentemente da antiguidade ou vitalidade das
tradições democráticas. Não se pode comparar sob quase nenhum aspecto os
Estados Unidos e a Hungria, para dar um exemplo gritante. São histórias
diferentes, realidades inteiramente desiguais. No entanto, o programa
antiliberal de Viktor Orbán, possivelmente radicalizado, é um dos faróis que
parecem guiar o segundo mandato de Trump. Estruturas sociais diversas dão
origem a soluções assemelhadas, como a indicar que a desorganização do trabalho
industrial e das formas de representação tradicionais é mesmo um caminho sem
volta. E que o impulso da mundialização econômica, com suas cadeias globais de
valor, fragmentação do trabalho e formas débeis de representação, sofre agora
uma potente revanche marcada pelo nativismo econômico e o autoritarismo
político.
As diferentes sociedades conhecem, assim, um
realinhamento poucas vezes visto sob o signo de um apregoado senso comum,
invocado para responder a problemas complexos com fórmulas simplórias.
Imigrantes são acusados, simultaneamente, de roubar o emprego dos trabalhadores
locais e explorar como vadios os benefícios disponíveis nos países que os
recebem. A solução seria deportá-los massivamente, como anuncia Trump, pondo em
ação mecanismos de Estado policial para rastreá-los, confiná-los e despejá-los
sabe-se lá onde. Os eleitores se dizem assustados, com razão, pelo nível alto
dos preços ou pela inflação, mas aplaudem o líder para quem a palavra “tarifa”
é uma das mais belas do dicionário. Pagarão do próprio bolso a compreensão
acanhada da economia. A base popular produzida por aquele realinhamento
dificilmente terá forças para demover o “novo” Partido Republicano da sua
agenda de cortes de impostos para os ricos e ameaças a programas clássicos de
segurança social. E são apenas alguns pontos em que senso comum e bom senso se
opõem de modo agudo e incontornável.
Em cada situação, aporias e dificuldades
decorrentes da tentativa de colocar o próprio país “em primeiro lugar”,
relegando a cooperação internacional a segundo plano e adotando um viés
puramente mercantilista, típico dos homens de negócio, não permitem antever
nada de promissor numa época de desafios verdadeiramente globais, como guerras
e crise climática. A interdependência entre povos e nações, expulsa
estrepitosamente pela porta, sempre retorna pela janela, assombrando os
isolacionistas e tornando provisório o triunfo dos autoritários. Mas desagregar
o bloco em que estes se apoiam é uma tarefa que os democratas, mundo afora, não
têm sabido cumprir com coerência e firmeza. Deste fracasso vem a sensação
recorrente de que por mais algum tempo, ainda indefinido, o otimismo da vontade
restará submetido ao pessimismo da razão.
2 comentários:
“ O Trump prometeu guerra contra os vermes e inimigos internos e traidores que povoam a burocracia estatal, as universidades e a imprensa militante esquerdista, que estão encastelados nas instituições republicanas
Muita coisa vai mudar Aguardem e se preparem
E não adianta está vindo com choro ro e ofensas , de nada adiantará
O choro e a raiva é livre!!
Quando o governo Trump começar a botar pra quebrar em cima do Lula , Moraes e companhia Esses mesmos jornalistas vão cada um saindo de fininho , como quem não quer nada, tipo eu não estou nem aqui rsrs
Pensando, imagina se meu visto pros Estados Unidos também for Cancelado ?
Uma cambada de oportunista e covarde
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